sexta-feira, 8 de julho de 2011

Mais é inguinorante mermo!

É muito eloquente que no nosso português nordestino ignorância esteja relacionada quase que sinonimicamente a brutalidade, falta de polidez, agressividade física e verbal. Associamos ao longo do tempo no falar do dia a dia a causa às consequências de um jeito tão íntimo que há pessoas que entendem o termo só nesse sentido...

Sem mais delongas, no universo que construo com meus parcos conhecimentos e impressões desse mundo confuso, a ignorância seria a praga mais danosa e daninha, mais insuportável, mais deletéria, mais perigosa, mais satânica. Não vou fazer análises etimológicas - e como defesa a essa preguiça aludo a Borges que disse que grandes coisas são pra um matemático saber que cálculos vem de pedrinhas em latim... Enfim.

Ignorância seria o contrário de saber? Saber o quê? Algo que numa dada situação comunicativa (conversa de bar, sala de aula, fila de banco, diálogo telefônico, discussão online, etc) deveria se saber ou pelo menos intuir para se evitar falhas graves no processo de interação - falhas que podem englobar desde um riso de escárnio até o assassinato recíproco dos envolvidos. Quem não sabe, por não saber, não sabe o que vê, não sabe o que o outro vê e  não sabe porque o outro vê. Em resumo troglodístico: o ignorante não entende o seu ambiente - e agindo de acordo com sua ignorância, ou magoa, ou fere, ou irrita, ou mata aquilo que simplesmente não é abarcado por seu conhecimento. É preciso dizer que todo ser humano é ignorante em graus diversos, diferentes e variados? Pessoas que chamamos de cultas seriam as menos ignorantes naqueles quesitos que nas sociedades urbanas ocidentais são considerados os mais importantes: conhecimento do jeito certo de falar, de comer, de mentir polidamente, se manejar certas artimanhas sociais e psicológicas. Mas bote o culto sabetudo pra conversar sobre estruturas e materiais com o seu Zé Pedreiro que veremos a ignorância florescer lindamente em palavras pronunciadas corretamente e arrumadas em períodos longos.

Então, estabeleçamos pelo menos, pra sair desse vácuo relativístico de ignorância ubíqua, de que tipo de ignorância estamos falando. Bien, pra viver em sociedade, sobretudo nas nossas sociedades atuais, em que seres humanos dos mais diversos tipos precisam conviver da maneira menos ruim possível, é necessário não ignorar certas coisas; é preciso manipular certos preceitos e informações sobre ser um ser humano. "E quem és tu, tatu, para ousar pensar que podes falar sobre o que é necessário para ser um ser humano 'convivível'?" Resposta: bem, imagino que sou um ser humano convivível, na medida em que: 1 - Nunca matei ninguém; 2 - Não causei a dor mortal física e psicológica de ninguém; 3 - Não incito ninguém às ações citadas anteriormente. Partindo do princípio que tais premissas sejam válidas, admitamos que:

Não saber que seres humanos são animais não é a principal, mas uma das principais fontes de ignorância. Esquecer que por mais Torres Gêmeas que construamos ou destruamos, somos quase tão animais quanto chimpanzés, estamos tão expostos aos efeitos de certos hormônios e neurotransmissores que correm no nosso sangue quanto cachorros e ratos, e que isso quer dizer muita coisa.

Não saber que todo ser humano merece respeito e que sua existência é legítima por si mesma também parece ser uma fonte de conflitos - é óbvio que se a vida de um ser humano põe em risco permanente e incontrolávelmente a vida de outras dezenas, centenas ou milhares de pessoas, tal existência merece outro tipo de consideração.

Não saber que muçulmanos, judeus, homossexuais, albinos, pessoas ruivas, pessoas com espinha, pessoas canhotas e embidestras; pessoas anãs e com polidactilia - todos são seres humanos que comem, defecam, urinam, desejam, gozam, choram, sorriem, pensam, criam arte, ouvem música, têm perfil no Facebook, rezam, vomitam, têm amigos, têm mãe e pai, mentem, gritam, etc, etc, é um dos maiores erros, e ousaria dizer, pecados, que poderiam ser cometidos sobre a face da Terra, da lua e de onde for a que um dia chegarmos. Um juiz que julgasse sem saber dos fatos que cercam um acusado seria um bom juiz? E declarar-se juiz sem haver acusado nenhum seria ser um bom ser humano?

Não saber que se é livre para crer no que se quiser é outra coisa. Não saber que a sua vida depende de maneira direta ou indireta do próximo, é outra inguinorância. Não saber que a juventude dura algumas horas, na contabilidade hiperbolizada de uma vida, é outra. Não saber que aquela pessoa da qual vc não gosta pode ser muito mais inteligente e feliz do que vc, é outra burrice do pântano. Não entender que AS COISAS PASSAM é outra...

A lista vai variar sua infinitude dependendo de quem fala e porque fala. Falo porque nutro esperanças utópicas de que um dia viver ao lado das pessoas será uma experiência menos estressante, e assistir as pessoas vivendo entre si dará mais vontade de rir do que de sair correndo e gritando "vão pra p*** que pariu".

Só pra terminar, diria que não saber que não se sabe entra no rol das super-ignorâncias. Não que concorde com Sócrates, outro exagerado - eu sei sim que sei alguma coisa. Estou falando de ignorar os indícios circunstanciais que apontem que há algo crucial que vc não sabe e deveria saber - e além de ignorar, inventar-se desculpas do tipo: "Ah, quem disse que eu não sei é aquela pessoa odiosa, então não devo me importar". E melosidades dialéticas do tipo.

Se o perímetro de conhecimento dos que leram isso tiver aumentado um nanômetro que seja, já me sentirei bem, pois como disse de forma um tanto demagógica e nerd uma personagem de um livro de Arthur C Clarke, "... E compreender é felicidade".


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