quarta-feira, 7 de setembro de 2011

- Ahn? - Hum hum. - ... - Oui...

Não sou grande conhecedor de filmes nem do cinema em geral. Se bem que ousaria dizer que pelo menos quando se trata do cinema de ficção científica teria pelo menos algo a dizer sobre – sobretudo se se trata do que foi feito nos últimos 20 anos, ou, se anterior a isso, do que é considerado “clássico”.

Ontem vi um filme chamado Primer – na verdade parece mais um daqueles telefilmes, películas feitas pra TV. É da ficção científica dum tipo muito simpático: sem pretensões, com baixíssimo orçamento, cheio de reflexões, com história plausível, ou pelo menos, não maconhística. Resumo rápido (pq o objetivo aqui não é falar de sci-fi): dois amigos depois de experimentos na garagem conseguem criar uma máquina que anula o efeito da gravidade – pra quem acompanha o assunto, a relação de gravidade e outras coisas como o tempo, não surpreende, e essa é a sequência da idéia do filme: os tais amigos (que têm uma vida normal, aliás chata... e pq eles só se vestem de camisa e gravata?) descobrem que podem voltar algumas horas ou dias no tempo. Seguem-se altas peripécias, mini-tragédias, raciocínios complicados sobre quem mudou o que no passado e como essa mudança teve desdobramentos inesperados, etc. Não é cansativo, na verdade o filme é bem curto, e desperta curiosidade. Gostei – exceto, repito, do figurino e um pouco da atuação dos personagens (é como se vc ouvisse o diretor gritando: “Vcs são jovens inteligentes e normais, meio nerds, mas nem tanto, são bonitões e racionais!”

A história desse filme é cheia das lacunas que um amigo e eu, afeitos à lingüística e ainda à literatura, chamaríamos de extra-linguísticas – um semiólogo ou um cineasta chamaria de outra coisa; mas falo daqueles buracos na fala, na narrativa do filme, que devem ser preenchidos pelo espectador e pelo seu conhecimento de vida ou de cinema. Falei disso quando “escrevi” sobre A Árvore da Vida. É óbvio que esse mecanismo não é novo -  e é óbvio que o cinema não poderia existir se um diretor num filme resolvesse contar cada detalhe das ações e dos pensamentos das personagens, meio que Joycianamente.

No entanto, penso, na minha humilde ousadia de cada dia, que o cinema de hoje não pode prescindir disso. Os filmes de hoje não são como os filmes dos anos 1930 – oh, coisa mais que óbvia. Por exemplo, quem já viu Metropolis, clássico da ficção científica, além do maravilhamento pela sensibilidade do criador em tratar de forma visionária temas que hoje são correntes e até démodés, não pode se impedir de rir pelo menos mentalmente de cenas hoje desnecessárias, de precisões da narrativa que hoje são subentendidas. Quem acompanha o cinema (e falo do cinema americano combinado ao europeu e um pouco do oriental, com leves pitadas do nórdico e escandinavo, dos quais tenho idéias en passant) nos últimos 10 anos, acho que já é capaz de acompanhar uma Árvore da Vida ou um O segredo dos teus olhos sem muito problema pra costurar os pedaços lançados na tela. Não sei se me faço entender e é por isso que passo adiante:

Clarice disse que gostava mais do que ela dizia nas entrelinhas. Todos e todas, de escritores ávidos pela palavra perfeita a adolescentes de vocabulário de 300 palavras que querem se desculpar por serem idiotas, já sentiram e já usaram frases do tipo: “Não sei o que dizer...” e entende-se que a sequência é “...porque não encontro palavras tão complexas ou tão simples que possam traduzir com eficácia completa o que sinto e penso ou sinto que penso ou penso que sinto”. Embora sejam coisas ligeiramente diferentes mas relacionadas, não é incrível como vc consegue comunicar algo a um amigo íntimo com poucas palavras ou simplesmente nenhuma, ou com um mero gesto, ou com um silêncio de certa duração? Não é maravilhoso o que se pode dizer em uma sala de aula aos alunos, com um olhar, uma contração de músculos ou ainda um mero silêncio? E na intimidade a dois – as possibilidades de comunicação muda são maiores ainda, já que o corpo está ali pulsante de sentidos e palavras de carne e cheiro... Acho isso fascinante – e é por isso que considero as conexões que estabeleço com pessoas ao longo do tempo e das experiências sinceras de afeição que se compartilham,  das coisas mais valiosas que existem: estar com alguém e dividir com outrem, além de momentos da sua vida, mas também a expressão e impressões desses momentos, a ponto de elas juntas formarem uma sinfonia e uma sintonia quase perfeitas – é algo semi-mágico, semi-divino...

Alguns filmes, livros, músicas e pessoas me fazem pensar nisso que tentei descrever acima (meio hippiemente). O Escafandro e a Borboleta, Certas Canções (Milton Nascimento), Água Viva (Clarice Lispector), minha família, meus amigos. Coisas também: o mar, uma planta e um pôr do sol. E formigas.

Alguns processos: coisas assando no forno.

Hoje é feriado, o que explica esses suspiros místico-psico-filosóficos. O céu azul está gritando coisas boas, daqui de casa, no Benfica, ouço o mar convidativo. O barulho da bomba d’água do prédio e do locatário que sempre fala gritando não anulam a sensação de bem estar.

Encerrando essas reflexões-confissões de um pré-pós-trinta, bonne journée à toutes et à tous.

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