Não, apesar do título, esse não é
um mais um post em que solto aquelas críticas ácidas contra a humanidade que se
ilude achando que podemos viver felizes para sempre enquanto que exterminamos
plantas e animais, e poluímos terra, ar e água como loucos de pedra que saem
defecando pela casa toda, sorridentemente.
Também não vou falar de doença. No
senso comum, falar de bactéria é falar de doença. Falar de bactéria é falar de
sujeira, e, portanto, de desinfetante ou de antibiótico.
Queria falar de quem somos e de
quem achamos que somos.
Desde criança a gente se acostuma
a pensar que cada um de nós é uma espécie de exemplar maravilhoso de uma
espécie animal evoluída e superior a todas as outras: quem nunca ouviu em um
documentário qualquer, cientistas se referirem a seres humanos como o produto
de uma evolução contínua que começou com vermes nadando no oceano, passando por
lagartos e macacos, e hominídeos obtusos
e feiosos? É uma visão atraente pra muita gente: parece que esse é um dos
poucos pontos em que religiosos e cientistas fundamentalistas concordam
pacificamente: nós mandamos, we run the world, nós somos o suprassumo da natureza ou da criação...
Pra quem acredita (e no fundo, no
fundo, pra quem não acredita tb...), Darwin foi um dos que baixaram a nossa
bola. Antes dele, claro, houve Copérnico. Não éramos nem mais o centro do
universo e nem o da natureza. Muitos põem na lista aquele senhor chamado Freud –
mas como foi ele mesmo que tomou o lugar pra si, vou deixá-lo nadando em seu
narcisismo e pular mais pra frente: pras nossas amigas bactérias.
É isso mesmo: amigas. Há muito tempo vc deve saber que
dentro da sua barriga existe algo chamado flora intestinal. Deve saber que se
essa flora for perturbada – durante uma infecção intestinal, por exemplo – as coisas
desandam e ficam odorífica e dolorosamente desagradáveis... E apesar de “flora”
nos fazer pensar em flores e borboletas coloridas voando dentro da nossa
barriga, a verdade é que se tratam mesmo é de bactérias – esses bichinhos
minúsculos que, simplesmente, estão por toda parte... e não há bactericida
capaz de eliminá-las.
E quando digo em toda parte, é em
todo canto mesmo: no ar, na terra, nos mares, no fogo... e não é só poesia:
existem bactérias que vivem na estratosfera; existem outras que habitam no
solo, responsáveis pela sua fertilização; e tem até bactéria no fundo do mar,
no fundo mesmo, onde a luz do sol nunca chega, onde tudo é um breu eterno... e
onde quem sustenta a vida de todos os outros animais são exatamente as
bactérias.
“Sim, ok. Então o planeta é um lugar
sujo e cheio de bactérias. Nós, seres humanos só evoluímos porque nos tornamos
limpinhos...”. Não.
Há pesquisas mostrando que, na
verdade, na verdade, as bactérias, pra todo lugar que se olhe, em toda espécie
animal e vegetal que se considere, estão lá, lindas – não causando doenças e
atrapalhando a vida – mas justamente o contrário, ajudando-a a se sustentar...
Aliás, o correto nem é dizer “ajudar”, mas sustentar
– sim, sem bactéria, não ha vida.
Cálculos simplórios dizem que a
massa de bactérias no mundo (na solo, nas cidades, nas plantas, no ar) é da
ordem de toneladas e toneladas. Se contarmos os oceanos, que cobrem 70% da
superfície da Terra, a infinitude de toneladas se multiplica pra números que
não podemos conceber...
Mas e daí? Ok, mesmo supondo que
nascer, viver e morrer num mundo de bactérias não signifique nada pra vc
(afinal de contas, o que o olho não vê, o coração não sente...), ainda tem a
outra parte d ahistória – e voltemos às flores e borboletas da flora
intestinal:
Descobriu-se, mais recentemente,
que o número de bactérias no corpo humano passa dos bilhões, sendo que há quem
diga que chega aos trilhões. Só pra ficar claro: isso é muito mais, umas dez
vezes mais, do que o número de células do corpo. É mais ou menos assim: existe
mais DNA de bactéria no seu corpo do que DNA humano. Não é legal? Aí vc pensa
(espero que não pense, na verdade): “djabeh isso? Vou ter que tomar um coquetel
de todos os antibióticos existentes pra matar tudo isso que me devora por
dentro?” A resposta negativa é óbvia, mas não apenas pela flora intestinal –
mas por causa do corpo todo...
Ainda não se sabe direito como,
mas TODAS as bactérias presentes no corpo humano estão lá porque são
necessárias: na boca, na pele, no estômago, no sangue, no cérebro... Cada uma
tem uma função, e estão lá desde que nos entendemos por coisas vivas. Elas
estão dentro até das nossas células: as mitocôndrias, que são, digamos, a
central de energia de cada uma das bilhões de células do nosso corpo, se
originam de bactérias, que, num passado remotíssimo, foram aprisionadas dentro
das células... tanto é que têm DNA próprio...
Mas ainda tem gente que vai
dizer: “E daí?”
E daí que por causa da
importância do papel desse verdadeiro ecossistema dentro de cada um de nós,
tem-se perguntado até que ponto as bactérias são responsáveis pelo que
sentimos, e, portanto, pelo que somos... Certamente, vc já ouviu falar que “vc
é aquilo que come” (na minha opinião, isso é um insulto pra quem come McDonalds
lambendo os beiços... mas enfim). Também deve ter ouvido falar que isso faz
todo o sentido: o excesso e/ou a ausência de certas vitaminas, sais minerias e
outros elementos no organismo pode causar alterações de humor e, a longo prazo,
de personalidade: alegria demais, depressão, irritação ou bem estar – ou seja,
o que vc é depende MESMO do que vc come. Pois bem, descobriram-se algumas
coisas mais:
Primeiro: que as bactérias da
nossa colorida flora intestinal são diferentes em diferentes tipos de pessoas.
E são diferentes de forma parecida como os tipos sanguíneos são diferentes. E essas
diferenças dizem respeito à forma como o corpo digere e absorve os nutrientes
da comida que comemos: estaria aí uma explicação de porque algumas pessoas comemo que querem e não engordam nunca; e porque outras pessoas têm que se torturar
pra não engordar. Também estaria aí a explicação de porque algumas pessoas
vivem tendo problema de intestino, ou problemas de pele, ou de sangue, etc.
Parece exagero, mas de certa forma, tudo tem a ver com esse segundo EU que vive
dentro de cada um de nós: bactérias...
Segundo: já se sabia que, depois
do cérebro, a região do estômago e dos intestinos é a que mais libera
neurotransmissores e hormônios na corrente sanguínea... Não é à toa que algumas
emoções estão relacionadas à barriga – simplesmente não é só o cérebro quem
manda no que vc sente, o intestino também!
E aí vem a parte de ficção
científica: e nosso intestino tá cheio de quê? Isso: de bactérias. E adivinha o
que se têm descoberto? Que elas também liberam neurotransmissores, ou seja:
elas sabem falar a língua dos neurônios e das outras células do corpo. Uau, né?
Só pra não me alongar mais – e pra
que é que serve isso tudo? Por que é que uma pessoa que vive para a Linguística,
se interessa por bactérias e sua fantástica ubiquidade?
Primeiro porque sou curioso
mesmo. Depois, pq acho interessante incluir na sequência de figuras que foram trazendo
o ser humano ao seu devido lugar no Universo, Copérnico, Darwin e as bactérias.
Segundo, pq é fascinante pensar
que não somos apenas o que pensamos que somos – que além de sermos essas
pessoas funcionais e senhoras de si no dia-a-dia, somos um universo ambulante
feito de seres que, em geral, desprezamos...
Terceiro: pensar que muitas das
mazelas que nos atingem enquanto seres vivos podem estar relacionadas à nossa
ignorância ou desrespeito ao modo como funcionamos, ou seja, como ambiente para
outros seres vivos, é algo que pode ser considerado, no mínimo, de vital
importância...
E por último, é poético e bonito
nos vermos como miniatura do que o nosso planeta é: a moradia de várias
espécies que, para conservar a vida,
devem viver em equilíbrio e em paz...
Aleluia!
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