De
Camões à Björk, de Clarice a Clara Nunes, muita gente já falou do
mar. Essa massa d’água gigantesca, e para fins de escala
individual humana, infinita, mexe com todos os que com ela se
deparam. Ou se reencontram - pra falar poeticamente; já que
cientistas e a cantora islandesa concordam, e à sua maneira, louvam,
o fato de todos os seres vivos serem descendentes, ou filhos, da
primeira celula que se originou em algum momento, em algum lugar, nos
oceanos (Maturana fala em vários lugares, em vários momentos, mas
whatever, já deu pra entender o sentido místico-científico da
coisa).
Há
pouco mais de um mês, simplesmente redescobri o mar. Não que
tivesse sido uma pessoa que detestasse praia e, do nada, caísse de
amores pelo horizonte à beira-mar Na verdade, sempre adorei água –
dos tempos de criança gritando na piscina e engolindo água salgada
no mar, até esses árduos dias de adulto, sou do tipo que só sai da
água quando os dedos estão enrugados e rudimentos de membranas
entre os dedos estão surgindo...
Não,
a tranformação foi de status: antes mar era pragmaticamente
diversão: um quase acessório a uma barraca de praia cheia de amigos
e regada a refrigerante, cerveja e camarão; e também, era
conceitualmente a materialização dos laivos místicos que nutro a
partir das minhas leituras de budismo: o mar como símbolo da união
de tudo e todos... Pois bem, de um mÊs pra cá, parece que o
conceito se amplificou e meio que se tornou real mesmo. Status: mar é
tudo.
O
sabor da água, o sal diluído das rochas chicoteadas ao longo de bilhões de
anos por água vinda de outros lugares do universo – sal que faz
você flutuar, na melhor versão para pobres de gravidade zero; o
movimento das ondas, o sol, o céu... O quadro todo pintado é de paz,
extrema paz. Eu precisaria ser um poeta dos bons pra descrever a
sensação de estar no mar, de estar sendo massageado pelas mesmas
águas que sobem dos abismos oceânicos, que entram e saem pelas
guelras de bilhões, trilhões de peixes, que embalam as crias de
golfinhos, baleias, polvos, moreias; águas que diluem (e formam) o
sangue, o suor e as lágrimas de alegria e de dor de bilhões de
pessoas ao redor do mundo; água que lambe a terra em ondas e
tsunamis, que arde em lavas de vulcões, que quase esmaga na pressão
seres inimagináveis nas trevas eternas que se escondem a milhares de
quilômetros do plâncton que nada incessante perto da luz do sol...
Ok, não tem como não ter ataques poéticos ao falar do mar – pelo
menos pra mim, e pra alguns outros amigos e desconhecidos com que
tenho compartilhado esses momentos de epifania marinha e êxtase
aquático.
Os
movimentos incessantes que as águas pedem toda hora quando se está
no mar são como uma dança continua, suave, quente. Você descansa,
e luta, e se alegra , se frustra, se afaga e compete consigo mesmo: boiar, nadar, respirar,
engasgar, sorrir, suspirar – é uma sequência de estados e
atitudes que, inevitavelmente, vão formando um mapa na sua cabeça,
que, por sua vez, se transforma numa metáfora pra Vida (violinos,
please): a vida é como o mar. Isso mesmo: é isso que penso quando
estou sob a luz do sol, nadando: a vida é isso: infinita, clara,
generosa, muito possível, porém exigente: você não pode parar ou
se distrair demais, senão a onda que te ajuda num momento, pode te
levar pra baixo num outro; é isso que penso quando nado à noite,
tendo como fonte de luz os refletores da Praia de Iracema: essa é a
vida, assutadora, misteriosa, horizonte escuro, escondendo sabe-se lá
o quê no espaço d’água logo abaixo... Como é possível? O mesmo
mar que tanto alegra durante o dia, que ajuda a bronzear à luz do
sol, à noite, essas mesmas águas, mornas mas agora anoitecidas,
despertam no fundo do seu cérebro medos ancestrais que gritam, e
pior ainda, sussurram, com o barulho da água no ouvido, nas pedras e
no corpo: ameaça, fim, fuga, terror. E a metáfora então prossegue:
mas a Vida também é isso: é ameaça e medo, e exigÊncia do
autocontrole. Mas quem é que te manda ir nadar à noite? Acho que a
resposta é aquele desejo produzido pelo dia, de ir além, de superar
os proprios temores, de aprender a viver com o oculto e o
desconhecido... Até porque é uma doce ilusão achar que só porque
o sol brilha e arde fazendo o dia, temos o controle e sabemos de
tudo...
Tá
vendo como todos os pensamentos vão dar no mar?
Epifanias
e filosofias à parte, nadar faz bem: praticmaente toda a musculatura
é forçada a existir em sua melhor forma, é convocada a ser tudo
que pode ser. Boiar também é uma terapia, das melhores aliás. Fora
que água do mar limpa tudo, unhas ficam ótimas. O humor muda, é
mais fácil permanecer calmo (mesmo quando trrinta alunos decidem,
mesmo que inconscientemente, destruir sua aptidão ao amor e à
paciÊncia...) e você, definitivamente, dorme melhor.
É
uma das melhores descobertas que pude fazer depois dos trinta: mar é
diversão, é esporte, é terapia, é autoconhecimento, é metáfora
construtiva, é paz, mesmo quando a onda esfrega sua cara na areia –
o mar faz tão bem, que mesmo a areia na cara e na sunga acabam
servindo pra ensinar aguma coisa... tipo: antes a cara na areia que
na BR... ou, antes na sunga que em outro lugar.
La
mer, j’adore.
Muito bom! Feliz daquele que vive numa cidade banhada pela brisa dessa epifania marinha...
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