quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Porque ele só fala disso?

Cena 1:

Ela sempre quis ser médica, e ele, advogado. Se conheceram por acaso numa festa e a pele morena dele e a pele branca dela se atraíram de um jeito que dois meses depois, no auge de uma primeira fase de descobertas recíprocas, não se descolavam e se aqueciam em suor que parecia prendê-los um ao outro como dois bichos. Não era lá aquele casal bonito, mas muito simpáticos e contentes, e tão conectados, que amigos seus solteiros se sentiam ou muito mal ou muito bem em sua presença.

Ele tinha um pai que possuía dinheiro mas que exigia que os filhos trabalhassem, e ele trabalhava. Ela não tinha pai e ajudava a mãe em casa com o dinheiro dos seus sucessivos estágios e, no fim, com seu emprego público. Ela era brilhante, ele, esforçado... O retrato perfeito de mais um casal semi-perfeito, candidatos ótimos para uma felicidade de duração possivelmente indefinida...

Pois muito bem.

Numa linda noite chuvosa, num restaurante que frequentavam desde os tempos de faculdade, comemoravam dois anos de uma história bonita. Ele estava barbeado e seu perfume deixava a menina tonta e despudoradamente querendo... Ele era a paixão em pessoa. Ela o via correndo com os filhos num jardim verde. Olhos brilhantes e o coração cheio daquela segurança boa de saber que alguém te quer pra quase sempre (ou pra sempre, como reza o romantismo pop), deram-se as mãos num gesto... lindo.

Foram repreendidos por um garçom de bigode, pois ali era um bar de família.

Cena 2

Meio contra a vontade das respectivas famílias, foram morar juntos aos 18. Viveram uma história um tanto turbulenta em que ciúmes criavam cenas que iam do engraçado ao quase-trágico. Mas se amavam, isso via-se mesmo nas palavras mais duras usadas mais para se defender de uma solidão que não tinha na verdade probabilidade nenhuma de acontecer, tal era a vontade de serem mais do que um.

Ela era a que não valorizava papeis e suas frases legais pomposas. Ele queria alianças e rituais. Foram meses inteiros de discussão até ela ver que o papel tinha sim o seu valor, não em si, mas no contexto das coisas: mais ou menos como uma certidão de nascimento para uma criança: nenhum hospital ou escola iria duvidar de que ali havia uma criança de verdade, existente e respirando de vida, mas nos sistemas da república e de seus elementos burocráticos, papeis eram necessários pra se garantir algumas facilidades merecidas pra quem decide não morrer sozinho.

Pois não é que foram impedidos de se casar no papel como todo mundo porque não sei quem tinha escrito, há uns 3000 anos, que duas pessoas adultas só podiam se amar, e portanto, casar-se, se tivessem filhos e mais algumas características específicas?!

"Mas aqui não é o Irã!", argumentava ele para amigos e paredes, "O Brasil não é um país Mitraico (religião dos que seguem Mitra, o salvador da Igreja de Mitra, cujos sacerdotes são conhecidos por, há alguns séculos, terem matado milhares de pessoas para salvá-las, flertarem com regimes eugenistas e ditatoriais e abusarem sexualmente de crianças confiadas por seus pais à salvação garantida pela Igreja...)!"...

Foi aí que ela passou a querer se casar de qualquer jeito.

Cena 3

- Ah, já entendi, ele vai dizer que com os homossexuais é a mesma coisa e que eles sofrem muito... Mas não é a mesma coisa. Existe uma ordem no mundo, existe um modelo a ser seguido. Jesus ama tudo e todos, mas odeio o pecado e...

Cena 4

"Eu não vou enlouquecer, eu não vou enlouquecer, eu não vou enlouquecer..."

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