sexta-feira, 17 de maio de 2013

Clipes estranhos #1

Eu gosto de clipes musicais estranhos. Não que duas pessoas de mãos dadas, um pôr do sol e um grupo de amigos dançando numa balada não tenha seu charme batido - mas de vez em quando ratos caminhando sobre corpos, cabeças de porco num prato e pedras vulcânicas dando as mãos impõem, pedem ou exigem que vc pare um pouco, sacuda sua cabeça cheia de mesmices e tente ver o que vc não tinha visto, ou que vc já tinha visto, de forma diferente.

E já vamos adiantando aqui que estamos super conscientes de que "estranho" ou "sui generis" são termos fluidos e plásticos como "bonito", "feio" e "massa". Aqui falarei da minha perspectiva - a única ao meu alcance - em que, não raras vezes, coisas bem banais parecem ridiculamente novas, e outras, normalmente hiper-inovadoras, têm um ar pretensiosamente "new shit" mas na verdade são os mais reciclados - e mal reciclados - clichês do world.

Ah, também repito e trepito que acho de bom tom considerar todos os gostos musicais válidos e legítimos, embora não igualmente desejáveis; e tb que todas as pessoas que procuram paranoicamente adequar seus gostos e desgostos estéticos aos ditames de um grupo qualquer que seja, em detrimento do seu próprio sentir e curtir um som, são pessoas idiotas. Allons-y:

Segue uma lista de três clipes bizarrrrrrrres! - a ordem de bizarrice pode variar.

#1: Mutual core


Eu não sou o primeiro a me jogar no falatório sobre esse vídeo e nem serei o último. Bjork já é conhecida por seus clipes super inovadores - e, tem-se que se dizer, às vezes, simplesmente estranhos mesmo (my opinion). Esse acima faz parte da minha lista pessoal de "clipes perfeitos". Porquê? Primeiro os temas: ciência, poesia, sexo: a mulher bota numa música palavras como "placas tectônicas", "erupção" e "núcleo" - essas duas últimas se referindo aos elementos geológicos mesmo. Pedras dançantes rodeando a cantora semi-enterrada na terra faz alguns mais acostumados a gaivotas sobrevoando um barquinho branco pensarem em maconha. A ideia aqui não  é fazer uma interpretação ou análise, mas a ideia de harmonia presente na renovação constante pela inconstância das derivas continentais, dos choques entre placas, das pedras que derretem e explodem num vulcão pra depois formarem mais terra: isso tudo é de uma poesia místico-científica linda. A primeira vez que se assiste esse vídeo, o queixo fica querendo voltar ao lugar ou o riso oscila entre desprezo e maravilhamento. Mas quando a coisa pega e vc deixa o espírito da canção entrar, os vulcões, as pedras que dão as mãos e as deusas da terra no final do clipe fazem todo o sentido. 

E claro que não tem como desprezar o apelo erótico do vídeo - se os produtores do filme não merecerem palmas por aludirem ao sexo por meio de pedras que se lambem, sinceramente, ninguém mais merece. Aí aqui entra o aspecto "gosto é igual a c*" da história: eu ouço essa música, vejo esse vídeo e o processo cola, faz sentido, ecoa aqui dentro. Talvez não em vc. Que seja. Quanto ao fato de o caráter geológico-pornográfico desse clipe fazê-lo mais que original, acho que se pode concordar com isso.


#2 I fink u freeky


Antes de qualquer coisa, falemos sobre Die Antwoord, a banda, ou a dupla responsável pela música. Ninja e Yolandi Vi$$er são personagens que se propõem - segundo eles mesmos -incorporarem uma coisa que eles chamam cultura Zef. Resumidamente o Zef é a subcultura dos descendentes de holandeses da África do Sul, os "brancos sujos", que num país pós-apartheid ocupa um lugar social só seu. Nas atuações e no discurso do Die Antwoord (que quer dizer a resposta, em afrikaaner), tem muito de teatralismo, mas que no fundo tem um quê de crítica social enrolada por uma camada grossa de gagaísmo (o desejo espontâneo e sincero de chamar a tenção por sua figura esquisitíssima). Drogas, sexo, racismo e desigualdade social é só o que tem nas letras e nos vídeos dessa dupla. O caldeirão de onde esse povo saiu, onde cultura extremamente diferentes entre si se cruzaram, produziu esse conjunto visual tão diferente de tudo, como se vê no clipe. Eles brincam com os preconceitos que o mundo tem a respeito da África do Sul, divertem-se com as mazelas e problemas locais (locais? Pobreza, injustiça social, drogas...); jogam na sua cara tudo aquilo que o mundo da música pop tenta em geral esconder, ou, no máximo maquiar: feiura, doença, e, mais uma vez, pobreza. O refrão da música acima é "I fink u freeky and I like u a lot" - num sotaque que eu acho delicioso - . É claro que tem aí um apelo afetivo forte: vc é esquito mas eu gosto muito de vc. Lembra aquela coisa Nirvana, Curt Cobain de ser: "I'm so happy cause I found my friends...": ei, entra aí, a gente é estranho e meio doido mas a gente se dá mó valor". E como nos demais clipes, um monte de "fokk" (o equivalente sul-africano de "fuck") se espalha no meio da música toda. E não é de se ignorar a influência estética do filme Distrito 9 no visual dos clipes da banda.

Quem viu "Freaks" sente uma conexão automática com a ideia de grotesco. Meu gosto pelo esquisito justifica minha simpatia por Die Antwoord e por essa música - mas certamente há mais do que isso: aquele "clique" estético: quando vc gosta de uma coisa, vc gosta e pronto. Não que minhas noções de nojento e sujo sejam morbidamente fluidas - até porque, mórbidos e sujos era como teriam que ser considerados os amantes de Zola, Augusto dos Anjos e Aluízio Azevedo... 

Conta muito também que o DJ Hi-Tech, que faz parte do grupo, é muito, muito bom. Mistura rap, hip hop e música eletrônica - e até batidas tribais locais - como poucos (como poucos dos poucos que eu conheço, hehe).

Enfim, sui generis aqui é a palavra.


#Venus as a boy


Na próxima lista vou tentar não me repetir, mas aí vai mais um da Bjork - e ela vai aparece em qualquer lista de clipes estranhos mesmo, that's inevitable.

Uma música bonitinha, legal - que a BJork canta com sua cara angelical dos vinte e poucos... enquanto frita um ovo.

Ok, mesmo que se queira, como é que fritar um ovo pode ser visto como algo poético? Olha, sinceramente, dá sim. Lembrando da sabedoria popular que diz que "a beleza está nos olhos de quem vê", então, todo mundo conhece a história do crítico de arte que diante do cabide de barro no qual pende um calango morto vê a alusão às angústias do sujeito contemporâneo, e coisas do tipo. Pois no pouco tempo que tentei ver "algo" no clipe (nem sempre é preciso ver "algo" em alguma coisa - ow meu povo, vamo relaxar!), vi o seguinte: alguém aí gosta de Clarice Lispector? Pois lembram do conto dela do ovo? Pois bem, a mulher faz um tratado existencial sobre o ovo, tão existencial que há quem já tenha feito tese de doutorado sobre o aspectos místico e zen-budistas do conto. Certo - ovo em inglês é egg, e egg também é óvulo. Vênus: amor, sexo, reprodução. Tem uma hora que aparece um lagarto no ombro da Bjork: em algumas culturas, o calango ou lagarto é um símbolo fálico... E olha que eu não bebi - e nem consultei críticas especializadas sobre o assunto - juro.

Nível de estranheza: alto. 

Ok, temos o que fazer. Mais uma lista fica pra próxima. Sugestões são benvindas.

domingo, 12 de maio de 2013

Mãe

Gosto da ideia de que todos os dias sejam dias das mães. Mas também acho nobre a ideia de escolher um dia para homenageá-las de uma forma especial - descontados todos os apelos comerciais cínicos.

Entre as várias homenagens possíveis, das mais simples e singelas - como a de comprar uma reles rosa no sinal de trânsito -, àquelas oriundas das entranhas que fazem chorar e rir ao mesmo tempo, a que está mais ao meu alcance é a seguinte.

A de crer, saber e cultivar que nós somos nossas mães - metade do que somos, pele, pelo, sangue, suor, tem os traços vivos do que são esses seres que nos carregaram magicamente dentro de si... Sinto e vivo o fato de ter a minha mãe aqui mesmo, agora, pensando e continuando em mim - e minha homenagem segue esse imperativo de continuar a ser quem sou porque sou ela ao mesmo tempo: e isso com e sem poesia, com e sem biologia. Assim como sou minha avó, e a minha bisavó, e a minha tataravó, e etc.

Mas também nós somos quem nós lembramos - e mãe é aquela que a gente lembra como mãe. Lembro da minha me explicando o azul do céu (e dane-se que ecoe Renato Russo aqui - eu LEMBRO, e essa lembrança é minha), o trovão e a chuva (uma vez sugeri que a chuva fosse o cuspe de Deus, e ela concordou, rindo, pra depois propor outra coisa...). Lembro dela dando o nó no meu sapato no meu primeiro dia de escola. Lembro dela dizendo como era boba essa coisa de dia das mães, mas lembro como ela sorria quando ganhava presente e abraço...

Enfim, enfim, enfim...

Uma mãe é um ser humano. Mas uma mãe é uma coisa infinita onde cada um de nós se formou do nada (meu cérebro nunca vai deixar de travar diante de uma magia dessas...), e como diante de toda coisa infinita, as homenagens são naturais e devidas.

Como a palavra pra se referir ao que eu sinto agora não existe, paro para agradecer, Mãe, por não apenas sermos quem eu e meus irmãos somos, mas simplesmente por sermos.

E lá vai um clichê - mas que está rasgando o peito nesse exato momento: mãe só tem uma.