quarta-feira, 27 de abril de 2016

Franz Kafka para presidente!

Realmente, fatidicamente, escapistamente, tenho evitado tocar nesse assunto. Prefiro falar de morte e de suicídio, como fiz cedo de manhã com amigos, num desses grupos no app da Vida das Sombras – a morte pelo menos é um fenômeno biológico, fatal; tá aí e pronto, aceite-se.

BUT

O que este país está vivendo, o circo em que nossa política se transformou, é algo que nem Savador Dalì conseguiria pintar. Poderia enumerar a sequência absurda de absurdos e abusar da hipérbole e de metáforas desesperadas... Mas como sugeri acima, poupar-me-ei, assim como a meus parcos e condescendentes leitores. A realidade brasileira já é em si uma hipérbole da falta de vergonha, da ignorância, do descompromisso, da corrupção, da parcialidade, da burrice. Num processo digno dos contos mais alegóricos de Jorge Luis Borges, a metáfora tornou-se o real, o mapa se tornou o a realidade – no nosso triste e patético e mórbido caso, o mapa é um espaço cheio abismos, desfiladeiros, descampados e morros de pura sujeira e ignorância, Ignorância, daquela profunda, que vem do núcleo, do início dos tempos...

Por mais esperança que possa se ter que, aos poucos, o ser humano que gritou “Não me importa o que venha depois, só quero que essa presidenta saia!”, pense melhor e mude para um discurso mais comedido, há fatos e ações inapagáveis, que se inscreveram no traçado mesmo do espaço-tempo (e espero que o eterno retorno seja pura loucura metafísica de Nietzsche...), como por exemplo, um torturador elogiando o torturador da mulher chefe da nação, e sendo aplaudido por isso...

Ok – respirando fundo:

A política brasileira, a mídia e a reação das pessoas, têm exaurido a noção de surpresa da qual um Homo Sapiens típico é capaz – todo dia é uma coisa diferente: o homem mais corrupto de todos tendo os processos arquivados, o golpista falando que sofre golpe, o deputado que vota pelo impeachment em nome da esposa mas que envia mensagem de amor para a amante... Ou seja, a capacidade de se surpreender se desgasta a tal ponto que, a visão de uma baleia voando, cagando filhotes de Cunha sobre o Planalto, torna-se quase trivial, banal.

Mais uma pausa dramática... E para terminar:

Mais um “É como se...”: uma Metamorfose à l’envers: eu acordei (e mais alguns milhões), depois de sonhos intranquilos, e não fomos nós que nos tornamos enormes insetos nojentos... Acordamos num esgoto, governado por ratos e baratas, louvados e/ou tolerados por milhões de outros insetos inertes, hipnotizados por um globo luminoso com funções inseticidas...


Sugiro lerem o último parágrafo ao som de violinos. Ou disso.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Esses dias eu vi... Unbreakable Kimmy Schmidt

Tem povo pra ter mais criatividade pra criar séries de TV (me dou o direito de dizer “de TV” porque de vez em quando um arcaísmo faz bem) do que os americanos? Tenho pra mim que se você procurar um seriado de uma mulher trans ruiva que defende os direitos dos animais até à morte enquanto filosofa sobre a vida com piadas ácidas e doses de romantismo démodé, você vai achar.

Há meses, por meio do inimigo número um das operadoras de tv paga do país, e nova droga dos solitários e dos que padecem de ansiedade e pré-depressão – netflix - , achei um novo seriado legal: Unbreakeble Kimmi Schmidt.

O mote da história é estranho e indica algum tipo de humor sarcástico: uma mulher de trinta e poucos é libertada de um bunker onde vivia com outras três e um fanático religioso que as havia convencido de que o mundo tinha sofrido uma hecatombe nuclear. As risadas começam quando ela sai:

Ela vê-se jogada num mundo que envelheceu e evoluiu quinze anos, o que faz da aventura dela uma viagem no tempo. A série brinca com as trapalhadas dela com a tecnologia, com os novos modos de viver e com a mídia dominada por memes. Acrescente-se ao drama da protagonista, a Kimmi, o fato de ela abandonar sua minúscula cidade Natal para enfrentar a grandeza caótica e ultra-hipster-pós-moderna, New York. Lá, no meio da fauna urbana decadente, ela se torna a melhor amiga de um homossexual negro, acima do peso e vítima de ataques de estrelismo; de uma senhora pós-hippie meio perturbada da cabeça; e de uma socialite fútil, solitária e desesperada.

Os diálogos são condensações de ironias, críticas e reflexões light e jocosas sobre a superficialidade da vida contemporânea. Casamento, amizade, dinheiro, solidão e amor são temas recorrentes nos diálogos e cenas, tratados por meio de piadas ora inteligentíssimas, ora propositalmente idiotas – o que faz rir alegremente em 90% dos casos.


É um seriado leve e despretensioso. Não tem nada de revolucionário – porém brinca de um jeito divertido com a Vida através dessa fixação em metalinguagem, própria de muitos seriados atuais. O afã de Kimmy em ajudar as pessoas ao seu redor de uma forma quase pura ajuda a desestressar. Vale à pena. Os episódios são curtos, rápidos, enxutos e coloridos. HashtagLegal.

sábado, 9 de abril de 2016

Esses dias eu vi... Batman vs Superman

Primeiro, que qualquer coisa que envolva briga de grandes nomes de super heróis, sobretudo aqueles que marcaram a sua infância, soa um tanto apelativo e chocante, sim, soa... Confesso que, como não-leitor de HQs, quando soube de um filme com esse título, minha primeira reação foi me perguntar: “Por que diabo esses dois brigariam?!” As razões apontadas pelo trailer vieram - e, sinceramente, me pareceram de fracas a ridículas... Mas como o trailer não é o filme, esperei pela história toda e o resultado foi... ok. 



O aviso de que não seja, nem tenha sido, leitor de HQs serve para explicar minha ignorância sobre o fato de Batman vs Superman ser a costura de várias histórias em uma só, envolvendo os protagonistas, a Mulher Maravilha e, claro, o início da Liga da Justiça. Deixando de lado os aspectos esotéricos dos fãs e dos entendidos das histórias precursoras do filme, farei apenas uma análise impressionista, de leigo mesmo, da coisa toda:

Motivo da briga: Batman, apenas chocado e passado na manteiga com a destruição causada pelas brigas de rua do vândalo Superman, decide que o da capa vermelha merece uns cascudos por matar pessoas ao desarrumar a casa em suas estripulias. Junte-se a isso o fato de Bruce Wayne já ser um riquinho chatinho perturbado da cabeça – que, no fundo, no fundo, padece de uma grande inveja dos poderes do alienígena de Krypton, que pode matá-lo brincando... De fato, convenhamos, talvez seja muita coisa pra digerir, sobretudo pra um ser humano acostumado a ter tudo e pagar caro pelas bugigangas hi-tech: ver um cara mais bonito, mais tudo, sambar e conquistar mais prestígio do que uma pessoa vestida de morcego...

Conflitos psicológicos internos à parte, e falando um pouco mais sério, no filme, mais que no trailer, e apelando pra uma sensibilidade maior ao drama da vida, ao som de violinos, você até que engole o motivo da briga entre os super-herois – ok, fight (se bem que, procurar o outro pra conversar, pra conhecer seus dramas, entender que a destruição foi justamente pra salvar o mundo [e não apenas uma cidade suja...], não rolou né?... ok)... Os preparativos para o início da parte boa do filme, a destruição, envolve a apresentação de um Lex Lutor pirado... e CHATO, umas cenas lentas e desnecessárias, enfim, um enchimento de linguiça clássico. Então vem a quebradeira – que não é tão boa assim na verdade; e, então, a parte em que os inimigos da escola de ensino fundamental se tornam, do nada, best friends forever... Não vou dar o núcleo do spoiler já dado, por vergonha alheia. Enfim. Chega-se a um fim trágico, porém não surpreendente. O mundo tem salvação – habemus Mulher Maravilha, ê! – mas vai ser complicado e “não perca os próximos episódios”. Entusiastas adolescentes esboçam aplausos, mas a audiência toda na sala sai em geral em silêncio. Mas os críticos profissionais, não.

Não sei quem foi que disse que “o papel dos críticos é criticar”. Pois procuraram coisas criticáveis e, de fato, as há demais nesse filme. Porém, a maior parte das críticas são pesadas demais, e chegam a ser injustas. Chegaram a chamar de fiasco... Não, não é um filme ruim e não é um fiasco. Só por não ser O FILME, Batman vs Superman não pode ser classificado como fiasco. Se a proposta era ser um retalho de grife de histórias prévias que servirá de base pra outras histórias, talvez mais interessantes, parece que cumpriu seu papel. 

O século XXI é um século de cansaço e exaustão da criatividade. Não sou eu quem digo – entendidos teóricos da literatura, do cinema e de praticamente todas as artes dizem isso. Na verdade, é história batida, pelo menos desde o fim do Império Romano – isso no Ocidente, porque se falarmos de China e Índia... A questão é, pra inovar (cabem aspas aí...), até Hollywood tem que se virar, e parece que a bola da vez é a desconstrução da figura do herói – isto é, fazer a caveira dos bonitões fortões bonzinhos. E, de quebra, incluir nessa desconstrução, reflexões filosófico-religiosas light ou pesadas mesmo. É bom lembrar que esse tipo de discussão já acontece em outros tipos de filmes e livros há muito tempo – quase desde sempre. Mas lembremos também que estamos falando de Hollywood, de povão, de mainstream. Chamar Super Man de deus, ou apresentar ao público a dissecação do sentimento religioso, dizendo que a religião é um tipo de subterfúgio do ser humano diante da realidade – talvez não pareça conversa muito simpática a muita gente. E é isso que se vê em Batman vs Superman. Porém, a desconstrução é o que mais chama a atenção: o superman nada mais é do que um alienígena deslocado, que não consegue se adaptar ao planeta, nem sabe muito bem o que quer, tem ataques de grandeza e um narcisismo mal disfarçado. No filme, vemos que ele não é tão bonzinho assim, e mesmo o fato de ser bonzinho, simpaticozinho, não faz dele um santo, já que num planeta de 7 bilhões de homo sapiens, salvar o gato preso na árvore pode ter nenhuma utilidade prática diante de ataques terroristas suicidas em algum lugar perdido do mundo.

O Batman, já sabemos que é um desequilibrado. Encarna, na verdade, o arrogante de classe média alta que luta contra o mal de forma meio paranoica – é como se acabar com o crime fosse mais um show de travesti querendo abalar, do que algo necessário para o bom funcionamento da sociedade – nem é preciso questionar aqui sobre quantos homens mascarados e/ou de capa seriam necessários para lutar, de fato, contra o “mal”... E essas últimas aspas se tornam sintomáticas se pensarmos no público assistindo à briga entre dois heróis cuja integridade e caráter são duvidosos: o que é o Bem? O que é o Mal? Cadê aquele meu herói bonito, bom e barato, sacrossanto, puro, legal, equilibrado? O gato comeu?

Super heróis são projeções de angústias e esperanças nossas. Quem não queria que o superman fosse seu pai (ou vice-versa) durante a infância? Um povo quer ser cuidado por um herói assim como a criança quer ser cuidada pelo pai – toda segurança, coragem, solução de problemas emanando apenas de um ser super poderoso, invencível. Aí, vira e mexe, pá: você descobre que aquela pessoa perfeita não é tão perfeita assim, e que a projeção dos seus sonhos e anseios pode ser interrompida – porque a tela que você encontrou (o namorado, o pai, a mãe, o amigo) não corresponde exatamente aos parâmetros de tamanho, largura e cor minimamente adequados pra uma boa ilusão...

Não sei – por um lado, acho que as críticas pesadas e injustas a Batman vs Superman vêm, de um lado, de uma rejeição, por parte dos críticos, desse flerte com Lars von Trier, ao refletir cinicamente (mesmo que de passagem) sobre religião, e política também; e, de uma cara de enjoo, por parte do público, diante da lama moral que é jogada na figura dos heróis, que, pra muita gente, e ouso dizer que para a maioria, deveria ser pura e imaculada, já que se vai ao cinema pra se divertir, comer pipoca, namorar, e não pra se refletir sobre a vida, sobre a natureza humana, e, pior ainda, sobre a natureza divina... (Beyoncé que o diga: críticos criticando: "Pra que ela vai falar de racismo e violência policial nas músicas dela se tudo o que nós queremos é bater cabelo e descer até o chão? Petralha! [adaptado]").


Veria de novo? Sim. No cinema? Não – não vale um segundo ingresso. Mas é um filme ok. Vão lá. Vale à pena. Talvez não em 3D... Whatever.