quinta-feira, 23 de junho de 2016

Awake - Ainda sobre sonhos

O embate realidade versus sonho está muito mais presente no nosso refletir do dia a dia do que pensamos. Se, por realidade, temos esse conjunto de atividades mentais e físicas que englobam desde tirar a primeira remela do olho, passando por lavar um prato, pagar uma conta, executar uma tarefa repetitiva e soltar um peido antes de dormir; e por sonho tudo aquilo que de alguma forma não seja tudo isso, ao pensarmos só um pouquinho, podemos ver que a coisa é um pouco mais complicada que isso. Quase sempre é.

Já disse em algum outro texto meu nesse blog que pensar muito nesse tipo de coisa pode levar a um estado de loop filosófico infinito e improdutivo que chamamos de loucura. O que mais uma vez me levou a esse tema, foi a descoberta de um seriado interessantíssimo chamado Awake, que pode ser encontrado no Netflix. Um detetive, depois de um acidente de carro em que estavam sua esposa e seu filho, toda vez que dorme, acorda numa outra realidade em que quem morreu foi sua esposa; e quando dorme nessa realidade, quem morreu foi seu filho. Ou seja, uma realidade é o sonho da outra.
Isso por si só é uma grande sacada do autor – a série tem seus defeitos: a parte filosófica ou reflexiva da condição desse detetive pai de família é muito pouco explorada... mas talvez por isso mesmo a série não fique chata, como estou ficando agora.


A questão é: pelo fato de viver uma realidade paralela em seu sonho (ou um sonho realista em sua realidade...), com direito a leis da física invioladas e pessoas e fatos correspondendo ao que pode ser considerado real, o detetive simplesmente não pode afirmar qual dos dois mundo entre os quais transita é real. A vertigem na cabeça de quem assiste é óbvia, e as investigações, os sustos e as aventuras em cada episódio conquistam e instigam: “se fosse eu...”. A crueldade das circunstâncias também inspiram e fazem sonhar: viver numa vida com a esposa que na outra realidade morreu; viver na outra vida com o filho que numa existência não existe mais... quem não queria uma chance dessa, por mais que isso pareça loucura – loucura mesmo, desequilíbrio mental no estilo “pega o doido!”.


Humberto Maturana diz que não existe prova absoluta que apoie a existência de uma realidade em detrimento de outras – mesmo o sonho ou as fantasias de um esquizofrênico, ou os delírios de uma pessoa febril ou drogada, só são classificadas como "loucura" por referência a outro estado, o qual convencionamos chamar de “realidade”. Fora dessa referência estatística (sim, pois lembremos que já vivemos, pois a maioria acreditava nisso, numa Terra plana habitadas por demônios... Aliás, estes ainda vivem por aí, segundo número considerável de pessoas....), que também é cíclica, não se pode afirmar nada de nariz empinado, arrogantemente como donos da verdade. Isto é, ninguém tem acesso privilegiado a uma realidade absoluta.

Então quer dizer agora vamos todos sair sambando por aí vestidos de bailarina, peruca rosa na cabeça, gritando e sendo feliz como se não houvesse amanhã? A não ser que estejamos no carnaval de 2016 (em que uma certa pessoa realmente fez isso), não, não é o caso. O objetivo de filmes como Matrix e Abre los ojos (Vanilla Sky em Hollywood), ou de seriados como Awake, não é convencer as pessoas de que não existe nada, e que o mundo é um caos sem sentido e podemos fazer tudo o que quisermos (no mau sentido). Imagino que a ideia é meio que gritar: olha, se o mundo em que vivemos agora é uma bosta, deve ser porque ele não foi dado ou imposto por ninguém – se não existe Verdade ou Realidade com maiúscula, existem aquealas com minúscula, e estas são perfeitamente questionáveis, flexíveis, recriáveis e infinitamente cheias de possibilidades. E bote aí nesse saco de coisas questionáveis todas as pragas e mazelas atuais: o machismo, a destruição do meio ambiente, os vários tipos de intolerância, a ganância desenfreada do capitalismo, a violência absurda etc. As coisas não são pra ser assim – as coisas ESTÃO SENDO assim. A realidade é fruto das nossas ações em conjunto, desde o senhor que colhe material reciclável em sua carroça, até o executivo que quando está de mau humor causa a bancarrota de países periféricos da África ou da Ásia... #myOpinion

Essa verborragia acima são exemplos de reflexões que podem surgir depois de assistir a episódios de um seriado bem escrito, bem concebido, e quase tão bem executado – mas idiotamente cancelado por “ser complexo demais para o público americano” - como Awake. Whatever.


Esse é outro: “série massa. Vale à pena”.

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