domingo, 13 de fevereiro de 2011

Cisne Negro


Torna-te aquilo que és.

Ontem vi o Cisne Negro e a cara da Nathalie Portman, que passa do doce amável encantador para o trágico coitado desalentador em questão de microssegundos me sugou um pouco as forças. Mas no fim mas devolveu (desculpem pela contração antiquada...) em forma de alguma coisa que não era exatamente boa... mas produtiva.

"Nina é todos nós" é muito clichê, então começo com o seguinte: é plenamente aceitável e até desejável em nossa sociedade atual que queiramos nos tornar mais do que podemos espontaneamente ser. O trabalho, a família, a academia, etc, exige isso de nós - o que vai ser bom ou ruim de acordo com o contexto - tudo é bom ou ruim de acordo com o contexto na verdade. (a redescoberta do óbvio é o meu TOC).

No entanto, o Caminho das Coisas, a Vida, o Destino ou o C*r*l** de asa (tudo isso são sinônimos) em geral nos dirige a algum ponto que sob a maioria das análises seria considerado inevitável. Por exemplo, eu não poderia ser padeiro - se o fosse as pessoas comeriam pão sem muito gosto; não poderia ser padre, as pessoas sairiam da Igreja desconfiadas do azul do céu, ... enfim. Parece que existe para cada ser humano uma zona sombria, mais ou menos inatingível, que é sensato não procurar descobrir o que é - mesmo que a própria vida de vez em quando o sugira tacitamente...

O poder de uma mãe controlodora não pode nunca ser subestimado. Os sussurros ofídicos de certos amigos devem encontrar seu caminho de saída do outro lado dos canais auditivos... Não utilize moedas escusas na compra dos sonhos... Conselhos e avisos que você só falta gritar para a Nina durante o filme todo - mas como ela poderia ouvi-los cercada por aquela muralha de ursos e bichos de pelúcia, vigiada pela mãe enquanto dorme, sufocada por ela a ponto de se coçar até se ferir...?

Nos contos de Borges não existem vítimas nem culpados. As histórias são contadas de forma a se ter a impressão de que as coisas simplesmente se realizam e acontecem. Aceitar isso exige um sangue-frio - na verdade exige uma boa dose de sangue quente e frio que nos faça capazes de viver sem chorar nem rir demais diante das coisas, dos acontecimentos da vida. A história de Nina é uma história de inevitabilidade. E de muitas outras coisas: do lado negro e sujo da arte; da confusão que a hipertrofia dos desejos pode causar; de como a insensibilidade pode cegar as pessoas; de como querer ser o que não é pode às vezes destruir alguém.

As cenas são fortes, o entrejogo de emoções arrebata vc do começo ao fim e a perfeição desse processo tem um certo custo em bem-estar ao espectador no fim do espetáculo.

Torna-te quem és é a frase de efeito adolescente e pós-adolescente mais grave e séria da existência de um ser humano. Nina tinha nascido para ser o Cisne Branco - mas como ela poderia ter certeza disso sem ter tentado ser o Negro? 

Inevitavelmente Nietzsche custa caro para algumas pessoas.

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