sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Das conexões

Há dias que tava querendo escrever um post com esse título, Das Conexões. Eu gosto muito de títulos. Títulos na verdade funcionam como chaves de interpretação muitas vezes. Mas também quantas outras idiotamente se deixa de ter grandes prazeres e descobertas por causa de títulos mal interpretados ou pré-julgados: Misto-quente, por exemplo, do Bukowsky, é perfeito, nojetamente perfeito, e levei meses pra me dignar a tocá-lo. "Jorge Luis Borges, o escritor argentino", por exemplo, é outro título, cuja segunda parte, "o argentino", me impediu de lê-lo durante anos... pra no final descobrir nele pedaços inteiros da minha alma... enfim.

Das Conexões eu gosto porque "das" é o intrigante artigo definido neutro em alemão (um dia vou falar alemão, je jure), e "conexões", com o seu X com som de ks tem uma sonoridade ótima. Além do que, mais do que a etiqueta, o conteúdo que se supõe vir disso parece ser interessante, ainda mais na nossa época, a época das conexões.

Mas que conexões? 

A primeira em que eu penso é a anterior a todas (eu gosto de drama mesmo, de profondeur): aquela que se estabelece numa arquitetura semi-mágica, feita de água, carbono, hidrogênio... é o quê? Aquela que se realiza silenciosamente e de maneira tão natural que chega a dar arrepios: a da mãe e do filho no útero. Na verdade, se se pensa bem, é uma conexão que surge de uma separação vital: onde havia um ser humano e um conjunto de elementos quentes e vermelhos e escuros surge simplesmente um outro ser que pode vir a ser um ser humano: isso é a coisa mais parecida com mágica que existe. Pois bem, essa é a primeira conexão, aquela sem a qual nenhum ser humano até agora pôde passar a existir.

Em seguida uma série de outras ligações e junções também passam a se realizar: entre as células do corpo, e sobretudo entre os neurônios... e com os pais, e com os irmãos. Atualmente, na nossa sociedade meio fútil e sem destino, as crianças começam a se conectar virtualmente aos três, quatro anos (faço estimativas). E a partir dessa estreia virtual, um mundo de coisas acontece.

(...)

Um homem não é uma ilha. Não, acho que ele é mais é um planeta, com toda a sua geografia e suas camadas e as civilizações que o habitam, o modificam e o embelezam ou destroem. Alguns planetas desses se tocam, outros se esbarram, outros dançam ao redor de uma estrela comum por muito tempo ou pra sempre, ou até que a estrela morra de tanto brilhar... Uns são gigantes gasosos e outros são rochas frias ou quentes demais. Uns abrigam uma vida abundante enquanto outros eliminam qualquer possibilidade disso...

Adoro metáforas... mas seres humanos não são planetas também. São animais. E animais querem coisas segundo seu modo de funcionar. Animais querem viver. Na nossa espécie se conectar aos outros é vital para isso. O que não impede no entanto de desenvolvermos várias disfunções no processo de conexão. Alguns por gostarem mais de fazer downloads do que uploads se veem meio insatisfeitos; enquanto outros de tanto upload que fazem se pegam vazios de conteúdo e... metáforas!

Seres humanos não são poços também. Nem caixas, nem computadores, nem coisas. As conexões que estabelecem entre si são tão variadas e complexas que ousar propor uma Teoria Geral das Conexões Humanas é uma das maiores pretensões, e mais inúteis, que se pode ter. Eu queria que se pudesse. Mas como não penso que seja, suponho coisas. Algumas dessas coisas são (retomando metáforas):

- Até hoje não se observou planetas que tenham surgido sozinhos - sempre fizeram parte de uma estrela e sempre compartilham conjuntos de órbitas com outros;

- Computadores solitários (offline) são máquinas de escrever com tela;

- Poços são espaços que nunca estão completamente vazios (aranhas, vermes e outros seres sempres estão presentes, senão, há toujours as bactérias e os fungos microscópicos);

Finalmente, pra terminar essa reflexão meio cifrada (e um tanto desconexa), fazendo um pot-pourri dos elementos metafóricos anteriores: dois poços de solidão conectados pela internet não são tão fundos assim... tudo é questão da qualidade de conexão.

Connected forever.



sábado, 8 de janeiro de 2011

O que o olho não vê...

Eu tenho a leve impressão de que essa frase é uma das mais sábias e ao mesmo tempo mais filosoficamente sofisticadas que existem. Ela é a prova contundente de que os dizeres populares têm sim sua carga de sabedoria.

Um pouco de fenomenologia, de construtivismo, com leves laivos de idealismo. Em meio à burrice generalizada, tanto nos meios científicos como nos religiosos e pop, segundo a qual existe algo chamado Realidade ou Verdade com R e V maiúsculo, esta frase é um lembrete, ou o reconhecimento de um lindo, óbvio mas esquecido detalhe que concerne a cada um de nós enquanto seres humanos: nós somos corpos.

E o kiko? 

Ser um corpo não é grande coisa. Todos os seres deste mundo vivem sua materialidade automaticamente, mesmo sem saber. Mas reconhecer que somos corpos é, ou será, um grande passo para a humanidade. Reconhecer que o conhecimento e portanto a razão humana, com ou sem R maiúsculo, estão obrigatoriamente sujeitas ao que nosso corpo, por meio das formas de interação automáticas sensoriais de diversa base (que chamamos de sentidos) vivencia todos os dias a todo momento, meio que destrói as pretensões totalitárias de possuir a Verdade. E ainda, ao mesmo tempo, nos tira da angústia inútil de querer saber de tudo, de achar que com nossas observações e opiniões abarcamos toda a "essência da realidade"...


Se o que o olho não vê o coração não sente, o cérebro não pensa, o corpo não reage, a memória não guarda - isto é, o que somos e sabemos hoje, nesse exato momento (e falo tanto da minha pessoa individual quanto de cada um dos seres humanos deste planeta e fora dele, e ainda de todos juntos como civilização auto-intoxicada) é resultado do que nos revela nosso corpo, nossa existência corpórea. Que exista uma alma é secundário, já que mesmo esta - ou "isto" - também se encontra dependente da experiência sensorial para cometer pecados ou ser abençoada.

Em outros termos, esse belo ditado quer dizer: "Meu mundo pessoal não é O Mundo; a teia de sentimentos e emoções na qual eu vivo é construída por mim mesmo e por aquelas pessoas ou objetos com os quais interajo de maneira direta e pessoal ou de forma reflexiva, por meio do pensamento. Tais sentimentos são função do que meu corpo experimenta e portanto, minhas emoções, e consequentemente, meus pensamentos, minhas teorias, minhas convicções não têm nada a ver com possuir um conhecimento definitivo sobre qualquer aspecto da Realidade Real, mas sim com o que sei que sei, ou acho que sei ou considero que acho que sei".

Não é legal? 

Eu sei que pra muita gente não é - bombas e fogueiras pra que te quero...

Os cinco se sentidos

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Mais (ou menos) um poema

Moro na beira de um rio
De carros
Que piam
Que rosnam
E gritam
E voam
O dia todo
Pra onde?
Me pergunto,
Me pergunto muito
Na sua poeira
O que fica
Até que canso
E durmo
Um sonho:
Moro ao lado de uma estrada
De águas
Que chiam
E cantam
E correm
Pra quando?
Me inquieto
Me inquieto muito
Nessa correnteza
O que vai...
Até que esqueço
E acordo
Um dia:
Moro na beira de um rio...