sábado, 28 de agosto de 2010

"One day, I found a big book..."

Vargas Llosa enamorado de Madame Bovary, Borges igual a criança ouvindo as histórias das Mil e Uma Noites, eu perdido nas bibliotecas labirínticas de Borges... e daí?

Daí que hoje, enquanto mergulhava em leituras obrigatórias, me lembrei de como é perder o fôlego e se sentir meio que morrer pra viver num mundo paralelo onde é possível criar e recriar mundos. Apologia à leitura lembra ensino médio de escola pública, e não é disso que estou falando. É que nessas leituras - e noutras também, a dos acontecimentos bobos ou surpreendentes que se seguem no dia-a-dia como se alguém escrevesse um blog cósmico meio à la Tarantino - redescobri também o quanto a vida pode ser "mas" (como diz a Cleycianne, uma amiga)... Vc recorre à literatura porque a vida biográfica não basta, e retorna recarregado ao mundo porque a vida literária não é suficiente. Lembrei também que uma coisa produz a outra - um monte de jovenzinhos se vestindo de Harry Potter e sendo felizes é um exemplo patético e pop-podre disso; o quadro abaixo é outro, um símbolo de como real e irreal se formam, se influenciam, se engendram...



Estou bêbado de ler...

Vcs já tiveram a nítida impressão de ser um personagem zanzando num enredo escrito por alguém? Pior ainda: vcs já tiveram a impressão de que esse alguém não é outro que não vc mesmo?

(A propósito disso, vide Björk: Bachelorette. O clipe é simplesmente genial.)

domingo, 22 de agosto de 2010

O bar do lado

Não tenho nada contra bares – “com certeza que não!” diriam com certo riso malicioso alguns amigos. Bares são espaços semi-mágicos onde depois de horas ou dias de trabalho ou estudos extenuantes pessoas cansadas se deleitam em serem apenas animais que se intoxicam a fim de resumidamente viver e esquecer ao mesmo tempo... O bar introduz a Noite e suas promessas, etc... Ok.

Mas quando esse mundo mágico deixa fugir sons cacofônicos de décadas perdidas nos tempos, ou de vozes perdidas dos labirintos da sensualidade explícita e simplificada das massas cantantes alcoolizadas... e isto entra janela a dentro sem pedir favor, espalhando sexo, pranto e gritos por onde deveria haver apenas os sons do sono merecido e da tranqüilidade do lar, aí sim bar rima com ímpetos de matar, ou de se matar...


L’enfer, c’est le bar des autres. 

terça-feira, 3 de agosto de 2010

I don’t love you Phillip Morris.

É certo que por toda parte janelas abrem-se pra falar de homossexualidade e de temas correlatos. É verdade que nunca se teve tão pouca discriminação – pelo menos no mundo das latinhas de entretenimento americanas, produzidas em massa também no Brasil – quanto a tal assunto.

No entanto, de vez em quando, o que aparece é um discurso ambíguo, uma coisa meio confusa, que combina tolerância e igualdade na superfície, mas que mais embaixo esconde um teor cínico e reacionário...




O golpista do ano, ou, I Love you Phillip Morris fala duas línguas ao mesmo tempo. A Wikipedia conta a história, leiam. Uma é o idioma do “let it be” midiático atual, que uma hora ou outra serve por tabela a alguma causa. Outra é um balbuciar, uma reza baixinha que parece repetir uma ladainha tradicionalista, intolerante, cheia de preconceitos – mas tão baixinho que vc mal escuta... Classificar o filme como homofóbico não seria justo porque simplesmente, e infelizmente, é mais complexo do que isso o processo de classificação. No entanto, no filme, os estereótipos, os preconceitos e uma certa mesquinharia pululam em todo lugar... Exemplo: o menino singelamente deitado na relva com outras criancinhas, que vê um pênis nas nuvens... que diabo é isso?

Mas não sejamos precipitados. O filme exige olhares múltiplos. É complicado ir contra algo que foi “baseado em fatos reais” – o imperativo da realidade da coisa tem seu valor...

Quem vai só pra se divertir talvez saia do cinema achando que teve uma boa diversão. Outros certamente saem balançando a cabeça pensando “o mundo está perdido... Jim Carrey naquela cena, ó!”. Sinceramente, pra mim, a sensação é a de ter ouvido um “ele é gay mas é gente boa”... ou, pior ainda: “ele é desonesto, mentiroso, pervertido, ex-presidiário, mas é capaz de amar, o que é uma coisa muito bonitinha, mesmo ele sendo gay”. Ah, e o QI de Russel é 163, segundo Wikipédia.

O último golpe de Steven Jay Russel não é fingir a própria morte por AIDS – na verdade o golpe nem é dele. O golpe é vender a história como algo... legal.

E não é.

But... Vejam.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Risos

É bom sim começar a investigação de cada tema a que se propõem aqui os intelectos curiosos com a pergunta ontológica básica: o que é?

O início da nossa resposta, em concordância com o tema proposto seria: um riso suave no canto da boca, como quem vislumbra o que se sabe mas que não sabe comunicá-lo...

Risos. De nervosismo? De malícia? Do deleite de procurar a resposta...? Sem falar sério:

Não saberia dizer há quanto tempo os seres humanos riem. Uma boa estimativa é a que diz que desde sempre; o homem não é o único animal que ri? O riso, juntamente com o polegar opositor e o saber da própria morte, seria um dos constituintes disso que julgamos que cada ser humano tem em si e que chamamos humanidade. Rido ergo sum, diria então o Homo sapiens sapiens, recém surgido das brumas dos tempos, rindo.

Rir está ao lado também das coisas básicas que todo ser humano faz e sem as quais não vive: comer, evacuar, respirar. No entanto, embora tão comum e necessário quanto esses atos, o riso parece carecer de função. Questionar a função vem depois de questionar a essência. E as respostas variam desde as elocubruções esterilizantes dos cientistas sem graça, que vêem no riso uma mera anomalia, uma combinação patética de estratégia de defesa com inépcia comportamental momentânea; passando por uma certa divinização do riso, que o estatui como um marco animal exclusivo dos seres humanos; até a idéia que demoniza o riso na Idade Média, quando rir poderia ser sinal de possessão por espíritos infernais...

Nós seres humanos somos criativos e vivemos de tentar explicar as coisas. Nada que necessite menos disso do que um riso na hora que acontece. Quando rimos somos nada mais que pessoas, aliás, animais, que riem, simplesmente. É como se recuperássemos uma pureza perdida... Não é à toa que utilizamos o riso no trato social para avaliar o quanto uma pessoa é sincera. Dificilmente se finge o rir – e se entende imediatamente que há perigo naquele que o consegue. Porque rir é daquelas coisas que vêm de dentro, puras e instantâneas, diferentemente das palavras, que em seu normal passam pelo crivo dos quereres e desejos de quem as usa. O riso não, o riso nos usa. E paga-se um preço pela liberdade furtiva que o prazer do riso nos impõe: rir na hora errada pode nos infligir tanto mal quanto não rir na hora certa. E existe hora certa de rir? Toda a hora em que se ri é a certa – pois rir é ser o que se é, aliás, é sentir aquilo que se é sem medo nem amarras... Rir é ser?

Se o é, é também seu contrário. A pessoa mais sisuda e séria, quando ri, deixa de ser apenas aquilo que em geral acha que é, e comunga com todos os seres humanos nisso que vem do riso (e que até agora tergiversamos e ainda não definimos...) Ou seja, a pessoa que ri também deixa de ser, anula-se um pouco para se transformar no próprio riso, que na verdade é o Riso, ecoando em matizes de ritmo e melodia desde o início dos tempos, dos humanos tempos...


O riso que vem não se sabe de onde – se dos céus, dos infernos ou de interconexões neurais temporariamente confusas - e assume o momento –  em geral é claro e límpido como um perfume que se respira e que conquista a todos: é o riso coletivo, crise de risos incontrolável em que a liberdade de rir aprisiona e...

Mas que também pode ser momento de tristeza ou de loucura: o fazer e o sentir humanos são muito largos e resistem a esquematizações simplórias: muito mais raro que chorar de rir, mas tão factível quanto, é rir em funerais, rir com sangue nas mãos, rir com faca no peito ou chaga no corpo. Aí é inevitável lembrar que liberdade demais é igual a loucura, seja essa o que for. Sabe-se que uma boa parte dos loucos ri – embora entre estes a moda hoje seja o contrário... - ri da pedra, do vento e de nada. Ri do próprio riso e do irrisório de existir.

Definir o riso é aprisioná-lo. Falar dele como quem fala da digestão é procurar justificar a vontade de não-rir, isto é, a tristeza. Que não se veja nessa última frase a idéia de que quem muito ri é feliz ou alegre. Quem ri não é nem uma coisa nem outra. Nos segundos ou minutos que dura o riso, não há pessoas, há o riso... mas isso eu já disse, então:

Nós, brasileiros, dizem, somos conhecidos por conseguirmos rir mesmo em meio às nossas conhecidas atribulações nacionais. O mesmo de diz, de uma maneira mais sublinhada, de nós, do Ceará – nós, que adoramos fazer rir o país... De fato, o patético da cena de uma família que ri diante da TV, sentada a uma mesa pobre e triste, só surge na reflexão – isto é, na ausência do riso, quando este já esfriou. Que esta mesma cena, vista de outro ângulo – o que nos mostre, por exemplo, o dente que falta na boca do que vê o frango de padaria namorado pelo cão na TV – cause ou tenha causado alguma vez nosso riso, é algo que nos deve fazer pensar... ou na verdade, apenas rir?!

Em certas situações, minha mãe dizia, é rir para não chorar. A situação acima e as do nosso atual derredor global parecem ser dessas situações...

De qualquer forma, bendita seja a piada, mesmo a sem graça, que por desvio de sua função acaba por também fazer rir; benditas as diferenças extremas entre as maneiras de sermos seres humanos, que quando confrontadas resultam ou em riso ou em guerra; benditas as aberrações e os medos, que nos horrorizam e nos fazem rir, talvez não nessa ordem; bendita a inteligência extrema quando falha, ou a ignorância que nunca falha, quando falha; benditos os animais não-humanos, aos quais ridiculamente negamos o riso – como se eles também não se rissem em segredo de nós... Bendito o riso de um bebê que às vezes faz mais que valer a pena a existência do mundo, e bendito o riso da idade avançada, que não sabe mais de si - porque ri também é esquecer...