terça-feira, 19 de julho de 2016

Pokédemônios existem?

É do cão? Um monte de gente doida no parque correndo atrás de pegar um bicho que nem existe! É de deus? Uma guria réa foi procurar um Pokedemônio na beira de um riacho e achou foi um cadáver humano em decomposição...


Diabo, Pokémon, deus... Nem vou entrar na árdua e espinhenta discussão sobre o que é realmente real.

Mas podemos entrar numa discussão sobre o que é realmente funcional.

Antes de fazer careta contra os doidos correndo pela rua em busca de entidades virtuais visíveis apenas na tele de um celular conectado à internet, olhe em volta, aliás, olhe diante de você: pra tela que reflete uma parte do seu rosto e, sobreposto a ele, essas palavras, esses ícones. Há quanto tempo sua vida depende do que aparece nessa tela? – e não falo só como instrumento de trabalho, mas como instrumento de existência.

A questão do real vs imaginário é velha e mais básica do que a gente pensa. Nossa civilização só existe, na verdade, devido à nossa capacidade de inventar histórias, e principalmente, à capacidade de acreditar nessas ficções. Tem um cara muitointeligente que explica isso de um jeito lindo, fácil, bonito e até excitante (intelectualmente) – e vou falar dele num post específico. Mas a questão agora é: a ideia de Estado, de Igreja, até a de torcida organizada (sem falar de outras como deuses, etc) são todas invenções, no sentido de que nem sempre existiram; se não existiam antes do homem, então é porque foram concebidas, inventadas. Mas isso não é nada demais – isso é ótimo: nosso cérebro precisa disso. A mesma criatividade que nos faz inventar uma piada ou uma história pra fazer rir é a que nos faz criarmos ficções mundiais como “Somos um só”, “Todos são iguais”, o crédito bancário, o mercado financeiro, etc. A mesma necessidade de confiar na palavra das pessoas mais próximas é a que nos faz irmos ao cinema assistir um filme feito inteiro de forma digital – nós vemos verdade, aprendemos lições e nos inspiramos pra viver até no que não é de verdade de verdade.

Mas aí uma pessoa perturbada pergunta: e o que é real? Outra, mais perturbada ainda, responde: se você pensa que uma coisa ou história é real, trata essa coisa como real e vive como se ela fosse real, então ela é real – e mais: se centenas, milhares ou até bilhões de pessoas se comportam como se essa coisa fosse real, então pronto: temos aí uma realidade eleita democraticamente.

O que isso tem a ver com Pokémon? Porque os ultracríticos vão logo em cima do aspecto irreal da coisa: pokémons não existem, e é uma pouca vergonha sair correndo atrás de bichos que não existem. Para essas pessoas: meu povo, é um jogo – é uma brincadeira; um jogo diferente, claro: trata-se de realidade aumentada: objetos do mundo virtual são projetados no mundo real – o que pode lembrar um pouco a esquizofrenia – mas como já sabemos que todos somos, em medidas mais ou menos funcionais, esquizofrênicos, Pokémon não traz assim tanta novidade.
Na verdade, a questão central é: excessos. Facebook (quer coisa mais criadora de realidades falsas que isso?) demais faz mal; whatsapp demais faz mal; até água pode matar. O diferencial do Pokémon enquanto jogo é a invasão clara e explícita no mundo real físico: uma coisa é a pessoa gastar horas cultivando uma fazendinha na tela do celular (isso sim eu acho doente), quieta, sentada, fingindo que está trabalhando; outra coisa é aparecer um Charmander (Pokémon de fogo) perto da cozinha de uma lanchonete e você saltar da sua cadeira e sair correndo atrás dele com o celular na mão. Nos dois casos temos doidices (criancice, ridicularidades, falta do que fazer, como você quiser chamar) – mas em um deles, uma dessas coisas fica mais óbvia.

Para tudo há limites. E mesmo depois de duas semanas do lançamento, já começam a aparecer tentativas de imposição de limites aos caçadores de Pokémon: não é nada sensato entrar no Museu do Holocausto à caça de um Pokémon tóxico... Ou sair em grupos atrás de novas conquistas no meio de uma cidade que sofreu um atentado terrorista grave, como é o caso de Nice, na França: pra evitar cenas patéticas como a de Nova York num período de luto nacional, a própria empresa responsável decidiu adiar o lançamento do jogo no país.

Limite, bom senso, etiqueta gamer: não tem nada de mágico ou demais quanto a isso. Os chatos de plantão que reagem com desprezo a tudo que faz adultos se perderem em momentos lúdicos como crianças, please: levantem a mão aqueles dentre vocês que nunca tiverem perdido horas da sua existência alimentando uma cobrinha nos celulares da Nokia, ou cutucado alguém numa rede social sem nunca ter visto essa pessoa na vida...




Pokémon, go sim – mas com calma.

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