Cães e gatos sempre estão mais ou
menos em evidência. No facebook da vida, a coisa que você mais vê são pessoas
mais sensíveis às agruras da existência animal mamífera não-humana e não-selvagem,
divulgando seus sentimentos, muitas vezes nobres, em relação a esses seres. O
drama e a legitimidade de cada manifestação virtual variam, assim como varia o
grau de simpatia que tais manifestações vêm causar.
A questão é: animais não-humanos
devem ser tratados como humanos?
Depende de como se veem esses
seres.
Primeiro, porque eles deveriam se
tratados como humanos?
1 –Eles existem – sim, existem,
estão aí, e como seres inevitavelmente irmanados ao Homo sapiens sapiens (pois
todos decendemos da mesma célula inical, bilhões de anos atrás), tÊm direito à
vida;
2 – Eles sentem (e talvez seja o
mais importante). Só quem nunca “teve” ou educou um cachorro ou um gato ousará
dizer que eles não têm “alma”, que eles não se angustiam, não se alegram, não
fingem, não têm medo nem orgulho. À parte às projeções e antromorfizações (que
tambéme existem, inclusive de seres humanos para seres humanos), até o ano de 2004, Ludwig van
Beethoven Caninus Araújo Bezerra era um membro da família Araújo
Bezerra, da qual eu também faço parte, e não há como
rebaixá-lo ao status de urso de pelúcia animado ou coisa do tipo.
3 – Nós somos responsáveis por
eles – e aqui falo em primeiro lugar dos animais domésticos ou domesticáveis, e
em segundo, dos selvagens. Os primeiros, por razões óbvias, dependem de nós e
devemos ou deveríamos nos sentir obrigados a cuidar deles da melhor maneira
possível. Os segundos, nós, como – aparentemente – espécie “dominante” (juro
que poria muitas aspas nessa expressão...), por possuirmos capacidades ("conscientes"...) como
previsão, planejamento e modificação, deveríamos proteger e conhecer, a fim de
nos integrarmos de forma equilibrada ao resto da fauna do planeta, da qual
somos parte.
Segundo, porque eles não deveriam ser tatados como humanos?
1 – Eles não são humanos. Não vou
dizer que acho que todo ser humano vale mais que um cão ou que um gato – não acredito
nisso. Também não vou dizer que o sofrimento humano é mais digno de atenção do
que o de um golfinho ou de um hamster. Mas vou dizer o seguinte: o doloroso momento
da escolha entre um e outro, entre a vida de um beagle, digamos, e de uma
criança, não pode ser escondido ou mascarado atrás de um imperativo ou lei
divina que afirme que seres humanos são inferiores aos não-humanos – e vice-versa...
2 – Você é um ser humano. A não
ser que em algum laboratório perdido no mundo, um golfinho ou bonobo tenha
aprendido a interagir com humanos por meio da linguagem escrita de uma forma
extraordinariamente efetiva, você, que está lendo isso aqui, pertence à mesma
espécie animal a que pertenço, logo, é de se esperar que compartilhemos o mínimo
de experiências existenciais: choramos, rimos, gozamos, magoamos, de forma muito parecida, mais parecida entre nós do que entre você e um gambá, por exemplo. Por mais que alguns digam preferir bicho a gente
(e não “bicho do que gente”), a ideia de que se entende a mente de um animal como se fosse
o próprio, tem mais a ver com uma sensibilidade emocional privilegiada do que com uma “realidade
objetiva” de como o mundo funciona. Que uma pessoa tenha traumas com seres
humanos é algo perfeitamente compreensível e normal. E que essa pessoa projete em
um periquito ou tartaruga esperanças de cura e amor incondicional, também é
compreensível. Cães realmente amam pessoas, eles olham nos seus olhos e sabem,
eles veem – isso é indescritível. Mas seres humanos também fazem isso! Gatos
não amarram bombas na cintura nem queimam outros gatos em fogueiras; tartarugas
não arrancam orelhas umas das outras (e nem é porque elas não tem
orelhas...)... Mas golfinhos não arrecadam alimentos para ajudar pessoas em
região de guerra (nota: talvez eles o façam, são animais talvez tão ou mais
inteligente do que os seres humanos – mas eles não podem fazer como nós
fazemos). Cachorros não constroem hospitais para cuidar de crianças com
câncer...
Então, tipo, seres humanos podem
ser legais. Merecem ser tratados, no mínimo, como animais – ou seja, com
respeito e dignidade.
Pra resumir um pouco:
Não vou chamar ninguém de
hipócrita – é uma palavra feia e que deve ser usada só pra quem merece, ou
seja, quem é conscientemente hipócrita. Beagles presos em laboratórios para testes científicos
de quaisquer tipos não é uma coisa digna de seres humanos inteligentes. Os ativistas
que os liberaram merecem aplausos. Havia dor ali onde esses seres eram
mantidos, e dor gratuita, onde quer que ela ocorra, não deve ser admitida se se
pode e se deve evitá-la.
Porém, aqui vem meu reflexivo e
humilde MAS: uma pessoa que derrama lágrimas por um gato, que vocifera e briga
pelos direitos dos animais não-humanos, mas que não demonstra o mesmo grau de
sensibilidade diante de um hospital lotado ou de uma pessoa doente, ou de um
desconhecido chorando inconsolado na rua... Essa pessoa merece certos momentos
de reflexão da nossa parte. Porque é mais fácil invadir um laboratório e
libertar cães do que reagir, de alguma forma, ao sofrimento humano que todos os
dias se vê na televisão?...
Não estou dizendo que as duas “lutas”
se opõem – o mais normal é que a mesma pessoa que cuida de animais cuide também
de humanos... Mas isso nem sempre é verdade. É no mínimo desconcertante
assistir ao martírio de uma pessoa que defende animais não-humanos e que
demonstra impiedade com seus colegas de trabalho, amigos e parentes...
Pra finalizar mesmo: animais são
como seres humanos: são seres vivos que têm necessidades fisiológicas,
emocionais e psicológicas como nós, embora não da mesma forma nem da mesma
natureza. Mas um cachorro não é uma criança, e um adolescente em “situação de
risco” não é um rato, nem um poodle. Dogmatismos só fazem mal, só atrapalham as
discussões, em qualquer área. Salvar cães, gatos, ratos, coelhos é algo nobre
e que não deve parar. As reticências quanto a vacas, galinhas e bodes deveriam
ser repensadas e discutidas (amor e respeito seletivo também é algo comum a
animais humanos e não-humanos...). Amar aos animais sem amar ao próximo... Isso
é possível? Isso é humano? (sem violinos, por favor)
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