quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Animais versus pessoas

Pra começo de conversa, a oposição evocada no título é falsa, em vários sentidos. Pit bulls não são inimigos dos seres humanos, assim como hienas, cobras, escorpiões, etc. Muita gente não sabe, mas não existem casos em que uma espécie animal, do nada, decide atacar seres humanos a fim de destruí-los (enquanto que o contrário é quase regra). Nem os lobos faziam isso nos nossos tempos das cavernas – porque tinham algo como uma “consciência instintiva” de que se comessem todos os macacos semi-pelados de uma vez, não teriam comida mais tarde. Preciso lembrar que nesse aspecto, seres humanos ainda não aprenderam muito com os ancestrais dos nossos beagles, pitbulls e poodles toy?

Cães e gatos sempre estão mais ou menos em evidência. No facebook da vida, a coisa que você mais vê são pessoas mais sensíveis às agruras da existência animal mamífera não-humana e não-selvagem, divulgando seus sentimentos, muitas vezes nobres, em relação a esses seres. O drama e a legitimidade de cada manifestação virtual variam, assim como varia o grau de simpatia que tais manifestações vêm causar.


A questão é: animais não-humanos devem ser tratados como humanos?

Depende de como se veem esses seres.

Primeiro, porque eles deveriam se tratados como humanos?

1 –Eles existem – sim, existem, estão aí, e como seres inevitavelmente irmanados ao Homo sapiens sapiens (pois todos decendemos da mesma célula inical, bilhões de anos atrás), tÊm direito à vida;

2 – Eles sentem (e talvez seja o mais importante). Só quem nunca “teve” ou educou um cachorro ou um gato ousará dizer que eles não têm “alma”, que eles não se angustiam, não se alegram, não fingem, não têm medo nem orgulho. À parte às projeções e antromorfizações (que tambéme existem, inclusive de seres humanos para seres humanos), até o ano de 2004, Ludwig van Beethoven Caninus Araújo Bezerra era um membro da família Araújo Bezerra, da qual eu também faço parte, e não há como rebaixá-lo ao status de urso de pelúcia animado ou coisa do tipo.

3 – Nós somos responsáveis por eles – e aqui falo em primeiro lugar dos animais domésticos ou domesticáveis, e em segundo, dos selvagens. Os primeiros, por razões óbvias, dependem de nós e devemos ou deveríamos nos sentir obrigados a cuidar deles da melhor maneira possível. Os segundos, nós, como – aparentemente – espécie “dominante” (juro que poria muitas aspas nessa expressão...), por possuirmos capacidades ("conscientes"...) como previsão, planejamento e modificação, deveríamos proteger e conhecer, a fim de nos integrarmos de forma equilibrada ao resto da fauna do planeta, da qual somos parte.


Segundo, porque eles não deveriam ser tatados como humanos?

1 – Eles não são humanos. Não vou dizer que acho que todo ser humano vale mais que um cão ou que um gato – não acredito nisso. Também não vou dizer que o sofrimento humano é mais digno de atenção do que o de um golfinho ou de um hamster. Mas vou dizer o seguinte: o doloroso momento da escolha entre um e outro, entre a vida de um beagle, digamos, e de uma criança, não pode ser escondido ou mascarado atrás de um imperativo ou lei divina que afirme que seres humanos são inferiores aos não-humanos – e vice-versa...

2 – Você é um ser humano. A não ser que em algum laboratório perdido no mundo, um golfinho ou bonobo tenha aprendido a interagir com humanos por meio da linguagem escrita de uma forma extraordinariamente efetiva, você, que está lendo isso aqui, pertence à mesma espécie animal a que pertenço, logo, é de se esperar que compartilhemos o mínimo de experiências existenciais: choramos, rimos, gozamos, magoamos, de forma muito parecida, mais parecida entre nós do que entre você e um gambá, por exemplo. Por mais que alguns digam preferir bicho a gente (e não “bicho do que gente”), a ideia de que se entende a mente de um animal como se fosse o próprio, tem mais a ver com uma sensibilidade emocional privilegiada do que com uma “realidade objetiva” de como o mundo funciona. Que uma pessoa tenha traumas com seres humanos é algo perfeitamente compreensível e normal. E que essa pessoa projete em um periquito ou tartaruga esperanças de cura e amor incondicional, também é compreensível. Cães realmente amam pessoas, eles olham nos seus olhos e sabem, eles veem – isso é indescritível. Mas seres humanos também fazem isso! Gatos não amarram bombas na cintura nem queimam outros gatos em fogueiras; tartarugas não arrancam orelhas umas das outras (e nem é porque elas não tem orelhas...)... Mas golfinhos não arrecadam alimentos para ajudar pessoas em região de guerra (nota: talvez eles o façam, são animais talvez tão ou mais inteligente do que os seres humanos – mas eles não podem fazer como nós fazemos). Cachorros não constroem hospitais para cuidar de crianças com câncer...

Então, tipo, seres humanos podem ser legais. Merecem ser tratados, no mínimo, como animais – ou seja, com respeito e dignidade.


Pra resumir um pouco:

Não vou chamar ninguém de hipócrita – é uma palavra feia e que deve ser usada só pra quem merece, ou seja, quem é conscientemente hipócrita. Beagles presos em laboratórios para testes científicos de quaisquer tipos não é uma coisa digna de seres humanos inteligentes. Os ativistas que os liberaram merecem aplausos. Havia dor ali onde esses seres eram mantidos, e dor gratuita, onde quer que ela ocorra, não deve ser admitida se se pode e se deve evitá-la.

Porém, aqui vem meu reflexivo e humilde MAS: uma pessoa que derrama lágrimas por um gato, que vocifera e briga pelos direitos dos animais não-humanos, mas que não demonstra o mesmo grau de sensibilidade diante de um hospital lotado ou de uma pessoa doente, ou de um desconhecido chorando inconsolado na rua... Essa pessoa merece certos momentos de reflexão da nossa parte. Porque é mais fácil invadir um laboratório e libertar cães do que reagir, de alguma forma, ao sofrimento humano que todos os dias se vê na televisão?...

Não estou dizendo que as duas “lutas” se opõem – o mais normal é que a mesma pessoa que cuida de animais cuide também de humanos... Mas isso nem sempre é verdade. É no mínimo desconcertante assistir ao martírio de uma pessoa que defende animais não-humanos e que demonstra impiedade com seus colegas de trabalho, amigos e parentes...


Pra finalizar mesmo: animais são como seres humanos: são seres vivos que têm necessidades fisiológicas, emocionais e psicológicas como nós, embora não da mesma forma nem da mesma natureza. Mas um cachorro não é uma criança, e um adolescente em “situação de risco” não é um rato, nem um poodle. Dogmatismos só fazem mal, só atrapalham as discussões, em qualquer área. Salvar cães, gatos, ratos, coelhos é algo nobre e que não deve parar. As reticências quanto a vacas, galinhas e bodes deveriam ser repensadas e discutidas (amor e respeito seletivo também é algo comum a animais humanos e não-humanos...). Amar aos animais sem amar ao próximo... Isso é possível? Isso é humano? (sem violinos, por favor)


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