sábado, 6 de fevereiro de 2010

Esses dias eu (re)vi: Ensaio sobre a cegueira

Blindness. Cegueira. Não ver. Perdido. Só.

Poupo-me e poupo-vos de uma tentativa fadada ao insucesso de compor uma crítica superlegal. Acessem o blog do próprio diretor, c'est mieux: http://blogdeblindness.blogspot.com/



Saramago chorou ao fim da première de Ensaio sobre a a cegueira. Disse a Fernando Meireles que estava sentindo naquele instante exatamente o que tinha sentido ao terminar o livro. Eis um Elogio. Adorei o filme - prefiro o livro, pelas razões que fazem em geral as pessoas preferirem os livros: a imaginação pinta as cenas e os personagens de uma forma bem mais fiel ao que eles são de fato: o que o leitor quer que sejam. Mas que a versão meireliana do Ensaio é a melhor possível, sem dúvida.

O casal japonês me fez lembrar de Lost - nada a ver, mas é a mesma forçação de barra no sentido de multietnizar tudo, de variar tudo... Tudo bem, entende-se a mensagem, foi uma licença que o diretor tomou e que não prejudica em nada o desenrolar do filme ou a fotografia. Mas que pra mim foi uma surpresa, foi.

O resto do filme é como uma transcrição ao contrário de um romance. Nada a acrescentar. Bem...

Nos EUA - sempre os EUA - os cegos fizeram protestos e boicotaram o filme. Porque? Porque achavam que na película os cegos eram retratados como pessoas sem moral, agressivas, egoístas, etc. Dâaaaaa...

Que cegos sejam seres humanos é fato às vezes esquecido pelas pessoas. Na alcunha pseudocarinhosa, aliás, pseudocaridosa de se referir aos cegos o "ceguinho" estão incluídas uma série de noções ingênuas... Cegos não sentem desejos; cegos são bons e não fazem jamais o mal, etc. Bien, isso não é verdade. Mas o meu argumento não é esse:

O óbvio contra os protestantes profissionais americanos é que uma cosia é nascer cego - e contar com a assistência obrigatória dos não-cegos para viver como seres humanos normais, que é o que são; outra coisa é ser cego entre cegos lançados numa luta pela vida com a qual não se sabe lidar, já que a cegueira foi adquirida. É tênue a linha entre um por favor e um soco por um pedaço de comida ou por uma noite de sexo: é isso que o filme mostra, e a cegueira geral foi o ingrediente usado para apodrecer a massa da sociedade humana em sua moral e ética. Há outras maneiras, e estamos produzindo algumas toda hora: daqui a pouco a água fica mais escassa do que já é, e aí, a moral, os bons modos terão algo a mais diante do que se dobrar. Pessoas que se perdem nos Andes depois de um acidente de avião comem  cadáveres humanos. Amigos e colegas comem pedaços seus aos poucos, a depender da situação...

Seres humanos são superflexíveis: são anjos hoje, demônios amanhã: pegue a dona Mariquinha, que todo dia reza não sei quantas rezas a não sei quem e coloque numa situação periclitante, obscura, de stress extremo, de desmoralização, de dilapidação da sua dignidade; veremos que Lúcifer sairá com medo dela - não de sua bondade, mas de sua malignidade...

Ah, quem não é cego sabe que no fim das contas somos todos cegos e do pouco que vemos é que tiramos o que nos leve à melhor maneira de se ver e viver.

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