sábado, 30 de julho de 2011

Novo Renascimento ou Idade Média 2.0?

Não gosto de escrever sobre política porque sempre tenho a impressão (aliás, essa impressão é permanente, mas nesse caso é mais forte) de estar ousando demais... Mas que seja, isso aqui não é minha dissertação de mestrado mesmo.

Breivik nesses últimos 10 dias se transformou quase num palavrão - assim como aquelas palavras que nos vêm à cabeça quando lembramos das 68 pessoas mortas em Oslo. O sorriso sereno do rapaz, a delirante mão firme com que ele levou a cabo quase todos os planos dele nos lembram de episódios da história que tentamos esquecer cada um à sua maneira: ou fazendo alguma coisa ou não fazendo nada: 11 de setembro, Hitler, assentamento judeu na Palestina...

Breivik, no seu "diário de bordo" da morte e da loucura (e aqui frisa-se que a loucura em geral é a perversão ou o exagero de algo pertencente à "realidade"... o que nesse caso preciso de intolerância, é mais perturbador ainda) o norueguês fala de "Eurábia" - o que nos remete de cara a algo como uma combinação entre Arábia e Europa...

Pois bem, uma pesquisa na internet nos leva à Wikipédia, e lá fica-se sabendo que o conceito de Eurábia existe desde o começo dos anos 2000. Eu gosto de teorias da conspiração - mas nos filmes! Essa é daquelas que merecem mais que um "Aí dentro": um "Socorro, pega o doido!". Mas como toda teoria da conspiração, tem raízes em fatos, passando por suposições, por projeções exageradas e por fim, um belo toque de ucronia e loucura mesmo. Leiam o artigo (a versão em francês é mais completa) - no fim ficamos sabendo que muitas pessoas (e não apenas loucos como Breivik) acreditam que de fato existe um tipo de acordo conspiratório entre líderes da Europa e do mundo árabe que pretende pôr em prática um processo irreversível (que já teria começado aliás) de islamização do continente, o que incluiria flexibilização das leis de imigração, negação das raízes cristãs da Europa e o denegrimento da imagem de Israel em solo europeu... Essa teoria, que como único dado "correto" apresenta o crescimento demográfico superior das comunidades islâmicas (que está em queda, diga-se de passagem, antes que todos gritem), indica que até o final do século XXI, qualquer mulher que fosse visitar Paris ou Londres teria que usar burca ou véu e se habituar a ouvir as cinco orações muçulmanas soarem na Notredame, que teria se transformado numa grande mesquita...

Quem lê ficção científica como eu, já viu essa história várias vezes: parte-se de um elemento sociológico real, exagera-se tal elemento, combina-se um pouco de drama e recortes de outros esquemas históricos, e finalemente obtém-se uma realidade alternativa convincente, se apregoada no tom certo, pelas pessoas certas, no contexto emocional certo... O contexto hoje é o mesmo do pós-guerra do século XX: medo, intolerância, ignorância... - os "possíveis" dominadores da Europa é que eram outros: os judeus. O anti-semitismo, apregoado nas ocasiões corretas, por pessoas inteligentes, a um povo enfraquecido levou ao Holocausto e à perseguição geral dos judeus. O mesmo acontece hoje com os muçulmanos. Quando se vê um Le Pen da vida que diz achar a ingenuidade do povo norueguês diante da imigração muculmana mais grave do que a matança promovida por Breivik, um sinal mais que vermelho se acende dentro das pessoas que querem nada menos do que paz...

Junte a isso Bolsonaro, Silas Malafaia, Al Qaeda, LulzSec e etc, vc começa a ter certeza de que a ideia daquele fundamentalista da esquina passar a ser um defensor de sistemas anti-islâmicos, anti-homossexuais, anti-qualquer coisa que seja considerada anti-deus-como-achamos-que-ele-é, não é um exagero de hipocondríacos sociais - é questão de tempo, se não se fizer alguma coisa...

Mas do fundo do meu coração de cidadão relativamente pacato, ainda prefiro pensar de que perto dos meus trinta estou vivendo a revolução da informação e da comunicação, e que um dia esses medos não farão mais sentido... 


(Um Hitler de novo não, s'il vous plaît)...

sexta-feira, 29 de julho de 2011

South Park


South America, south hemisphere, South Park... E é bem debaixo mesmo que a coisa começa.

Dos Smurfs, passando por Cavalo de Fogo, He-Man, Ursinhos Carinhosos, Capitão Planeta, e enfim chegando a South Park, é óbvio que há um longo caminho. Não premio este último como objetivo de um percurso intelectual qualquer - apenas indico mais uma via possível nesse mundo cheio de portas largas do entretenimento fácil e meramente recarregador de baterias.

Nem lembro a primeira a vez que vi um episódio, mas lembro que de primeira não cheguei a me apaixonar pela escatologia animada que jogava nos meus peitos sangue, palavrões e críticas muito mais que pesadas a tudo e a todos - sobretudo a EUA, religião e moral... No entanto o amor que se seguiu era inevitável.

Como não gargalhar diante de personagens que visualmente são de uma simplicidade iconoclasta e expressões reduzidas ao básico mas que incontrolavelmente causam o riso por sua eloquência mais que cômica? Iconoclastia, aliás, pode ser a palavra que mais venha à cabeça depois de assistir analiticamente um ou dois episódios dessa série americana. No terceiro ou no quarto, se vc não for fundamentalista cristão ou muçulmano, nem um hipócrita de segundo ou terceiro nível, mas sobretudo, não for um autoanalisófobo, vc percebe que há algo lá no fundo, há um código sério que diz alguma coisa de bom e de positivo, escondido numa nuvem imensa de riso de escárnio, de cenas absurdas, de sarcasmo ácido e politicamente incorreto e até ofensivo.

Cada episódio é uma pérola de "olhe-se no espelho e veja que o mundo não é lindo como vc pensa, caro homem branco, ocidental, cristão e feliz". Como nesse, da décima primeira temporada, em que Cartman, Stan e Kyle descobrem, durante a Páscoa que São Pedro na verdade é um coelho, e que Jesus não ousaria colocar nas mãos de um homem apenas o destino de uma igreja ou de uma religião:

- Mas por que Jesus ia querer que
um coelho comandasse sua igreja?

- Porque Jesus sabia que nenhum homem
poderia falar por todos em uma religião.

Nesse mesmo episódio, por acaso, dirigentes da Igreja Católica, para impedir que tal segredo seja divulgado aos quatro ventos, ordenam a morte de Jesus Cristo, que do nada tinha ressuscitado para salvar os herois da série.

O episódio que mostra um Obama mancomunado com McCain, cujo objetivo era permitir a vitória do primeiro presidente negro dos EUA para que esse pudesse roubar uma joia caríssima chamada "esperança", à qual apenas o presidente tem acesso, também diz muito sobre o lado podre da política. 

Em outra situação, depois que Kyle se vê obrigado por seus amigos e conhecidos a criar seu perfil no Facebook, o stress de manter e administrar os contatos na rede e o equilíbrio superficial de suas relações com os amigos de verdade o cansa, e ele decide abandonar o Facebook. Mas sua conta tomou vida própria, e o impede de cometer seu facebookcídio, exceto se o garoto entrar no mundo digital no melhor estilo Tron e lutar contra os outros "profiles"...

Claro que não vou continuar a pagar o mico de ficar contando o enredo dos episódios dessa série que mais que pensar, faz pensar com muito, mas muito humor. 

Depois de um certo tempo de piadas sem graça na arte e na vida, a dose tem que ser pesada pra fazer vc abrir uma gargalhada gostosa e incontrolável, do tipo epilética, daquelas que se abriam com os amigos no meio de uma aula da faculdade, vc se passando por idiota... 

Para pessoas com senso crítico, habituadas a House ou Simpsons, conhecedores parciais de Onfray ou Voltaire, porque não, aconselho uma visita a South Park. Para os que querem ser ishpertos e legais, CQC basta.

A mosca já tem... a b*sta também.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Mais é inguinorante mermo!

É muito eloquente que no nosso português nordestino ignorância esteja relacionada quase que sinonimicamente a brutalidade, falta de polidez, agressividade física e verbal. Associamos ao longo do tempo no falar do dia a dia a causa às consequências de um jeito tão íntimo que há pessoas que entendem o termo só nesse sentido...

Sem mais delongas, no universo que construo com meus parcos conhecimentos e impressões desse mundo confuso, a ignorância seria a praga mais danosa e daninha, mais insuportável, mais deletéria, mais perigosa, mais satânica. Não vou fazer análises etimológicas - e como defesa a essa preguiça aludo a Borges que disse que grandes coisas são pra um matemático saber que cálculos vem de pedrinhas em latim... Enfim.

Ignorância seria o contrário de saber? Saber o quê? Algo que numa dada situação comunicativa (conversa de bar, sala de aula, fila de banco, diálogo telefônico, discussão online, etc) deveria se saber ou pelo menos intuir para se evitar falhas graves no processo de interação - falhas que podem englobar desde um riso de escárnio até o assassinato recíproco dos envolvidos. Quem não sabe, por não saber, não sabe o que vê, não sabe o que o outro vê e  não sabe porque o outro vê. Em resumo troglodístico: o ignorante não entende o seu ambiente - e agindo de acordo com sua ignorância, ou magoa, ou fere, ou irrita, ou mata aquilo que simplesmente não é abarcado por seu conhecimento. É preciso dizer que todo ser humano é ignorante em graus diversos, diferentes e variados? Pessoas que chamamos de cultas seriam as menos ignorantes naqueles quesitos que nas sociedades urbanas ocidentais são considerados os mais importantes: conhecimento do jeito certo de falar, de comer, de mentir polidamente, se manejar certas artimanhas sociais e psicológicas. Mas bote o culto sabetudo pra conversar sobre estruturas e materiais com o seu Zé Pedreiro que veremos a ignorância florescer lindamente em palavras pronunciadas corretamente e arrumadas em períodos longos.

Então, estabeleçamos pelo menos, pra sair desse vácuo relativístico de ignorância ubíqua, de que tipo de ignorância estamos falando. Bien, pra viver em sociedade, sobretudo nas nossas sociedades atuais, em que seres humanos dos mais diversos tipos precisam conviver da maneira menos ruim possível, é necessário não ignorar certas coisas; é preciso manipular certos preceitos e informações sobre ser um ser humano. "E quem és tu, tatu, para ousar pensar que podes falar sobre o que é necessário para ser um ser humano 'convivível'?" Resposta: bem, imagino que sou um ser humano convivível, na medida em que: 1 - Nunca matei ninguém; 2 - Não causei a dor mortal física e psicológica de ninguém; 3 - Não incito ninguém às ações citadas anteriormente. Partindo do princípio que tais premissas sejam válidas, admitamos que:

Não saber que seres humanos são animais não é a principal, mas uma das principais fontes de ignorância. Esquecer que por mais Torres Gêmeas que construamos ou destruamos, somos quase tão animais quanto chimpanzés, estamos tão expostos aos efeitos de certos hormônios e neurotransmissores que correm no nosso sangue quanto cachorros e ratos, e que isso quer dizer muita coisa.

Não saber que todo ser humano merece respeito e que sua existência é legítima por si mesma também parece ser uma fonte de conflitos - é óbvio que se a vida de um ser humano põe em risco permanente e incontrolávelmente a vida de outras dezenas, centenas ou milhares de pessoas, tal existência merece outro tipo de consideração.

Não saber que muçulmanos, judeus, homossexuais, albinos, pessoas ruivas, pessoas com espinha, pessoas canhotas e embidestras; pessoas anãs e com polidactilia - todos são seres humanos que comem, defecam, urinam, desejam, gozam, choram, sorriem, pensam, criam arte, ouvem música, têm perfil no Facebook, rezam, vomitam, têm amigos, têm mãe e pai, mentem, gritam, etc, etc, é um dos maiores erros, e ousaria dizer, pecados, que poderiam ser cometidos sobre a face da Terra, da lua e de onde for a que um dia chegarmos. Um juiz que julgasse sem saber dos fatos que cercam um acusado seria um bom juiz? E declarar-se juiz sem haver acusado nenhum seria ser um bom ser humano?

Não saber que se é livre para crer no que se quiser é outra coisa. Não saber que a sua vida depende de maneira direta ou indireta do próximo, é outra inguinorância. Não saber que a juventude dura algumas horas, na contabilidade hiperbolizada de uma vida, é outra. Não saber que aquela pessoa da qual vc não gosta pode ser muito mais inteligente e feliz do que vc, é outra burrice do pântano. Não entender que AS COISAS PASSAM é outra...

A lista vai variar sua infinitude dependendo de quem fala e porque fala. Falo porque nutro esperanças utópicas de que um dia viver ao lado das pessoas será uma experiência menos estressante, e assistir as pessoas vivendo entre si dará mais vontade de rir do que de sair correndo e gritando "vão pra p*** que pariu".

Só pra terminar, diria que não saber que não se sabe entra no rol das super-ignorâncias. Não que concorde com Sócrates, outro exagerado - eu sei sim que sei alguma coisa. Estou falando de ignorar os indícios circunstanciais que apontem que há algo crucial que vc não sabe e deveria saber - e além de ignorar, inventar-se desculpas do tipo: "Ah, quem disse que eu não sei é aquela pessoa odiosa, então não devo me importar". E melosidades dialéticas do tipo.

Se o perímetro de conhecimento dos que leram isso tiver aumentado um nanômetro que seja, já me sentirei bem, pois como disse de forma um tanto demagógica e nerd uma personagem de um livro de Arthur C Clarke, "... E compreender é felicidade".