quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Silas Malafaia e eu

Para bom entendedor meia palavra basta – e só pros bobos não ficou claro quais idéias sobre sexualidade eu sustento nesse meu modo de pensar que humilde e ao mesmo tempo pretensiosamente publico para todos e todas via blog.
Minha vontade era nunca precisar falar direta, clara e nitidamente sobre a variante sexual que por destino-acaso faz parte da minha ansiosa pessoa – mas depois de doses diárias de venenos como Malafaia, Bolsonaro, Mirian Rios, padres, bispos, pastores, etc, etc, realmente não consigo mais ficar teorizando e dizendo coisas nas entrelinhas e por meio de metáforas mais ou menos intrincadas. Então...
A fim de não me alongar muito e evitar uma verborragia cansativa que no fim seria uma mer*a pedante, vamos imaginar que me encontro na rua e sou interpelado primeiro por...

Silas Malafaia:

Em vez de bom dia, imaginemos que ele me diga:

"O homossexualismo [sic] é comportamental. Uma pessoa é homem ou mulher por determinação genética, e homossexual por preferência apreendida ou imposta. É um comportamento. Ninguém nasce homossexual. Não existe ordem cromossômica homossexual, não existem genes homossexuais. O cromossomo de um homem hétero e de um homem homossexual é a mesma coisa. O resto é falácia, é blá-blá-blá. Só existe macho e fêmea, meu amigo"

Eu, sabendo que este senhor informa em sua biografia online ter formação em psicologia, me dou o direito de primeiro: ficar boquiaberto; segundo: suspirar dióxido de enxofre; terceiro: exibir a cara mais nítida de desprezo que meus músculos faciais forem capazes de conformar; e quarto, dizer, na voz mais suave que a minha mãe me ensinou a ter quando se fala com pessoas... diferentes:

- Meu caro senhor, antes de qualquer coisa, parabenizo pela decisão de ter desistido daquele bigode ridículo que o senhor usava – embora uma parte da sua virilidade nojentamente imponente pareça ter ido embora, admito que condiz mais com a imagem de alguém que quer se passar por inteligente, culto, popular e ao mesmo tempo homofóbico, adaptar a aparência a uma neutralidade mais performática, algo mais sofisticado – até pq seu programa, sustentado com o dinheiro de milhões de pessoas pobres (em geral frustrados biográficos, ou pessoas instáveis psicologicamente), é exibido fora do Brasil – não pega bem ser visto pelos gringos como um macho ignorante latino-americano bigodudo...

Embora o Sr continue a ser exatamente quem sempre foi... O Sr. Faz parte do grupo de pessoas que simplesmente odeia homossexuais – e odeia simplesmente por odiar. Numa ocasional reflexão sobre tal ódio, sozinho, sem a proteção de uma presença feminina pra afirmar sua sexualidade, a única coisa que o Sr deve ter encontrado pra justificar sua animosidade mórbida (como “psicólogo” poderia já ter investigado seu excesso de interesse pela questão, não? Um heterossexual pensar noite e dia em homossexuais e no que eles fazem na cama não quer dizer nada...?) são os elementos da legislação tribal do povo semítico que deu origem ao homem que mudou a história... E todos sabem, que a Bíblia, como fonte de leis e mandamentos, é rica – e todos sabem também que dependendo de quem a lê, ela pode se tornar tanto um manual para trogloditas genocidas quanto um guia para evolução espiritual. Eu preciso dizer qual leitura o senhor prefere? Não é à toa que a parte predileta dos homofóbicos é o Antigo Testamento – encontramos aí intactos preceitos de higiene física e mental que remetem a povos da Idade do Bronze – preceitos dentre os quais a mente seletiva de homens cínicos e maldosos como o Sr escolhe apenas – como sempre – aqueles que lhe convêm: ou porque o Sr não diz às suas fieis que não venham à igreja quando estiverem menstruadas? Ou porque não simplesmente promove apedrejamentos em praça pública contra adúlteras? O Sr vomita depois de comer presunto no café da manhã? Ou no caso de sua esposa ser estéril, trocaria ela por outra (uma boa parideira) e ainda a chamaria de amaldiçoada? Se bem que haveria ainda a opção de dormir com suas filhas, já que há exemplos disso no livro santo... Não – que absurdo! Claro que é absurdo – mas as condenações a grupos de pessoas que o Sr. e seus comparsas consideram abomináveis ou simplesmente esteticamente desagradáveis, essas sim, são bem-vindas, bradadas e divulgadas até em outdoors, não é?

O Sr falou de comportamento, o Sr falou de genes – por quanto tempo  o Sr exerceu a profissão de psicólogo? O suficiente pra acompanhar a vida de pessoas que desde criança tinham sentimentos que não combinavam com a cartilha moral e/ou religiosa que pais adestrados por pessoas como o senhor lhes impunham? O suficiente pra assistir ao lento mas inexorável processo de deterioração mental que se dá quando alguém se força ou se vê forçado a anular sua própria sexualidade (não-criminosa)? Imagino que não – até porq eu o senhor tinha vidas pra salvar, ovelhas para conduzir, e canais de televisão para comprar. Ainda vou descobrir, mas é de se esperar que deva ter tido muitos problemas com seus colegas na sua suposta faculdade de psicologia – imagino o Sr se contorcendo de ódio no canto da sala, ocasionalmente levantando a Bíblia para argumentar contra teorias psicológicas não-condizentes com suas idéias de intolerância... Ou então o contrário: combinaria bem com o Sr a covardia de se fingir de bom aluno (mesmo que se matando por uma boa nota, ouso supor), andando ao lado dos inevitáveis e onipresentes colegas homossexuais, conversando com eles, tendo até deles uma boa impressão (são normais, são legais...) mas sempre cedendo ao demônio interior que gritava: eles não transam com mulheres!!! – e esse grito basta pra alguém que está geneticamente determinado, nas suas próprias palavras, a se interessar de maneira abusiva pela sexualidade dos outros...

O Sr. falou em genética – não vi na sua biografia formação em biologia ou ciências afins... O Sr. já ouviu falar das pesquisas de Bruce Bagemihl, que concluiu depois de estudos científicos (e não depois da análise de capítulos do Gênesis ou do Deuteronômio) a existência da homossexualidade em mais de 1500 espécies? Claro que não, a sua mente seletiva deve ter apagado da sua memória qualquer coisa a respeito disso... mas o que o Sr diria? Animais que existem desde antes do surgimento do homem também estão sujeitos à imoralidade humana? Alguém desceu dos céus ou subiu dos infernos pra ensinar casais de leões machos a cuidar de filhotes, a cisnes fêmeas a constituírem casais que duram a vida inteira, assim como a pingüins, borboletas, macacos, minhocas, sapos, etc, etc? Ah, mas pro Sr a Terra foi criada há apenas seis mil anos – então deu tempo de um casal homossexual pervertido e sem ter mais o que fazer ter saído pelas florestas do mundo “convertendo” inocentes animais de deus a seu comportamento abjeto... Outra possibilidade é a falsidade do estudo: mais uma vez sua mente seletiva, a mesma que diante de um “ex-homossexual” não ouve a voz que continua efeminada, a dificuldade de se relacionar com mulheres ou a simples renúncia pelo casamento... O Sr. tem que admitir que se nessa nossa conversa eu tapasse os ouvidos ou fechasse os olhos para certas frases do Sr que simplesmente não me apetecessem não poderíamos conduzir um diálogo produtivo... como o Sr espera falar como antropólogo-biólogo-psicólogo-sociólogo se a única coisa que lhe interessa é conseguir mais e mais prosélitos para sua igreja? Sobra tempo pra ler a literatura científica sobre o assunto? Sobra tempo pra conviver com pessoas homossexuais honestas e trabalhadoras e investigar as suas vidas pra entender o que elas realmente são? Ou o senhor prefere sair à meia-noite, como um vampiro ou lobisomem, em busca de pessoas que vivem do sexo ou que perderam a batalha pelo controle de suas vidas pras drogas (que alguns pastores e não muito poucos fieis seus procuram uma vez ou outra...), e apontá-las diante de donas de casa do Brasil como retrato do que é ser homossexual? Se eu fizesse o mesmo com prostitutas e viciados em cocaína HETEROSSEXUAIS, apresentando os mesmo como exemplos da heterossexualidade, o Sr por acaso não se sentiria um pouquinho incomodado?

Não passa pela cabeça do Sr que o celular que o Sr usa, os computadores, até o idioma que o Sr fala, são resultados de aprimoramentos feitos por um ciência e um modo de pensar que tem base na filosofia de homens que dormiam – dormiam não, transavam com outros homens? A lógica que o Sr (tão deploravelmente) utiliza, ou tenta utilizar – pasme! – saiu da cabeça de um gay! Platão, Sócrates e todos aqueles sobre cujas idéias a civilização chamada ocidental se sustenta eram HOMOSSEXUAIS, convictos e muito bem resolvidos – o Sr naquela época seria visto como um excêntrico desprezível – opinião provavelmente não diferente da do próprio Jesus Cristo: onde foi que ele disse que seus seguidores saíssem pelo mundo perseguindo quem não é ou não quer ser igual a eles? É Jesus mesmo que o Sr. sente no seu coração inquieto quando sai gritando impropérios e xingamentos velados contra pessoas que trabalham mais do que o Sr, que contribuem pra esta sociedade mais do que qualquer Bolsonaro ou Mirian Rios da vida, pessoas que não querem outra coisa senão estarem bem consigo mesmas com quem amam e não serem importunadas todo dia por palavras rudes e idéias retrógradas vindas de pessoas como o Sr.?

[Supondo que eu tenha tido a infelicidade de encontrar Silas Malafaia na rua, sob o sol, já estarei derretendo de calor a essa altura, e pra terminar diria:]

Se um deus de ódio como o do Sr aparecesse numa carnificina hipotética e utilizasse seus poderes para eliminar de uma hora pra outra todos os homo e bissexuais do mundo (os de ato e de pensamento – cuidado!), preciso dizer ao senhor que não haveria mais música, nem filosofia, nem arte, nem inovações ousadas no direito, na engenharia e em todos os ramos do saber? Sobrariam pessoas amargas, homens-bomba, mulheres e homens frustrados sexualmente... O grupo do bem, saudável, que não precisa eliminar homossexuais para sustentar sua heterossexualidade, certamente daria um jeito de se se distanciar do Sr. e de sua horda de degenerados psicológicos – porque não seria de duvidar de que em breve o Sr estivesse perseguindo os ruivos, ou os canhotos, ou homens que comem carne de porco... Ah, e isso tudo supondo-se que o Sr não tenha sido eliminado pela ira do deus homofóbico e hipotético – coisa de que, sinceramente, duvido.

Bem, bom dia – e se quiser, se quiser mesmo, poderia eu mesmo lhe construir uma cruz de madeira para que o Sr. complete seu plano de equivalência biográfica total com o homem que o Sr acha que segue...

domingo, 7 de agosto de 2011

Bonjour


Há um cinza na curva das cores,
Um turvo no brilho do quente
Um pingo de sal no pó de asfalto...

O fio de vida oblíquo que do dentro ao fora tende
Treme em notas chinesas, melodia do oeste,
Cadência incorreta em sussurro islandês.

Não que seja sempre assim o bom-dia.
É que o verbo de ser preso entre linhas
Cuja autoria sempre oculta, e muda,
De vez em quando,
De vez em quando,
Não amanhece,
Não amanhece,
E bonjour
É só bonjour mesmo.