Se você é do tipo de pessoas que,
como eu, olha para o céu noturno como quem mergulha num oceano infinito e
desconhecido, em busca de sensações semi-místicas, sentimentos profundos de
reverÊncia à grandeza do cosmos ou À nossa pequenez, não leia Cixin Liu. Cixin
Liu: esse bruxo chinês, que transformou meu céu estrelado cheio de promessas de
novos mundos misteriosos e talvez habitados por seres evoluídos e sábios, num
abismo de breu e morte sem fim, o qual, ao ser encarado, te encara de volta com
olhos de terror…
Cixin Liu é um escritor chinês
que tem sido aclamado como o maior nome da ficção científica chinesa, e um dos
maiores nomes da literatura do gÊnero no mundo todo. Quem leu Arthur Clarke
pode ter uma ideia do que esperar das histórias de Cixin. Mas apenas uma ideia.
Ter nascido numa cidade pobre da
China e ter crescido num período histórico de seu país que combina crescimento
econômico vertiginoso com transformações políticas e sociais violentas, deixa
seu rastro na vida e na escrita do autor. A grandeza das paisagens, a contagem
de longos períodos de tempo, a preferência por caracteres solitários que passam
por mudanças profundas e redentoras, a desconfiança do estrangeiro e o cinismo
deste, o heroísmo em prol de algo maior – são elementos que orbitam os sistemas
do universo desse escritor incrivelmente criativo e sensível. Já se apontou o
destacado lugar da estética no mundo de Cixin Liu: não se trata apenas de
tecnologia hard, de cenas de guerra mais que épicas, de sequências de eventos
super intrincadas que atravessam séculos sem perder sua lógica rigorosa – o mestre
chinês sabe pintar bem cenários e objetos – como se Caravaggio pintasse quadros
na estética hiperrealista…
A grandeza cósmica romÂntica
mencionada acima vira um abismo de horror e desconfiança nas tintas literárias
de Cixin. E apesar da sombra que ele joga na experiÊncia cósmica individual,
isso faz mais é ampliar e engrandecer a visão que se pode ter do universo, sob
uma perspectiva científica. O cara ousa propor soluções hipotéticas pra vários
mistérios da ciÊncia e da cosmologia atual: por que o Bing Bang resultou exatamente
no mundo como é hoje? Por que até agora não entramos em contato com seres de
outro planeta? O que nos reserva o futuro para nós, enquanto habitantes de um
pequeno planeta em vias de inutilização por seus próprios moradores?
Não, Cixin não é romÂntico – não no
sentido clássico. A desesperança existencial cósmica é apenas compensada por um
tipo light de esperança nas habilidades do ser humano de pelo menos postergar
seu inevitável fim, construindo uma vida próspera e satisfatória por meio do
desenvolvimento científico. O encontro de um imigrante iletrado com o físico
Stephen Hawkins é uma das cenas doces com que o autor nos presenteia: doce pero
não bobo. O auto-sacrifício pela mulher amada, que resulta numa metamorfose
através dos séculos, que, por sua vez salva a humanidade do esquecimento
definitivo, também afaga o coração do leitor, tão obscurecido pelas trevas que
nos alimentam nas páginas de Cixin…
Infelizmente, há poucos livros do
autor chinês traduzidos em português. O primeiro escritor de língua não inglesa
a vencer o oscar da literatura de ficção científica ainda é um pouco inacessível
ao leito brasileiro. Mas pra mergulhar nos espelhos fantásticos de Cixin, O
Problema dos TrÊs Corpos, que soa muito como título de livro da Agatha
Christie, é um ótimo começo. Trata-se do primeiro livro de uma trilogia
estonteante, inteligentíssima, inovadora, instigante e inspiradora. Uma saga
cósmica, quÂntica e dimensional de tirar o fôlego. Há livros que mudam seu
jeito de pensar, e Às vezes, de viver: esse é um deles. Compartilhar algo
assim, como disse Jorge Luis Borges, é um dos melhores presentes que se pode
dar a alguém.
Leia Cixin Liu, apaixone-se mais
ainda pela grandeza do cosmos, deguste da beleza das aventuras científicas, do
medo do abismo, dos sussurros que se ouve quando ele encara de volta…
Tem em PDF? Interessante..
ResponderExcluirÓtimo livro
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