quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Oráculos, destino, livre-arbítrio...

Quem já não sentiu o coração batendo forte diante daquelas cartas com ilustrações antigas e estranhas, ou daquelas previsões simplistas dos horóscopos dos jornais da vida, ou das camadas calcificadas abandonadas por seres marinhos jogadas sobre uma mesa...?

Sempre se quis saber o que há de vir – os que vêm com histórias de que “não aceito a ideia de que não sou dono do meu destino” se dizem isso mais ou menos como um mantra, mas no fundo no fundo, aquele pensamento de “maktub” uma hora ou outra vem à mente (e é uma pena que muita gente, inclusive eu, tenha ouvido essa palavra pela primeira vez na boca excessivamente faladeira de Paulo Coelho...). Não estou falando de ser adepto fundamentalista de cartas, búzios e efemérides de um lado, nem de ser pateticamente ultra-cético do outro... Estou falando daquele limite tênue entre uma coisa e outra, daqueles momentos dúbios em que por mais que não se queira, aquela ideiazinha chega, como quem não quer nada: “Tinha que acontecer...”.

Quem nunca sonhou com uma situação de perigo ou de alegria extrema, que, no dia ou dias seguintes, acabou realmente vivenciada? Ou quem nunca, meses depois de ter ouvido na voz profunda do vidente um certo destino, viu certos ou todos os elementos desfilarem no curso dos dias como eventos e fatos assombrosamente correspondentes? Pouquíssimos ousarão dizer um confiante “Nunca!” e muitos, claro, escorregarão num hipercrédulo “Várias vezes”.

Mas e aí? Ver o futuro e sua malha de fatos e feitos é mesmo um dom de algum grupo especial de seres humanos ou não-humanos? Ou simplesmente não: vivemos no presente e tudo o que há é o que vemos, sendo que o caminho só existe ao passo que o percorremos... Bem, só adianto que quem afirma com nariz empinado e certeza altiva a segunda opção deve se lembrar dos livros sagrados - Alcorão e Bíblia, por exemplo - nos quais uma boa parte do futuro da humanidade -  e, sob certas perspectivas místicas, o dos indivíduos também – está previsto. Mas se vc não for religioso, resta aquele “não sei” agnóstico e precavido, que no fundo no fundo, quer dizer “acredito mas não saio gritando isso por aí”.

Todos nós sabemos que o perigo se encontra nos extremos – aliás, quase todos nós... Parece que não sair de casa sem antes consultar algum tipo de oráculo pode ser tranquilamente classificado como um tipo de morbidez (isso sem se precisar fazer menção a qualquer tipo de “livre-arbítrio”, essa ideia tão, no mínimo, polêmica: até que ponto é livre o arbítrio de um ser humano se o mesmo depende de uma série de outros mecanismos, que hoje, sabe-se, não são nem um pouco livres nem arbitrários...?)... Porém, no entanto, todavia, afirmar com veemência de sábio incontestável que cada ser humano têm as rédeas de sua vida nas mãos, que o futuro é um a página em branco na qual escrevemos com a maior criatividade e liberdade circunstancialmente possíveis, embora seja uma visão mais respeitável – provavelmente por ser a mais condizente com o funcionamento do capitalismo – não parece ser muito saudável, se levada a extremos...

Sejamos mais claros: num sentido terapêutico, em dadas situações é muito mais efetivo convencer um amigo em dificuldades de que tudo vai dar certo, com certeza, claro, e etc – ou seja, determinismo. Mas em outras, por exemplo, em que tudo indique um final não-muito feliz, todos vão dizer que quem faz seu destino é vc e que “querer é poder”, e extrapolações do tipo. De modo que, é impossível ser uma coisa ou outra de forma completamente coerente, o tempo todo. Parece que cada um de nós tem seus momentos “a vida é minha e faço dela o que eu quiser” e de “deus escreve certo por linhas tortas”.

Se bem que a questão com que comecei era se é possível alguém ter acesso a informações privilegiadas a respeito do filme que é o mundo...

E eu sei lá! Senão vejamos:

Imaginemos uma pessoa que tranquilamente tome sua xícara de café ou litro de coca-cola na janela de um apartamento situado exatamente na esquina de duas ruas e de onde ela tenha visão privilegiada e completa das calçadas das duas ruas que se encontram. Esta mesma pessoa, observando a vida da esquina enquanto pensa sobre destino, digamos, vê se aproximarem um rapaz sobre seu skate e uma senhora com um vaso de flores, cada um numa rua, em direção à esquina. Com a xícara ou a garrafa na mão, a pessoa, que é um travesti, suponhamos, solta um pequeno riso ao ver que o choque inevitável entre a senhora e o skatista não produz nenhum efeito grave a não ser a surpresa, sobretudo da velhinha, e do vaso que ao cair no chão, felizmente não se quebrou. É claro que nosso observador travesti não compartilha da surpresa da velhinha singela e do skatista emo, pois ela já sabia...

Teóricos da teoria dos sistemas já diziam que quanto mais informação se tiver da posição e da interação de um sistema em um dado momento, mais fácil será para prever suas posições e interações no futuro... Ou seja, quanto mais se sabe do presente, mais se sabe do futuro. Claro e evidente... Se não fosse assim não existiria medicina nem química. Mas aí vêm teóricos da teoria do caos dizendo que há variáveis que são funções de aspectos mais ou menos desconhecidos do funcionamento desses mesmos sistemas, que interferem no presente de maneira tal que se torna praticamente impossível a previsão do futuro... ou seja, seja o que deus quiser. Efeito borboleta nos couros das pessoas...

E então?

E então que beber com moderação de cada um dos remédios pode ser uma solução ótima: tira o perigo de uma pessoa se tornar uma marionete sem ação que só funciona à base de tarô e signos e ascendentes e etc, ao mesmo tempo que se impede que alguém se perca num canto do labirinto da vida, batendo a cabeça contra o mundo, ou se aventurando de forma louca e desequilibrada...

E ainda sobra a questão sobre se é mesmo bom e útil se conhecer o futuro. Por exemplo, se vc fica sabendo agora, nesse instante, que está vivendo seus últimos dias de vida, vc vai realmentese sentir melhor e mais sábio, ou o stress e ansiedade vão estragar tudo de um jeito que a dádiva de informações vindas do futuro acabarão por bagunçar todo o presente? Outra questão que se segue seria: sabendo desse futuro, poderia mudá-lo? Ou “a pessoa é para o que nasce”, como dizem as ceguinhas de Campina Grande, e nada poderia ser feito?

Tá vendo, quem mandou começar a pensar sobre isso...

Bem, sei é que a vida continua, e agradeçamos a não sei quem por essa sensação muito convincente de “livre-arbítrio” com que vivemos, mesmo que em momentos pontuais na saga pessoal de cada um, entendamos que há uma grande possibilidade de que isso seja pura e terapêutica literatura.

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