quarta-feira, 9 de junho de 2010

Lady Gaga

“Gosto não se discute” em geral quer dizer “gosto do que gosto e tenho preguiça de explicar porquê” ou “considero meu gosto superior ao seu, mas como não sei como argumentar nem a favor de mim mesmo nem contra o seu, vou ficar calado fingindo que o respeito”.

Não: gosto se discute sim: mas também não toda hora, e não com todo mundo... Mas isso é uma tergiversação para falar de...?

Lady Gaga.



Talvez atualmente a palavra ou a imagem que mais se veja nesse planeta que pulsa como um coração de conexões infinitas e a cada dia mais rápidas é o nome dela. Para informações chatas e repetitivas sobre Gaga, vide Wikipedia, que tem ótimos artigos sobre – quem lê inglês vai ter uma idéia melhor. Para impressões e emoções gerais (que vão desde o desprezo, passando pelo riso bem humorado até a veneração), vide Telephone, Just Dance, Poker Face, Bad Romance e mais recentemente, há pouco mais de 24 horas, Alejandro.



Este último é o vídeo: é controversamente intrigante, e discutivelmente o melhor de Gaga. Não é um clipe alegre mas é um clipe gay. Extremement gay. Na verdade é um hino visual à homossexualidade. Não sei quem na Folha diz que se trata de um Ctr C Ctr V desmedido de alusões e referências históricas e pop – e é. Mas não tão aleatórias assim. Talvez o jeito gagaísta de fazer as coisas consista mesmo em conectar pérolas meio disformes pra fazer um colar doido que só ela e mais alguns corajosos usariam – mais c’est bon, c’est super, c’est extraordinaire.

A música lá não é grandes coisas, mas o forte do clipe é a ousadia em mostrar a imagem do homem homossexual de forma clara, artística, obviamente sensual e legitimamente ela mesma, sem máscaras ou atenuações - como os casais heterossexuais dos clipes da Madonna. O sexo homossexual também aparece... A religião, a guerra, a eterna sátira ao nazismo...

Nos caminhos do feminismo, temos uma Lady Gaga que apresenta o amor e o sexo gay na tela, na lata; o vídeo grita que não basta saber e “tolerar” que isso existe por trás das câmeras ou da lei ou dos bons costumes ou de maneira contida em papéis coadjuvantes e determinados pelo bom tom das novelas e dos filmes de Hollywood ou da Europa: Gaga dá um VOILÀ, sem medo, sem hesitações ao que é gay.

Estereótipos detectator tabajara funcionando? Talvez. Mas o positivo da coisa é tão mais efetivo que dá pra deixar de lado os furos da idéia.

Desconforto? Também – mas quem disse que as melhores coisas produzidas nesse século repetitivo (onde mais do que nunca a criação artística só vive de releituras) não causam desconforto – seja ele espiritual, estético ou meramente visual? Lady Gaga fala de morte, de sexo, de farras e de vez em quando de sentimentos – profundos? Non. Profundidade não é o forte dela – a princípio... Mas mexendo tanto, arranhando o que existe de superficial, de casca na nossa maneira ainda incrivelmente meio cheia de bom senso e de modelos e de amarras, ela aos poucos vai cutucando mais no fundo até que o incômodo passa do trivial até o político ou o social... Porque tudo começa com a representação – há quem diga que tudo é imagem... Uma imagem de liberdade vista mais de 5 milhões de vezes em um dia talvez logo logo vire verdade.

Just dance.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

House


Os olhos azuis, a eterna barba, a falta de sorriso. Não seria bem isso que chamaria a atenção de tanta gente. Um médico cínico, frio, egoísta e narcisista... também não. E então?

Gregory House é a figura do soilitário - o fato de ser dotado de uma sensibilidade quase sobrenatural para a detecção de doenças e para o raciocínio em relação às mesmas o transforma no CDF crescido com problemas de realação, o que quase que automaticamente força a nossa piedade. Solitário porquê? Porque hiperbolicamente House é cada um de nós: o umbigo é o centro do universo; a diferença é que as horas e os dias que gastamos em demonstrar o contrário House diminui para alguns minutos por dia.

A série prima por transmitir o ar frio, frenético e "inteligente" da maioria dos seriados americanos. Claro que a noção de frio e sobretudo de inteligente dos americanos é fluida e mereceria ser discutida. Os diálogos rápidos exigem diligência do espectador, o vocabulário médico nos hipnotiza, como se observássemos bruxos falando de asas de morcego e unhas de gambá preto... Cada paciente é uma esfinge, que têm seus mistérios decifrados por House depois de um longo caminho de erros e atropelos, cuja extensão termina quase sempre numa iluminação à la Buda que sempre nos faz admirar mais ainda o dr. cínico.

Traição, homossexualidade, amizade, amor,solidão, morte, ciúme, egoísmo - temas que se apresentam na série a toda hora de uma maneira objetiva, direta, "inteligente" e inteligente, e por vezes dura; a maestria de um homem manco que domina meia dúzia de outras pessoas inteligentes e periclitantemente humanas; situações limite com dramas e pseudo-dramas muito bem dosados para induzir o paciente-espectador ao vício... Eis House.



Depois de Arquivo-X e Futurama, voilà o meu novo vício.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Uma carta - trecho

(Ainda no espírito pascalino (rs), dou uma barra de chocolate pra quem adivinhar o destinatário)

(...)

Olha, se sentisses o que eu sinto... serias eu. Quando sinto o que sentias ao dizer o que disseste, eu sou tu. Um fio do hausto que foi de ti pode ser meu nesse instante e eu não sei. Pelo que eu não sei eu choro... Mas as certezas tampouco me fazem sorrir: prefiro o sentir da dor de abrir caminhos em meio às pedras com as próprias mãos e pés. Me dá a tua mão: as manchas de sangue e terra sobre as linhas da vida se reconheceriam úmidas, e nós, casal insólito, seguiríamos, ardendo.

Que eu pareça entender mais o de dentro das tuas baratas do que o meu interior não me inquieta nem desloca. Isso tem gosto de renúncia, e na verdade é... Ou se tem o mundo ou se tem o eu. A renúncia da renúncia é ir além, não querer nenhum dos dois, é não querer. E eu não quero nem um nem outro... mas é que sem querer já tenho! Só não sei qual...

Quando eu era pequeno, Ângela, eu falava com as formigas. Me ajoelhava no chão bem perto delas e escutava. E elas diziam mais ou menos isso: um cheiro. Mas tão fraco e intrigante que eu queria mais, tonto. Minha grandeza de gente não deixava no entanto eu entrar no seu mundo e disso vem uma das minhas maiores dores: não participar de suas festas nem de suas coisas.

Hoje eu já cresci e não tento mais o trato com esses insetos arrogantes e herméticos. Ainda tento com as pessoas, como tu morreste a tentar. Mas quem sabe talvez um dia eu cresça de novo e...

O cheiro das tuas palavras me ordena como o de uma formiga à outra. Não sei o que, mas me ordena. Tanto é que às vezes choro e às vezes rio dizendo sim, e às vezes não ao mesmo tempo. Às vezes não consigo dormir com teu perfume rodando a minha cabeça – e outras vezes fico sonhando acordado. Só quando o vento sopra forte e bate a janela é que paro pra pensar e classificar se dormi ou acordei. É difícil. E desisto. Fico desse jeito então, como estou sendo agora, assim:

Sinto-me irmão teu nesse mundo de Babel porque falamos a mesma língua: língua solta, língua doida, poliglota. Tu, eu e outros perdidos freqüentamos a mesma fina sintonia de comunidade anônima: não no jeito torto de andar, ou de rezar, ou de querer – mas no de sentir. Na rua cheia nos sentimos sem nos vermos, uma coisa magnética e tácita como a terra sob os pés. Não nos saudamos para não nos revelarmos, por que não queremos essa liberdade; o que nós queremos ainda não tem nome, e enquanto à nossa língua não vier a palavra certa, fiquemos em silêncio e passemos apercebidos. O silêncio é nosso ósculo. No silêncio nosso revelamos onde estivemos de noite, nus, contigo, subindo o monte em delírio e... psiu!

Como tu, Ângela, eu sou cheio de segredos. Olha um: quando Ulisses te atacou, fui eu. Eu que rosnei, eu que te mordi. Pra saber até que ponto ia teu amor. Olha outro: a chama que te ardeu de noite, era eu ardendo. Atentado a favor da tua vida... e tuas células loucas pelo teu fim... adivinhou?

Estás vendo, é teu perfume me enlouquecendo, fã ensandecido...

Não tenho medo da minha loucura desde que me habituei à tua. Eras conscientemente louca, eu sei, assim como ainda conscientemente sei e sou da minha inconsciência anormal. É que a gente inventa. Tem que inventar... 



Viajo no teu mundo inventado e vivo em férias diárias que tiro do meu cotidiano. Em tuas cidades de interior vou descendo as ruas rindo como cavalo em relincho ao som de flautas, um pouco de Bach, Debussy e de outras coisas novas que nem imaginarias...  Ah, se ouvisses e visses o mundo de hoje, talvez enlouquecesses de vez, aí sim sem saber, como nós...

Teus mundos e cidades não são nossa fuga porém. O mundo é que é uma fuga – e eu sei lá de quê!

(...)