Dentre
as milhares de coisas novas que surgem com a internet, algumas certamente são melhores
candidatas do que outras a nos acordar no meio da noite, suando pencas, olho
regalado e gritando “Nãaaaaao!!!”. Uma dessas entidades exóticas são os “vídeos
de reação a alguém ou a alguma coisa” que pululam no youtube.
O
que leva um ser humano a registrar em vídeo a própria reação diante de alguma
música ou show ou whatever, e postar isso online pro mundo todo?
Narcisismo
é uma das primeiras respostas, assim como falta do que fazer; apesar de
limitantes e limitadas, parece que, até certo ponto, tais repostas procedem.
Presumir que há interesse pela própria reação diante de algo, nos dá mesmo o
direito de pensar em uma supervalorização de si mesmo. Vide os próprios vídeos:
há, nos gestos e nas palavras, um clima subentendido de que a opinião do autor
do vídeo importa muito, a ponto de sua percepção sobre algo ter uma grande
chance de ser capaz de modificar a percepção de outras pessoas sobre esse algo.
Gravemos essa conclusão para já já.
Porém,
a questão mesmo talvez devesse ser: o que leva uma pessoa a assistir as caras,
bocas, risos, palavrões de um desconhecido ou de uma subcelebridade diante de
um outro vídeo?
Antes
de soltarmos com tanta facilidade a palavra “idiotice”, pensemos mais alto,
pensemos na complexidade da realidade, pensemos com amor no outro e em suas
motivações. Afinal, é fácil demais carimbar como estúpido ou inútil algo
que não entendemos, ou, principalmente, que não temos tempos pra entender.
Lembremos
de Amélie Poulain. Sim, aquela do fabuloso destino, do romantismo pós-moderno,
das mãos nos sacos de grãos e… do cinema lotado aonde ela vai… para quê? Para
asssitir as reações das pessoas ao filme! Pois muito bem, parece que essa
atividade não é tão sem sentido assim, né?
Ninguém
aqui vai escrever textões sobre a natureza humana, sobre o instinto de manada,
sobre a volatilidade extremas de opiniões e ideias no mundo online, nem sobre a
ansiedade gerada pela falta de conexão que, paradoxalmente, surge da
hiperconexão promovida pelas redes sociais… Aliás, temos que falar de conexão
sim para entender a natureza cósmico-quântica desses vídeos aparentemente
apenas fúteis: conexão afetiva e legitimação estética, é disso que pode se
tratar a coisa toda.
Os
reagentes de vídeos, em sua natureza, não seguem um padrão fixo – não são nem
sempre de países ricos ou hegemônicos, nem de ume certa cor de pele nem de
condições sócio-econômicas estritamente definidas. Porém, no contexto
brasileiro, parece que há uma certa preferência por Europa e EUA: pelos “gringos”,
que, por motivos que não vamos discutir agora, não incluem asiáticos nem
africanos… Duvido muito que alguém, na tradição de “vídeos de reação”, vá
buscar no youtube por “reações de uma congolense a Pabllo Vittar”, ou “dona de
casa afegã reage a Anitta”… Não que não seja possível, mas se acontecesse,
quase que certamente seria porque a dona de casa era desdentada ou usava burca
e levava uma queda, ou porque a jovem congolense é extremamente exótica – ou seja,
não seria a reação em si dessas figuras que gerariam visualizações, mas
aspectos outros.
Ao
se pesquisar por vídeos de “gringos reagentes”, o desejo é saber o que essas
pessoas (mais ricas, mais bonitas, talvez mais inteligentes, falantes da língua
dos ídolos pop vendidos e baixados aqui) pensam daquilo que nós (mais pobres,
que falamos português e moramos nesse país de merda) achamos bom, massa e legal. Considerando que a idade das
pessoas que gravam e veem os vídeos de reação a alguma coisa não deve passar
dos trinta e pouco, dá pra pensar sim em algo como “Ah, se aquela galera gosta,
então deve ser bom mesmo” – e, pronto, o vídeo sobre o qual se tinha uma
opinião dúbia, ganha o selo de aprovação do desconhecido que sorriu em inglês
fazendo sinal de legal com o polegar.
Mas
há outra faceta aí, e essa mais simples e evidente: a vibe voyeur que virou epidemia all around the world. Embora o
Big Brother nos tenha iniciado no questionamento e na compreensão do tamanho
desse desejo de ver a intimidade alheia que todos nós temos, ninguém esperava
que vídeos mostrando o gato alheio miando, os filhos alheios indo ao parque,
jovens dançando na boate etc (não citemos as coisas mais esdrúxulas e mórbidas,
como pessoas defecando em supermercados e adolescentes se matando ao vivo), se
tornariam uma doença incomodamente curiosa e incrível. Nesse sentido, as caras
e bocas de uma youtuber holandesa ou de um jovem espinhento americano se tornam
compreensíveis: é mais um ser humano sedento por contato humano mostrando sua
intimidade diante das caras anônimas espalhadas pelo globo.
Ou
seja, não é só idiotice: é vontade de ver suas próprias emoções no rosto de um
desconhecido, é não se sentir sozinho no seu gostar ou desgostar – Amélie Poulain
total. É também ter – ou fingir ter - tempo sobrando, e ainda, precisar que um
desconhecido, por ele ser europeu ou americano, ou branco, ou inteligente, ou
legal, ou modinha, legitime suas ideias e opiniões com caretas, palavrões ou
expressões de apoio ou fofura.
E
pra terminar sem realmente terminar: seriam os youtubers reagentes a nova
crítica não necessariamente especializada? A crítica escrita, aquela com
argumentos e reflexões longas e, não raramente, chaaaaatas, estaria sendo
substituída pelos simples, simpáticos, impressionistas e fofos “ vídeos de
reação”?
Pra
terminar mesmo: será que alguém já gravou um vídeo de reação a blogs antiquados
de textos longos, densos e confusos? O próprio autor gravar vale?
The
end.
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