quinta-feira, 10 de junho de 2010

Teia de ferro

(Há uma luta secreta contra o clichê que retumba em mim a cada vez que deito em palavras os pobres suores intelectuais de minha mente... [essas metáforas meio barrocas são prova das minhas eventuais derrotas] Mas é uma luta vã... vã como tudo o mais... então...):

Borges diz que o destino é uma trama de fios de ferro e que ninguém merece que ela seja modificada. Digo sim a isso. E digo não... Uma coisa que sei é que tudo o que acontece é – e ponto final. É na reflexão posterior que as idéias de que tudo poderia ser diferente ou não surgem, ou como consolo ou acusação.

Eu não sei. Porque aquela nuvem fez sombra ali e não aqui; porque aquele atraso de 30 segundos tarde da noite resultou na perda de valores incalculáveis por causa de um assalto; porque a flor do galho que pende no muro brotou dois dias depois de todas as outras...? Não digo maktub porque maktub lembra vcs sabem quem e vcs sabem quem lembra uma boa parte das coisas que se detesta num ser humano, sobretudo num ser humano que se joga no mundo cheio de vaidades da arte... Eu diria: as coisas acontecem; e, mais uma vez, ponto final.

Desenvolvimento do tema: uma recepcionista recebe ligação de seu namorado que virá buscá-la de moto por causa da greve de ônibus. Ela fica feliz porque já tem no dedo a aliança que ele lhe oferecera semanas antes, e também porque devido a descompassos de horários de trabalho têm poucas oportunidades de se verem durante a semana. Muito bem. Ela, feliz, comenta com as colegas que o namorado virá buscá-la...

Pois os fios de ferro da trama do destino se enroscam e a ligação seguinte no celular da recepcionista é pra dizer que seu namorado sofreu um acidente e morreu.

Chimpanzés fizeram luto por um congênere diante de uma câmera escondida, num zoológico não sei onde nesse mundo dos deuses e de ninguém. Talvez eles entendam alguma coisa sobre o ocorrido. Nós entendemos que eles talvez possam entender – nosso duvidoso trunfo biológico  - , mas, no caso da recepcionista enquanto nó de causa-efeito na sequencia infinita de eventos e acontecimentos que nos constituem e constituem o nosso derredor, nós somos bem chimpanzés... diante de câmeras também? Um problema puxa o outro... Eu não sei de merda nenhuma. Vivo aqui agora com a minha irmã por efeito do destino. O destino arranca pernas de uns e dá milhões de dólares a outros. O destino diz bom dia com estupro no campo de refugiados em Darfour e com bandeja de prata em Luxemburgo. O destino me cega a linguagem quando atribuo a qualidade de sujeito a algo que tecnicamente não existe - o destino. O destino não faz nada. As coisas se fazem. Inclusive essa droga de lágrima. Reticências. E nem sei mais se é pela recepcionista.

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