quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Como ser um sabotador do próprio país (e nem se tocar disso)


(O texto a seguir tem conteúdo político diluído e muito mal disfarçado, de modo que aqueles que acreditam na máxima que diz que religião, futebol e política não se discutem, devem manter distância... da cara de pau que uma afirmação covarde dessa transparece, e continuar a leitura)

1 - Para ser um verdadeiro sabotador, a primeira lição, claro, é agir no segredo e na surdina. Ninguém que sai jogando chopp na cerveja do inimigo (ou do atual amigo futuro inimigo) grita “yey, tô *odendo tudo!”. Não, para que os intuitos sabotadores se materizalizem, você deve defender em público uma opinião positiva, politicamente correta, em consonância com aquelas pessoas que você na verdade julga idiotas (que veem a vida como algo possível de ser uma coisa boa) – e apenas por trás  você deve desenvolver teorias esdrúxulas, tecer comentários maldosos, espalhar boatos sem fundamento. Ser contra a corrupção e driblar o fisco é regra básica, e influencia diretamente no sucesso de uma empreitada sabotadora.

2 - Um sabotador solitário não é um sabotadr eficaz. Confabule, invente, troque ideias iguais com pessoas iguais a você. Mas iguais MESMO, não aqueles que uma vez ou outra cedem a um desejo mórbido de ser razoável ou considerar a opinião contrária como apreciável ou digna de ouvidos... Não – altos padrões de pertença a um grupo devem ser estabelecidos, como numa guerra...

3 - Não se informe demais – aliás, informe-se, mas de forma fundamentalmente seletiva. Por exemplo: se o seu chefe diz, deve ser verdade; se aquela pessoa que você acha bonita ou amável diz, deve ser certo; se aquela revista ou aquele telejornal afirmam, deve ser a revelação da Realidade; e mais importante: se sempre se disse assim, se algo sempre foi como foi, deve continuar a ser assim – ponto. Pra que essa coisa de verificar fontes, de conversar com quem pensa o contrário? Isso cansa demais - e trabalhar e ganhar dinheiro sempre vai ser mais importante.

4 - Identifique-se ideologicamente com cores, palavras, gestos ou cortes de cabelo específicos. Se na televisão, um repórter ou político se apresenta com um mínimo desvio em relação a esses padrões estéticos, desconfie – sobretudo da cor vermelha (cor do sangue, do capeta) e dos cabelos curtos para mulheres (símbolo feminista, rebelde); desconfie de expressões como “igualdade social” ou “transferência de renda”, ou “mobilidade social” – tudo que tem “social” no meio deve ser visto como possivelmente perigoso – já "individual" não, essa expressão é mágica.

5 - Não leia livros de história - e se o fizer, pare nos da década de 80 – esses pelo menos tinham um crivo mais oficial.

6 - Use e abuse de bolsas e auxílios oferecidos pelo governo, utilize-se de cursos superiores que nos países civilizados custam os olhos da cara, mas que no Brasil são gratuitos. A seguir, com o diploma na mão, olhe no espelho e diga que foram seus impostos que pagaram por tudo – não se preocupe em passear de carro pela perfieria para gritar num megafone “obrigado” também aos pobres, que igualmente pagam impostos e mal conseguem entrar numa universidade... E se por acaso conseguirem, fique desconfiado, porque “a quantidade de melanina não deveria ser critério para ingresso numa universidade” – mas é claro que não! Melanina serve como critério apenas para discriminação racial, oras!

7 - Siga modas: bata panelas, repita palavras pronunciadas a cada quinze minutos naquela TV sacerdotiza da Verdade, compartilhe imagens com informações não verificadas ou seletivamente desanimadoras – um bom sabotador não vai muito com a cara de Chico Buarque, e vê em todo copo pela metade, um copo meio vazio – SEMPRE!

8 - Seja brasileiro, seja patriota! Mas nem tanto – alguns sabotadores Masters dizem até que o Brasil termina em Minas Gerais, afirmando que em lugares como o Ceará, as pessoas não trabalham e passam o dia todo deitadas em redes... Mesmo que você não faça isso, sustente essa visão, seja brasileiro – mas brasileiro pela metade (Miami sempre sendo uma opção...). Vá às ruas fazer manifestações vestindo a camisa da seleção de futebol, proteste contra a corrupção, corrupção, corrupção... Mas se falarem dos líderes políticos que vocÊ segue como sendo corruptos, faça cara feia e bata uma panela!

9 - Para terminar, e não menos importante, creia no Apocalipse. O mundo está permanentemente à beira do Fim, uma hecatombe sempre estará bem aí, e a única salvação seria mudar tudo o que está como está: tirar um presidente do poder, jogar uma bomba sobre a capital federal, prender todos os políticos apenas por serem políticos, já que todos são iguais. Mudar tudo – mudar para o quê, não importa – vamos tacar fogo no circo e ver o que sobra. Sobrevivendo uma elite, um grupo de escolhidos pra recomeçar do zero, tá ótimo – a vida é assim, uns sobem, uns descem...  Uns vão ao restaurante, outros servem.


Mas as dicas acima são intuitivas e culturalmente validadas, coisa antiga, herdada dos nossos colonizadores; está no nosso sangue, praticamente. Hoje, estratégias de sabotagem muito mais efetivas são veiculadas por aí. Preste atenção a elas, pratique-as como bom aluno, bom telespectador, bom seguidor de regras... Sente na sua cadeira, balance a cabeça negativamete, bata uma panela e espere pelo Fim. Pelo The End, aliás.