quinta-feira, 13 de junho de 2013

Sobre cidades apavoradas, atrizes com medo e civilizações burras


O primeiro assalto que sofri foi aos 13 anos. Minhas riquezas, num tempo em que celular era coisa de executivo ainda, resumiam-se a alguns reais no bolso. Houve quem reprovou a minha falta de reação na hora. Pois muito bem: o último foi com uma arma prateada na barriga e o prejuízo foi certamente maior. Hoje não se exige mais reação – nem da vítima e até certo ponto nem da polícia.

Vou falar aqui enquanto cidadão de Fortaleza e do Brasil. Existe um medo que se sente no ar, é quase palpável, é visível nos olhos das pessoas na rua, onde qualquer gesto menos suave – os passos de uma pessoa correndo apressada, o barulho de uma motocicleta que se aproxima, um modo de se vestir mais descuidado – e o coração já aumenta estrategicamente o número de batimentos. A vontade de fugir dispara várias vezes ao longo do dia, esteja vc a pé, dentro da sua bolha de metal de quatro rodas ou até mesmo parado, na sua casa ou no trabalho. A sensação de insegurança é absurda e patética, beira a paranoia e faz de todos nós ratinhos medrosos que se mordem uns aos outros ao menor sinal de fumaça no labirinto...

Sim, a situação é crítica, os tempos são de sangue, de barbárie, etc. Mesmo descontando o exagero da mídia que insiste em fazer crer que o mundo é dor e dor e dor, ainda sobram muitas provas de que já houve sim outros tempos em que morrer por um objeto era algo muito menos possível de acontecer.

Pois vamos procurar um culpado para o apocalipse? Pois sim. Dependendo de com quem vc converse, as respostas vão variar das fáceis e óbvias às mais ponderadas e até esquisitas. Segundo os nossos telejoranais – que são conhecidos, claro, por sua imparcialidade essencial – a culpa é daquelas pessoas pobres, que se escondem naqueles bairros feios, verdadeiras fábricas de criminosos... Me pergunto se um dia ainda vão fazer uma reportagem pra mostrar como os fetos que um dia vão virar bandidos e marginais já apresentam, dentro do útero, uma cor meio avermelhada e unhas e olhos crescidos, além de proto-chifres e a ponta de um rabo no cóccix?

Pois sim, essas pessoas que, do nada, enquanto refletem sobre a vida, sentados no banco da escola bem equipada, construída com um dinheiro que nunca foi roubado ou desviado, do nada, decidem, como quem escolhe uma profissão: “Vou virar ladrão. Acho que o mercado oferece boas oportunidades. Além de tudo, sempre foi o meu sonho, subtrair objetos alheios e ser preso – sim, vou ser ladrão!”

Vai dizer que vc nunca pensou em ser um serial killer? Mas claro, trabalhar e estudar pesou mais na balança...

Antes que me acusem de defender o diabo (ou deus), podem ter certeza que não penso com amor no senhor que roubou meu celular apontando uma arma de fogo na minha barriga. Nem ao rapaz que me puxou a mochila há sete anos e levou dinheiro e documentos, nem tenho extamente pena dos que assaltaram a minha amiga cinco vezes; nem rezo pelo rapaz que ameaçou minha irmã mais nova com uma faca na barriga; nem por aqueles que mataram pessoas mesmo depois de terem em mãos dinheiro, celulares e joias... NÃO.
Mas sinceramente, não esqueço que poucos seres humanos escolhem, de forma clara e consciente se tornar escória da sociedade. Não deixo de pensar que os melhores Jereissati, Gomes, Bezerra, Silva, etc, se criados numa pobreza extrema, sem acesso à educação e toda hora bombardeados por uma propaganda que grita que ele ou ela tem que ter o melhor celular, o melhor tênis, a melhor roupa, também não resisitiriam muito diante de convites a conquistar objetos por meios invalidados pelo sistema econômico (pelo menos para pessoas, já que para corporações e governos a ética e as leis são outras...).

Escolher a mera punição como solução é fácil e exige pouca inteligÊncia e pouco planejamento. Mas qualquer pai ou mãe sabe que punição não basta – punição sem educação é um tipo negativo de educação: vc cultiva o ódio e o rancor. Vide nossas penitenciárias: seres humanos amontoados, fermentando em porões sujos como um vinho envenenado que em breve vai ser liberado em forma de bandidos graudados em tudo aquilo que APAVORA a nossa cidade... Nossas peninteciárias punem – mas só punem – e mal – criam eternos odiadores de tudo o que não for crime...

Fortaleza está apavorada. Sim. Mas qual Fortaleza? Só o ingênuo rodeado de borboletas e luz do sol acha que Fortaleza só é uma. Há uma fortaleza periférica que vive há décadas apavorada – mas e daí? Era só aquele povo da favela mesmo... Mas agora não, agora sim é um absurdo – o povo da favela tá invadindo a Aldeota, um povo que rouba, que mata, que não trabalha... tá todo mundo APAVORADO! Pense logo, pense rápido: solução? Contratar mais policiais despreparados para matar o maior número possível de pessoas “marginais” – em outras palavras, jogar mais fogo nessa guerra entre Aldeota e favela. É como nos video games... A luta do Bem contra o Mal... enquanto que uma boa parte do dinheiro dos cidadãos (favelados e aldeotenses) é desviado e vai parar... adivinha em quais bolsos? Nos do povo do Bom Jardim, Autran Nunes, Barra do Ceará? Jura?


Eu respeito muito as emoções dos outros. Quem sou eu para ousar ir contra o medo e o horror e o ódio de uma mãe que perdeu um filho num assalto ou situação parecida. Não quero essa dor e me compadeço com todas as pessoas que sofreram esses reveses urbanos terríveis.

Mas a parte em que a mãe pega uma arma (via policial doido com síndrome de justiceiro) e sai matando “marginais” que não tiveram escola ou trabalho porque o marido dessa mãe ganhou um dinheiro por fora por meio de superfaturação em processos fraudulentos... Essa parte entra na contagem da marginalidade TAMBÉM.

Um sonho: ver as pessoas não-marginais e apavoradas protestarem contra alguns de seus parentes políticos, que nos roubam e desviam o dinheiro dos nossos impostos todo santo dia, e direta ou indiretamente são responsáveis por boa parte dessas mazelas que nos apavoram a todos e todas.

Outro sonho: poder sair de casa sem ter que correr olhando para o lado igual a um psicótico, com medo de ser assaltado ou morto, ou as duas coisas.


Viver numa cidade considerada das mais violentas do país é apavorante – mas viver numa guerra suja e de fachada entre cidadãos que se odeiam, enquanto políticos corruptos assistem a tudo como num estádio romano? É mais apavorante ainda.