quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

As bichas que gongavam as raxas

Acho que não é porque as feministas aparentemente adoram a obra de Stieg Larsson que a série de três (ou quatro) livros deve ser chamada de feminista.

A figura de Lisbeth Salander, a heroína do escritor sueco, é desafiadora, tanto pro autor como para o leitor. Os anti-herois pululam há muito tempo na literatura, e no cinema já têm virado um clichê (jovem rapaz fracote que vira super-herói musculoso, etc). Em Os Homens que não amavam as mulheres, não se pode dizer que a heroína evolui, no sentido de que se torna outra pessoa irreconhecível em relação ao começo. Ao contrário, a dejustada e misteriosa Lisbeth se vê desde o começo de tudo diante de fantasmas da sua infância e adolescência que ela tem que enfrentar sem alternativa possível. E faz isso afirmando-se enquanto mulher certa do que quer e do que faz, numa saga tão original quanto ela mesma. Não exatamente bonita, amante das roupas pretas, sexualidade tateante e afeita ao silêncio ou aos monossílabos, a jovem de vinte e poucos anos incorpora em si uma série de traumas ou problemas que têm tudo a ver com os desajustes familiares das sociedades ocidentais atuais – obviamente num nível catarticamente exagerado.

O título em português do primeiro livro, transformado em filme por Hollywood recentemente, segue o original sueco Män som hatar kvinnor, e, talvez diferentemente do original, esconda mais da incrível e apaixonante história de Lisbeth do que a torne atraente... O título inglês, que em português seria A garota com tatuagem de dragão é mais sensata. Os homens que não amavam as mulheres jogado de cara nos nossos ouvidos, nos contextos de discussões pops atuais, lembra algo mais próximo daquilo que denota o título desse post do que outra coisa. Mas pelo escrito até agora, fica mais ou menos claro que a sugestão imediata não tem nada a ver com a riqueza da história.

Entre os “homens que não amavam as mulheres” estão homens violentos que se divertem agredindo filhas e esposas, estão loucos nazistas misóginos, os exploradores sexuais, os violadores... Lisbeth Salander é a que se ergue da bagunça que é sua vida - exatamente por ter sido vítima do não-amor dos homens - para lutar contra a falocracia generalizada e o reinado de violência adjunto.

Cenas duras de violência, sagacidade, humor e amor não faltam. O ritmo é de um drama investigativo e de um thriller de ação. Impossível não lembrar do esquema Tarantino ao nos vermos torcendo pelas vinganças perpetradas por Lisbeth – e muito bem feitas.

Não digo mais sobre o filme. Ainda sobre o título, a sala de cinema com menos da metade dos lugares deve ter a ver com isso. Um filme tão bom quanto é Millenium, sugerido pelo primeiro livro da série, merece aplausos.

E claro que estamos falando de Hollywood. Europa é e sempre será outra coisa.

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