terça-feira, 29 de junho de 2010

Uma muzga: House'Lleluja









Há um cantor belgo-ruandês (que mistura será essa? Soa como café com cerveja) que está aparecendo ou apareceu nas rádios chamado Stromae. Nessa pobre cabeça que vos transmite suas ideias atribuladas esse é o novo hit.


Claro que ele cheira a coisa nova. Há videos dele que tem toda a cara de qualquer coisa como "Sou lascado e não tenho grana pra efeitos especiais", mas há outros em que a criatividade suplanta essa carênica perfeitamente. Além disso, as letras... Super! O fato de que tenha francês como segunda língua explica uma parte do meu interesse por Stromae, mas seres humanos falantes de quaisquer línguas podem muito bem ver nas letras dele inquietações e reflexões atuais e interessantes. 

E mais: um mestiço não passaria incólume numa sociedade como a belga. As letras de Stromae transpiram um pouco das reflexões que são minhas e de qualquer pessoa não-branca em sociedades pseudo-não-racistas.

Religião também aparece nas letras, e apesar da distância espiritual que mantenho de todas as religiões, gosto muito do assunto. E a muzga é: House'Lleluja.




Trata-se de uma oração techno-house, ou um bate-estaca espitirual. Deus e a relação as pessoas com ele é o tema - e a noite também, a balada. Os zen-budistas dizem que é possível unir-se com o Todo, com o "divino" por meio de qualquer coisa que se faça, mesmo as atividades cotidianas podem servir de ponto de conexão com isso que chamamos de deus, Allah, Javeh, etc. Stromae em House'Lleluja brinca com essa noção e inclui nessa lista de coisas do dia a dia o bate-estaca da balada: pourquoi pas? Leveza não combina com religião? Mas armas e agressões verbais sim?

Prefiro lasers e bate-estacas então.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Teia de ferro

(Há uma luta secreta contra o clichê que retumba em mim a cada vez que deito em palavras os pobres suores intelectuais de minha mente... [essas metáforas meio barrocas são prova das minhas eventuais derrotas] Mas é uma luta vã... vã como tudo o mais... então...):

Borges diz que o destino é uma trama de fios de ferro e que ninguém merece que ela seja modificada. Digo sim a isso. E digo não... Uma coisa que sei é que tudo o que acontece é – e ponto final. É na reflexão posterior que as idéias de que tudo poderia ser diferente ou não surgem, ou como consolo ou acusação.

Eu não sei. Porque aquela nuvem fez sombra ali e não aqui; porque aquele atraso de 30 segundos tarde da noite resultou na perda de valores incalculáveis por causa de um assalto; porque a flor do galho que pende no muro brotou dois dias depois de todas as outras...? Não digo maktub porque maktub lembra vcs sabem quem e vcs sabem quem lembra uma boa parte das coisas que se detesta num ser humano, sobretudo num ser humano que se joga no mundo cheio de vaidades da arte... Eu diria: as coisas acontecem; e, mais uma vez, ponto final.

Desenvolvimento do tema: uma recepcionista recebe ligação de seu namorado que virá buscá-la de moto por causa da greve de ônibus. Ela fica feliz porque já tem no dedo a aliança que ele lhe oferecera semanas antes, e também porque devido a descompassos de horários de trabalho têm poucas oportunidades de se verem durante a semana. Muito bem. Ela, feliz, comenta com as colegas que o namorado virá buscá-la...

Pois os fios de ferro da trama do destino se enroscam e a ligação seguinte no celular da recepcionista é pra dizer que seu namorado sofreu um acidente e morreu.

Chimpanzés fizeram luto por um congênere diante de uma câmera escondida, num zoológico não sei onde nesse mundo dos deuses e de ninguém. Talvez eles entendam alguma coisa sobre o ocorrido. Nós entendemos que eles talvez possam entender – nosso duvidoso trunfo biológico  - , mas, no caso da recepcionista enquanto nó de causa-efeito na sequencia infinita de eventos e acontecimentos que nos constituem e constituem o nosso derredor, nós somos bem chimpanzés... diante de câmeras também? Um problema puxa o outro... Eu não sei de merda nenhuma. Vivo aqui agora com a minha irmã por efeito do destino. O destino arranca pernas de uns e dá milhões de dólares a outros. O destino diz bom dia com estupro no campo de refugiados em Darfour e com bandeja de prata em Luxemburgo. O destino me cega a linguagem quando atribuo a qualidade de sujeito a algo que tecnicamente não existe - o destino. O destino não faz nada. As coisas se fazem. Inclusive essa droga de lágrima. Reticências. E nem sei mais se é pela recepcionista.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Lady Gaga

“Gosto não se discute” em geral quer dizer “gosto do que gosto e tenho preguiça de explicar porquê” ou “considero meu gosto superior ao seu, mas como não sei como argumentar nem a favor de mim mesmo nem contra o seu, vou ficar calado fingindo que o respeito”.

Não: gosto se discute sim: mas também não toda hora, e não com todo mundo... Mas isso é uma tergiversação para falar de...?

Lady Gaga.



Talvez atualmente a palavra ou a imagem que mais se veja nesse planeta que pulsa como um coração de conexões infinitas e a cada dia mais rápidas é o nome dela. Para informações chatas e repetitivas sobre Gaga, vide Wikipedia, que tem ótimos artigos sobre – quem lê inglês vai ter uma idéia melhor. Para impressões e emoções gerais (que vão desde o desprezo, passando pelo riso bem humorado até a veneração), vide Telephone, Just Dance, Poker Face, Bad Romance e mais recentemente, há pouco mais de 24 horas, Alejandro.



Este último é o vídeo: é controversamente intrigante, e discutivelmente o melhor de Gaga. Não é um clipe alegre mas é um clipe gay. Extremement gay. Na verdade é um hino visual à homossexualidade. Não sei quem na Folha diz que se trata de um Ctr C Ctr V desmedido de alusões e referências históricas e pop – e é. Mas não tão aleatórias assim. Talvez o jeito gagaísta de fazer as coisas consista mesmo em conectar pérolas meio disformes pra fazer um colar doido que só ela e mais alguns corajosos usariam – mais c’est bon, c’est super, c’est extraordinaire.

A música lá não é grandes coisas, mas o forte do clipe é a ousadia em mostrar a imagem do homem homossexual de forma clara, artística, obviamente sensual e legitimamente ela mesma, sem máscaras ou atenuações - como os casais heterossexuais dos clipes da Madonna. O sexo homossexual também aparece... A religião, a guerra, a eterna sátira ao nazismo...

Nos caminhos do feminismo, temos uma Lady Gaga que apresenta o amor e o sexo gay na tela, na lata; o vídeo grita que não basta saber e “tolerar” que isso existe por trás das câmeras ou da lei ou dos bons costumes ou de maneira contida em papéis coadjuvantes e determinados pelo bom tom das novelas e dos filmes de Hollywood ou da Europa: Gaga dá um VOILÀ, sem medo, sem hesitações ao que é gay.

Estereótipos detectator tabajara funcionando? Talvez. Mas o positivo da coisa é tão mais efetivo que dá pra deixar de lado os furos da idéia.

Desconforto? Também – mas quem disse que as melhores coisas produzidas nesse século repetitivo (onde mais do que nunca a criação artística só vive de releituras) não causam desconforto – seja ele espiritual, estético ou meramente visual? Lady Gaga fala de morte, de sexo, de farras e de vez em quando de sentimentos – profundos? Non. Profundidade não é o forte dela – a princípio... Mas mexendo tanto, arranhando o que existe de superficial, de casca na nossa maneira ainda incrivelmente meio cheia de bom senso e de modelos e de amarras, ela aos poucos vai cutucando mais no fundo até que o incômodo passa do trivial até o político ou o social... Porque tudo começa com a representação – há quem diga que tudo é imagem... Uma imagem de liberdade vista mais de 5 milhões de vezes em um dia talvez logo logo vire verdade.

Just dance.