segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Dicionário das coisas (ou as Vacas Terroristas)

Jardim: “É a paragem onde transmorfias maravilhosas acontecem no silêncio mais absurdo que pode existir: o da vida que se faz. Orquestras deveriam soar, trombetas estrondosas deveriam gritar, ou pelo menos uma flauta e um oboé deveriam acompanhar cada desabrochar de flor e luzir de folha. Alquimistas, magos, cientistas olham pro tronco que se ergue, pro sol que se deita na folha, pras cores que vemos e que não vemos, com mágoa – a de não poder, a de ter que se contentar com o mistério, sem talvez nunca achar sua luz. Quando a chuva em gota escorre na poeira seca de uma folha verde vivo fica mais fácil acreditar em Deus”.


Há uma magia sim - como diz o autor de cujo conto extraí algumas palavras (ele se chama Vinícius Bezerra) - nas plantas. Elas são sol, são água, são ar e terra. São belas e simples. Devemos a nossa perturbada existência a elas - que nos dão o seu xixi gasoso, o oxigênio, que respiramos para nos mexermos e construirmos coisas que as matam - não é lindo? Mas pagaremos o preço. Já começamos a pagar aliás.

Eu sei que isso é excessivamente meigo, mas eu tive um jardim quando era criança. (Não tenho fotos porque não tinha digital na época e as imagens meigas e toscas passavam em branco...) Gostava de vê-las crescer. As vizinhas me elogiavam confusas sobre o que poderia significar um menino de sete anos cuidar por conta própria de um jardim. Regava todo dia, comprava o adubo - daqueles que saem do intestino das vacas... Era irônico que grupos destas últimas, talvez num tipo extremista de reivindicação do que é seu (a um nível molecular) ou como forma de vingança contra a humanidade (personificada em mim, segundo o olhar terrorista das vacas), entrassem portão a dentro e comessem as pétalas rosas e amarelas, as folhas verdes, os estames frágeis... para mastigarem durante horas e transformarem depois tudo em bosta... que seria colhida por mim em seguida, oferecida às plantas com amor e cuidado, fechando assim o ciclo de terra, flor, vida, beleza, morte, bosta, terra...

Tudo flui, tudo vai e volta, nada se cria, tudo se transforma...

Estou no meio do ciclo. Cuidado com as vacas.

Meu jardim, depois das vacas.

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