sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Saindo do armário – uma história cativante e emocionante

Andando assim pela rua, esse rapaz nos seus 20 e poucos anos não aparenta ter sido o que era há apenas alguns dias: “Eu vivia trancado num mundo fechado, sabe? Vivia atrás de máscaras... Algumas a sociedade me forçou a criar... Outras eu criei pra me defender e me sentir mais forte... Mas era só uma ilusão...”

Francysgleusson Armandino (nome fictício) nasceu numa família de classe média. Estudou em escolas particulares e públicas. Ainda criança, pais e professores perceberam algo diferente nele. Hoje ele mesmo conta que também se sentia diferente: “Eu chorava de vez em quando sozinho. Olhava meus amigos, principalmente na adolescência e pensava: eu não sou como eles, feliz, tranquilo, não tenho namorada... Todo mundo pertencia a uma família rica que vivia em festas e eventos importantes... Eu não tinha nada disso... Me sentia muito mal...”

As situações adversas em que passou a viver por conta do jeito diferente que identificava em si mesmo, levaram Francysgleusson a tentar ser como os outros. Num esforço sobre-humano, tentou mimetizar, imitar os comportamentos que via ao ser redor, aqueles que se consideravam os "corretos". Foi nesse momento, conta ele, que começou o inferno na sua vida, que ele disfarçava de céu tão bem, que ninguém, aparentemente, notava.

“Eu então passei a ser o bem sucedido graduado em Direito. Saía todos os dias para lugares incríveis, com
pessoas lindas, bebendo drinks exóticos e caros, em festas exclusivas. Vivia sorrindo em poses dignas de capa de revista. Tudo o que eu postava recebia centenas de curtidas, até de pessoas que eu sabia que não gostavam de mim. No meu trabalho, eu era o melhor. Meu currículo online era extenso e cheio nomes pomposos de empresas onde todo mundo queria trabalhar. Entre as minhas centenas de contatos no facebook estavam inclusive celebridades locais e nacionais. Meus gostos musicais eram elogiados, todo mundo curtia os filmes que eu via... No dia a dia eu andava sempre bem humorado, e não lembro de precisar de ninguém para conversar sobre coisas tristes – eu nunca estava triste. Nunca precisei pedir desculpas, porque eu não cometia erros. E nem admitia erros! Ligar pra alguém sem antes ser procurado? – nunca! Usar frases como “gosto de vc”, “estou com saudade”, “não vai embora, tá cedo” – não, não estavam no meu vocabulário. Eu me sentia bem assim, sabe. Me acostumei a ser essa pessoa perfeita, essa entidade emblemática – me sentia como o protagonista de uma série americana que falava sobre pessoas populares e bem sucedidas...”

E Francysgleusson levaria a sua vida assim por tempos indefinidos... Se não fossem os efeitos colaterais de um tal estilo de vida. Postar fotos sorridente enquanto estava com vontade de chorar começou a ser mais que incômodo, tornou-se doloroso. Publicar a imagem de amigos abraçados e felizes, quando há poucos segundos antes dos cliques, os mesmos se olhavam com desprezo e raiva, de repente lhe passou a parecer extremamente de mal gosto... "Digitar kkkkkkkkk com uma lágrima descendo do lado esquerdo era clássico..." E os eternos bons dias on line, nos quais convidava todos a ser felizes, enquanto que ele nem lembrava mais o que era felicidade fora de fotos e vídeos e frases meticulosamente pensadas para timelines das redes sociais?

“Eu percebi que havia alguma coisa estranha... Fui lembrando da minha infância... Sim, havia alguma coisa estranha... Havia alguma coisa dentro de mim que não combinava com o que eu via fora...” E essa coisa, Francysgleusson descobriu de uma forma dolorosa e assustada, como acontece a muitos jovens, e pessoas mais maduras também: “Então, finalmente eu descobri, eu me assumi... Foi difícil, não foi fácil... Eu vi exatamente o que eu era, sem culpa nem medo, I am what I am...”

“Isso mesmo, eu não podia esconder isso pra sempre, não tinha como viver encubado, dentro de uma armário feito de fotos e postagens perfeitas online e caras e bocas ultrafelizes em público: eu era o que eu era: um ser humano!” 



- Foi nesse momento então que você se deu conta de que você tinha certas necessidades...?

- Sim. Percebi que querer conversar sinceramente com alguém, olhando nos olhos, não era uma coisa pervertida... Era normal! Antes, pensava que dizer pra alguém que tinha errado e que me sentia mal por isso, correspondia a se declarar um doente, um psicopata, um looser... Mas depois vi que apenas personagens de filmes e heróis de seriados americanos são ao mesmo tempo felizes, bonitos, infalíveis, conhecedores de todas as grandes cidades do mundo, leitores de todas as grandes obras, e etc... Realizei que não saber a resposta pra uma pergunta é algo que acontece a todo mundo... Sentir saudade – essa safadeza – é algo que ocorre todo dia... Até mesmo gostar mais de alguém do que esse alguém de você – isso é humano!

- São descobertas perturbadoras... Como você lidou com isso, com essa descoberta de que no fundo, você era um ser humano e não um personagem de novela ou de seriado americano?

- Saí do armário aos poucos, sabe? No começo foi difícil, porque demonstrar a sua humanidade aos outros ainda causa surpresa e medo: as pessoas têm medo do que não conhecem. Então quando te veem dizendo alguma coisa num tom de voz sincero, ou admitindo um erro, ou elogiando uma pessoa que todos consideram ser um inimigo seu, elas te olham esquisito, como se você estivesse vestindo um modelito verde limão...

- E hoje, como é a sua vida fora do armário da vida perfeita?


- Hoje eu tenho amigos que compartilham comigo a sua condição de seres humanos. Conversamos, saímos juntos, nos apoiamos – isso é muito importante. Somos xingados nas redes sociais, mas aprendemos muito com nosso ato de coragem de sermos quem somos, sabe? Ser diferente é difícil na nossa sociedade... mas vale a pena ser você...

- Então você teria um recado para aquelas pessoas que vivem os momentos infelizes que você viveu por não assumirem sua condição, por não quererem ser o que são de fato?

- Sim, sim: olha, pessoal, eu sei que não é fácil. Ser perfeito, bonito e feliz 24 horas é a ordem do dia. A sociedade não sabe lidar com o que diverge do que se considera “normal” – e o que é normal? Normal é ser popular, ser sempre bem humorado online, ser forte e intocável no dia a dia... Isso é o que exigem de todos nós. Mas você, que vive sua vida de personagem de filme e novela, com certeza sente que tem alguma coisa errada... e é porque tem... Tem um provérbio chinês, sabe, que diz que ver uma bailarina é a coisa mais linda que existe – mas ela treina, treina pra conseguir encantar a todos – porém ninguém consegue viver 24 horas nas pontas dos pés, ninguém consegue andar o dia todo com um salto alto... Não é humano! Simplesmente não é! Então, a mesma coisa com pessoas como eu: você não é uma foto de perfil, você não é um dos amigos do Friends ou dos deseperados do ThE Walkind Dead... Você é um ser humano, cara! Não tem script pra tua vida, não tem ângulo certo pra cÂmera existencial da vida que te filma todo tempo! Você é um ser humano! Um homem ou uma mulher (ou homem-mulher, etc) de verdade! Então, tenha força, vença suas barreiras, vença os obstáculos – sai do armário! Be happy!


Agradecemos ao Francysgleusson pela entrevista e por compartilhar sua história de superação ao assumir a falibilidade e incompletude essencialmente humanas. Lembrando que dentro de duas semanas, acontece na cidade a primeira Parada do Orgulho Humano. Várias celebridades assumidamente humanas, como o Dalai Lama, Leonardo Boff e Nietzsche, confirmaram presença. Espera-se que o evento reúna número maior de participantes, blá blá blá blá blá...