domingo, 23 de dezembro de 2012

Os sonhos


Deitar, fechar os olhos e sentir que o mundo inexiste durante horas para no dia seguinte voltar à vida. Dormir é das coisas mais elementares da nossa vida. Em geral, ninguém quebra a cabeça pra entender o que é o sono: mero momento de repouso: tá cansado, dorme e pronto.

Mas é claro que não é bem assim. Você já pensou como é no mínimo surpreendente que nós, mamíferos tão atarefados e ansiosos, passemos um terço de nossa vida deitados, imóveis, apenas respirando e digerindo, enquanto que a vida continua “lá fora”, rápida e plena?


Cedendo ao gosto atual pelas estatísticas calculemos, se vc tiver a “sorte” de viver 100 anos, aproximadamente 33,333333 dos seus preciosos anos terão sido dedicados ao sono! Nossa, que coisa não? E daí?

E daí que cientistas, pensadores, sacerdotes e curandeiros de todos os tempos já pensaram no assunto e pra tentar entender porque os seres humanos não apenas dormem, mas precisam dormir tanto, inventaram as teorias mais diversas e criativas.

De viagens espirituais noturnas até uma mera sessão de recarga mental e muscular, o sono pode ser visto de inúmeras formas. Só mais recentemente, pesquisas mais profundas têm mostrado como simplesmente não sabemos quase que coisa nenhuma sobre o sono. Reduzir as oito horas que passamos de olhos fechados a um período em que a memória se conserva e os músculos relaxam é tão simplista que, como quase todo tipo de simplificação, chega a ser pateticamente burro...

Qualquer ser humano normal sabe que dormir é muito, mais muito mais do que descansar.

Quem diz sono diz sonho, e quem diz sonho diz altas histórias. Lembre a sua. Não é incrível do que nosso cérebro/corpo é capaz de criar durante essas horas em que nos fechamos para o mundo e somos apenas nós diante de nós mesmos para nós mesmos? Não é à toa que Jorge Luis Borges diz que o sonho é a primeira narrativa que o homem produz na vida – a narrativa universal... Encantador imaginar cada ser humano como um autor de histórias incríveis, não?

Estudos recentes mostram que longe de o sono ser um estado no qual o cérebro se desliga mergulhando num estado de letargia e inutilidade total, os ciclos cerebrais incluem fases em que o funcionamento do cérebro adormecido não perde em nada para o seu funcionamento durante o dia: mais especificamente, durante a fase REM do sono (REM é a sigla em inglês para movimentos rápidos dos olhos: quem nunca já ficou assistindo alguém dormir e percebe que num dado momento – sono REM – a pessoa mexe os olhos loucamente, balbucia frases sem sentido [ou às vezes com muito sentido até...] e até esboça movimentos com braços e pernas?) o padrão das ondas cerebrais é praticamente o mesmo daquele que exibimos ao longo do dia, quando estamos trabalhando ou tentando entender a vida. É como se dentro do sono, depois de uma fase em que o cérebro realmente parece ficar em modo off, a mente se ligasse de novo com força total – a diferença em relação à vigília é que em vez de o cérebro estar dedicado ao meio ambiente, ao mundo, na fase REM, o mundo do sonhador se resume ao que ele tem dentro de si mesmo... Imagine você abrir a porta da sua casa e se vê não dentro da sua sala, mas dentro de uma floresta cheia de rios, de uma Paris noturna cheia de cafés ou de uma biblioteca infinita... Pois muito bem. Quem não tem uma história boa pra contar sobre essas autoviagens ao mundo de si mesmo?

São tantas as histórias que muitas delas viram livros ou filmes ou ações. Gogol, Borges, Clarice, irmãos Wachowsky, Nolan, etc, etc – todos já compartilharam trechos de seus mundos sonhados conosco. E nem só de cenas absurdas, ambientações fantásticas, assassinatos e premiações catárticas são feitos os sonhos... E as previsões que se tornaram realidade no dia ou semana ou mês seguintes? E as respostas que um ente amado já falecido oferecem de graça em meio a cenas prosaicas ou não, durante os sonhos? E aquela pessoa que conhecemos no mundo real e que foi antecipada num sonho...

Oito horas da vida de uma pessoa tinham que fazer a diferença nas outras 16 de alguma maneira. Arte, religião e ciência bebem dos sonhos e do sono, de uma maneira ou de outra. Os extremos infantis de paraíso e inferno vêm de onde? E as cenas utópicas de pessoas andando de mãos dadas pra sempre sem querem se matarem? Coisas de sonhos. É mais fácil sim acreditar no lado maravilhoso, espiritual, mágico da vida quando se pensa e se vive nos sonhos. Quem falaria de Freud hoje em dia se não fosse o mistério que os sonhos têm para nós?

Esotéricos de um lado, cientistas de outro, religiosos ali, céticos acolá: pessoalmente me atrai o caráter artístico do sonho: a criatividade que minha cabecinha ansiosa demonstra de noite me deixa confusamente orgulhoso: orgulhoso de quem? De mim? Ou do meu corpo, que no vai e vem dos impulsos correndo pelo emaranhado de conexões dá origem a histórias tão bonitas e cheias de detalhes inventivos? Os de que mais gosto, tanto na literatura de verdade quanto na onírica são os sonhos dentro de outros sonhos. Quem nunca viveu essa experiência, I’m so sorry, porque é simplesmente incrível. A Origem exagerou o esquema, inventando uma boneca russa de sonhos de cinco níveis – pra mim, dois bastam pra me deixar bobo: você acordar, bocejar, pisar no chão pra logo em seguida entender que ainda não acordou – e imediatamente então, definitivamente (ou não...) acordar – não tem preço. Há quem considere isso a cara da psicose, da esquizofrenia: uma aluna minha disse ter se sentido meio perdida depois de ter visto A Origem. Mas não, não tem perigo de sair por aí se jogando do alto de edícios – o preço do feijão e do aluguel sempre me puxarão de volta ao mundo “real”.

Claro que nem pra todo mundo dormir é fonte de reflexões prenhes de magia e emoção. Para aqueles que têm dificuldade de dormir, sono e pesadelo são quase a mesma coisa. Mas isso seria tema pra outra conversa – aqui quero deixar a lembrança das imagens do cinema 3D de nós mesmos que são as nossas histórias oníricas, projetadas nas nuvens de algodão de uma noite bem dormida, durante a qual o mundo se torna muito maior, mais colorido e possível do que, em geral, realmente é...

E quem quiser contar um sonho, fique à vontade.

Um comentário:

  1. Hu ru!!!! Adorei e concordo... tem um filme que eu assisti que toda a sua história gira em torno de sonhos... acho que tu ia adorar... se chama Waking Life

    http://www.youtube.com/watch?v=uk2DeTet98o

    beijoss

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