domingo, 6 de maio de 2012

Queremos o seu dinheiro, não você

Ah o dinheiro... No bolso é vendaval e nos bancos, rendendo infinitamente para enriquecer pessoas já ricas a partir de uma nuvem de teorias e humores do mercado, é o oxigênio do nosso mundo financeiro... Vc já parou pra pensar como é estranho uma civilização inteira construir praticamente todos os âmbitos de sua existência baseada na busca pelo dinheiro? Vc já pensou como isso é esquisito? Vc consegue imaginar  uma formiga enfiando a haste de uma folha de árvore no abdome de outra pra roubar um pedregulho microscópico que a outra estivesse carregando? Um alienígena chegando no nosso planeta talvez demorasse pra entender pseudo-tragédias como as crises de 2008 e 2011 - crises de espuma, produzidas, previstas e fomentadas por crianças especuladoras brincando na banheira... Ou talvez nos entendessem logo: civilização burra.

Humberto Maturana tem ideias interessantes sobre o assunto (aliás, quase todas as ideias de Maturana sobre qualquer coisa são interessantes, leiam): ele diz, por exemplo, que um sistema social só pode ser considerado como tal se a finalidade de seu funcionamento for a manutenção da vida de seus próprios elementos, o que, no caso do sistema social humano, seriam as pessoas. A partir disso, ele afirma que um formigueiro é um sistema social, assim como uma colmeia ou uma tribo de bonobos; mas as sociedades ocidentais ou ocidentalizadas atuais não, pois sua finalidade não é a manutenção da vida de seus membros, mas sim a continuidade de um sistema financeiro que garanta ganhos para um grupo seleto de seres humanos.

Pois muito bem, "eu quero seu dinheiro e não vc" poderia ser contestado em favor de algo mais cínico e lógico como "eu quero seu dinheiro e, portanto, vc". Mas o pior que no assunto de que quero falar não se trata nem disso.

Resumidamente: franceses, americanos, suecos, chineses, suíços, espanhois, belgas querem morango, carne, tabaco, iPhones, ouro, diamantes a preço de banana; passaram séculos viajando o mundo todo, desmantelando uma cultura aqui, promovendo uma matança ou guerrinha suja ali, sugando um país acolá... Inventaram meios de transporte cada vez mais rápidos pra facilitar o trânsito de pessoas (ou talvez principalmente de coisas...); começaram a deixar entrar em seus reinos pessoas ávidas para fazer aquele trabalho subalterno que seus súditos não suportam (ou suportavam) fazer... e agora, depois de terem convidado todos pra festa, querem acabar com a diversão?

A bandeira aparente das extremas direitas no mundo parece ser exatamente essa "queremos que todos sejam felizes, sobretudo se forem nos vendendo seus produtos e serviços quase de graça; mas cada um no seu quadrado"... Mais ou menos uma globalização medieval, uma abertura fechada: coisas e dinheiro entram, gente, não.

Breivik, Le Pen (pai e filha), Bush são sacerdotes dessa nova religião da xenofobia. São capazes de esbravejar e guerrear por petróleo mais barato, telefones, roupas e comida quase de graça, mesmo que produzidos por crianças ou trabalhadores à beira da estafa e do suicídio, mas não aceitam a livre circulação de pessoas, mais precisamente daquelas pessoas que descendem daquelas outras pessoas que tiveram seus países invadidos no passado para dar lugar àquilo que se chamava de colonização e/ou processo civilizatório.

Pois muito bem: ei-los aí: marroquinos, líbios, sul-americanos, argelinos, mexicanos - todos loucos pra serem as pessoas bem-nutridas e felizes da Declaração dos Direitos Humanos, cada um do seu jeito, cada um segundo a sua cultura, cruzando com perigo de morte as mesmas fronteiras e mares que há séculos eram cruzados no caminho inverso pra promover a pilhagem europeia aprovada por deuses, reis e sacerdotes. Como se diz hoje (e agora vou ser bem cínico), chupem essa.

Pelo que entendi do que alguns experts no assunto dizem, a alternativa à globalização é a adoção de um sistema hi-tech de feudos à la Idade Média - cidades conectadas umas às outras de forma clean e segura, com pessoas sorridentes com seus smartphones e calorias por dia asseguradas. No entanto sabemos que essas utopias esbarram em realidades bem adversas, e mais do que nessas realidades adversas, no desinteresse governamental geral em resolver seriamente problemas como a fome, as doenças e a ignorância - já que essas continuam a ser úteis, de alguma forma, a algumas pessoas e grupos.

O mais provável é uma Nova Idade Média mesmo, onde todos os países se isolam, fingindo viver num mundo mais saudável e evoluído do que o de um século atrás, enquanto que a cena atemporal de uma criança pedindo comida em algum país pobre do mundo continua a ser usada quando convém. Uma Nova Idade Média com direito a suas novas versões de cruzadas religiosas: as fundamentalistas, que no seu momento oportuno, começariam com queimas do alcorão por um pastor louco americano ou da bíblia por seus equivalentes muçulmanos... e já teríamos aí a justificativa pra uma guerra: que por sua vez resultaria em mais avanço tecnológico e petróleo, ou água... Que por sua vez resultaria em um crescimento econômico de uma década, seguido por uma crise financeira de outra década... e assim sucessivamente... até que alguém se toque e comece uma revolução de verdade, sem muito drama e falsas palavras romantizadas como "paz" e "liberdade" e pior ainda, "deus".

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