O embate realidade versus sonho está muito mais presente no
nosso refletir do dia a dia do que pensamos. Se, por realidade, temos esse
conjunto de atividades mentais e físicas que englobam desde tirar a primeira
remela do olho, passando por lavar um prato, pagar uma conta, executar uma
tarefa repetitiva e soltar um peido antes de dormir; e por sonho tudo aquilo
que de alguma forma não seja tudo isso, ao pensarmos só um pouquinho, podemos ver
que a coisa é um pouco mais complicada que isso. Quase sempre é.
Já disse em algum outro texto meu nesse blog que pensar
muito nesse tipo de coisa pode levar a um estado de loop filosófico infinito e
improdutivo que chamamos de loucura. O que mais uma vez me levou a esse tema,
foi a descoberta de um seriado interessantíssimo chamado Awake, que pode ser
encontrado no Netflix. Um detetive, depois de um acidente de carro em que
estavam sua esposa e seu filho, toda vez que dorme, acorda numa outra realidade
em que quem morreu foi sua esposa; e quando dorme nessa realidade, quem morreu
foi seu filho. Ou seja, uma realidade é o sonho da outra.
Isso por si só é uma grande sacada do autor – a série tem
seus defeitos: a parte filosófica ou reflexiva da condição desse detetive pai
de família é muito pouco explorada... mas talvez por isso mesmo a série não
fique chata, como estou ficando agora.
A questão é: pelo fato de viver uma realidade paralela em
seu sonho (ou um sonho realista em sua realidade...), com direito a leis da
física invioladas e pessoas e fatos correspondendo ao que pode ser considerado
real, o detetive simplesmente não pode afirmar qual dos dois mundo entre os
quais transita é real. A vertigem na cabeça de quem assiste é óbvia, e as
investigações, os sustos e as aventuras em cada episódio conquistam e instigam: “se
fosse eu...”. A crueldade das circunstâncias também inspiram e fazem sonhar:
viver numa vida com a esposa que na outra realidade morreu; viver na outra vida com o
filho que numa existência não existe mais... quem não queria uma chance dessa,
por mais que isso pareça loucura – loucura mesmo, desequilíbrio mental no
estilo “pega o doido!”.
Humberto Maturana diz que não existe prova absoluta que
apoie a existência de uma realidade em detrimento de outras – mesmo o sonho ou as
fantasias de um esquizofrênico, ou os delírios de uma pessoa febril ou drogada,
só são classificadas como "loucura" por referência a outro estado, o qual convencionamos chamar de “realidade”. Fora dessa referência estatística (sim,
pois lembremos que já vivemos, pois a maioria acreditava nisso, numa Terra plana habitadas por demônios... Aliás,
estes ainda vivem por aí, segundo número considerável de pessoas....), que
também é cíclica, não se pode afirmar nada de nariz empinado, arrogantemente como donos da verdade. Isto é, ninguém
tem acesso privilegiado a uma realidade absoluta.
Então quer dizer agora vamos todos sair sambando por aí vestidos de
bailarina, peruca rosa na cabeça, gritando e sendo feliz como se não houvesse amanhã? A não
ser que estejamos no carnaval de 2016 (em que uma certa pessoa realmente fez
isso), não, não é o caso. O objetivo de filmes como Matrix e Abre los ojos (Vanilla Sky em Hollywood), ou
de seriados como Awake, não é convencer as pessoas de que não existe nada, e
que o mundo é um caos sem sentido e podemos fazer tudo o que quisermos (no mau
sentido). Imagino que a ideia é meio que gritar: olha, se o mundo em que
vivemos agora é uma bosta, deve ser porque ele não foi dado ou imposto por
ninguém – se não existe Verdade ou Realidade com maiúscula, existem aquealas com
minúscula, e estas são perfeitamente questionáveis, flexíveis, recriáveis e
infinitamente cheias de possibilidades. E bote aí nesse saco de coisas
questionáveis todas as pragas e mazelas atuais: o machismo, a destruição do meio ambiente, os vários tipos de intolerância,
a ganância desenfreada do capitalismo, a violência absurda etc. As coisas não são pra ser
assim – as coisas ESTÃO SENDO assim. A realidade é fruto das nossas ações em
conjunto, desde o senhor que colhe material reciclável em sua carroça, até o
executivo que quando está de mau humor causa a bancarrota de países periféricos
da África ou da Ásia... #myOpinion
Essa verborragia acima são exemplos de reflexões que podem
surgir depois de assistir a episódios de um seriado bem escrito, bem concebido,
e quase tão bem executado – mas idiotamente cancelado por “ser complexo demais
para o público americano” - como Awake. Whatever.
Esse é outro: “série massa. Vale à pena”.
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