sábado, 25 de dezembro de 2010

Então é Natal

Nunca foi tão fácil criticar o Natal e seus ares hipócritas e distorcidos de paz e amor. Afinal de contas, é uma época de rituais ora patéticos, ora estranhos, ora revoltantes. Por exemplo: com a roupa empapada de suor o pai ou a mãe de família põe no meio de sua sala uma árvore que remete a um continente e a um jeito de ser que não é o seu nem o de seus pais; as crianças, por sua vez, em suas cabecinhas disponíveis fazem uma intersecção da figura divina suprema com a de um personagem inventado por uma companhia cujo maior sucesso é uma água gaseificada suja e preta; pessoas subitamente compassivas lembram-se de que seres humanos precisam de mais ou menos 2000 kcalorias por dia cuja origem não seja um saco de lixo... entre outras coisas esquisitas.

Mas como disse, é fácil criticar o Natal. De qualquer forma, como a moda de hoje é gongar aquele que gonga o gongável (isto é, criticar aquele que crítica o que é essencialmente criticável [é como um reacionismo moderado, um retorno a ideias antiquadas abandonadas pelas últimas gerações. Um jovem de hoje que se força a abandonar ambientes virtuais ou o celular é um exemplo disso]), também irei nessa e sairei em defesa não do Natal, mas pelo menos do que poderia ser o Natal.

A senhora que acabei de ver na televisão poderia não ter precisado ter tido um câncer identificado e em seguida curado para se tornar uma pessoa benevolente e dar comida (“da melhor, daquela que a gente come”, segundo suas próprias palavras, o que nos faz pensar sobre a qualidade das comidas que vêm de corações subitamente compassivos...) às pessoas que dormem na rua. As pessoas poderiam pensar mais no aniversariante da hora - que na verdade nasceu em abril - tentar adivinhar o que ele pensaria em ver seu nome ligado a pessoas e instituições que fazem tudo menos pregar palavras de amor e sabedoria, como ele fez em sua época. Poder-se-ia também, se possível, lembrar que as crianças e os namorados e as mães e os pais gostam daquele abraço e daquele sorriso de Natal durante o ano todo, e não apenas à meia-noite de uma data escolhida por causa de um deus persa (vide Mitra).

Poderia acrescentar a sugestão aos europeus e americanos para substituírem suas árvores de Natal por belos cactos enfeitados de lâmpadas de querosene, cajus, siriguelas e queixadas de boi e de bode? Seria uma bela demonstração de intercâmbio cultural, de... não? Bem...

Pra finalizar, apesar das incongruências, dos paradoxos morais, da superficialidade das encenações que essa época sugere, o Natal parece ser uma coisa mais boa do que ruim. As famílias unidas em torno de uma mesa, os símbolos inventados servindo de lações entre entes que não se falaram direito o ano todo, a troca de presentes com seu quinhão de brincadeiras, do prazer de dar e compartilhar... Que deveria e poderia ser melhor é o que sempre vai ser fonte de eternas críticas. A reflexão sempre acaba revelando aspectos patéticos do que se analisa. 

O Natal como é praticado hoje é patético, mais ainda para nós de debaixo do Equador... Até os doze ou treze anos, era o período do ano que eu mais esperava, embora a diferença de quinze dias em relação ao meu aniversário inspirasse meus pais a me enrolarem com um único presente de duplo valor simbólico, o do meu aniversário e o de Cristo. Perdoável numa criança, mas deplorável em adultos, é que eu só pensava nos presentes – nO presente, no meu triste caso...


Ah! Leiam esse post ao som de Então é Natal, na voz de Simone...  a música mais triste e tenebrosa e insuportável do mundo natalino... argh!



domingo, 19 de dezembro de 2010

WikiLeaks


Fala-se no momento de Wikileaks. Quem não sabe o que é digne-se a dar uma lida na Wikipedia – sem se assustar com a cara de pedinte do fundador. Haha.

Leak é vazamento em inglês e wiki vem da palavra wiki wiki, que em havaiano quer dizer rápido. Pois muito bem, o Vazamento rápido é o Trending Topic do momento, por mais que o Twitter censure e tente explicar a ausência do termo nos tópicos mais comentados do mundo falando de altos e sobrenaturais algoritmos e os cambau. Wikileaks fora do Twitter é mais ou menos como vizinhas fofoqueiras evangélicas ignorando o comportamento sexual da menina solteira que mora sozinha no apartamento de frente.

Minha vontade era tacar de escrever sobre verdade e mentira, sinceridade e cinismo, meio como faria Montaigne. Mas entre o século de Montaigne e este existem vidas inteiras, sendo que as últimas se expõem mais rápida e perigosamente na Rede, então fiquemos com isso:

Eu particularmente simpatizo muito com a sinceridade. Com a verdade também (insisto no v minúsculo, transcendências são de extremo mal-gosto quando fora da literatura). Eu tento viver essas duas coisas – sobretudo ser sincero: sobre o que sinto, o que quero e o inverso também. Paga-se um preço por isso claro. Os lucros têm sido maiores, imagino.

No entanto, qualquer um que tenha vivido em grupo, consciente de que as coisas passam e mudam e que seres humanos são diferentes uns dos outros e que às vezes devem poder confiar numa imutabilidade média das situações mesmo em contextos adversos e tenebrosos (o objetivo é não ser muito claro mesmo)... ou seja, todo ser humano sabe que nem sempre é bom, produtivo e eficaz que todos saibam de tudo da mesma forma ao mesmo tempo. A questão lógica que se segue é “Bom, produtivo e eficaz pra quem?”. Pergunta legítima, cujas respostas serão sempre arbitrárias... e que não explorarei agora. Mas o foco é, se na vida do dia a dia vivemos sob um código sutil e delicado do que deve e não deve ser dito, do que pode ou não pode ser comunicado ao público, seja ele a família ou os amigos ou a empresa, imagine a mesma coisa mas então entre nações, entre grupos que conglomeram interesses e pessoas que podem influenciar a vida de milhões e bilhões de seres humanos e animais?

Não sou advogado do diabo, nem de deus, nem do unicórnio da pureza e da santa melosidade. Mas imagine as situações de destruição e instabilidade a que toda relação humana de qualquer tipo estaria sujeita se tudo devesse ser dito na cara, na lata, de qualquer jeito? Aloka!

É por isso que penso que Wikileaks está mais para um adolescente de 17 anos idealista gritando verdades aloucadamente diante do papai Estados Unidos e de seus amigos prepotentes e cínicos, do que para Jesus Cristo pregando no Monte para sedentos da verdade. Cada um quer a verdade que lhe convém. Só os loucos, artistas, santos e pessoas extremamente legais têm cabeça pra aguentar certas verdades não-legais. Minha metáfora não foi por acaso: adolescentes são pessoas criativas, ativas, cheias de ideias e vontades, pulsam de vida e desejo... e por isso mesmo são irresponsáveis. Aos 30 coram de vergonha ao lembrar do que gritavam com tanta certeza aos 15.

E mais, acredito no amor e que um mundo com pessoas melhores é possível, embora haja um abismo a se transpor até lá. Mas que o caminho seja a sinceridade, a transparência radical completa, no lo creo. Ainda mais quando o que se está em jogo não são apenas interesses escusos de governos ambiciosos e fraudulentos, mas vidas de pessoas que dependem dos peidos e dos arrotos desses mesmos governos.

Um cotoco para Obama e Hillary, que obraram essa perseguição patética e cínica a Julian Assange, porta-voz do Wikileaks. Mas dou-lhe outro ao próprio Julian Assange: vá crescer e não aceite doces milhões de euros de estranhos governos interesseiros, que é o que acontece a crianças loucas e adolescentes a fim de chocar o mundo.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Everybody here getting out of control!

Uma menina doida rodando até cair no chão de tonta no jardim; um evangélico gritando desesperadamente aleluia e glória ao senhor na igreja da periferia; três amigos pulando como pipoca ao som tonitruante de um Techno que vai até o fundo do coração e do cérebro; o cachaceiro da esquina se perdendo em filosofias de bar... o que é que tudo isso tem em comum? Missy Elliott que responda: “everybody here getting out of control”.

Em alguns momentos, em alguns contextos sociais, psicológicos e escandalógicos, viver completamente senhores de si e funcionando como seres humanos corretos, capazes de fazer uma conta matemática ou afetiva de cabeça, de gerir todas as coisas da melhor maneira possível , não é fácil, não é nem agradável... Do polo que arrogantemente (pra não dizer magicamente) chamamos de razão àquele que com careta ou medo chamamos de loucura, parece que temos que de vez em quando transitar, ir de uma lado pro outro, com o risco de, se não fizermos,  morar definitivamente nesse último.

Estou falando de estados alterados de consciência. Supondo-se que a consciência que nos permite fazer as tarefas do dia-a-dia, sermos cri-cris e trabalhadores tous les jours seja o normal, diz-se (de pscinalistas e psiquiatras ao dono do bar da esquina) que todo ser inteligente precisa de por alguns momentos que seja experimentar uma desconexão, uma “lombra”, uma “coisa”... Isso é o estado alterado de consciência. Consegue-se tal “coisa” de várias formas. As mais criativas e destrutivas são, claro, os seres humanos que inventam: cigarro, álcool, maconha, religião, torcida de futebol, etc.  Mas não somos os únicos. Parece que lêmures espalham pelo corpo substâncias que extraem partindo ao meio um certo tipo tóxico de minhoca ao meio pra ficarem meio doidões... Algumas aves e mamíferos comem regularmente folhas e frutos de suas árvores preferidas fermentadas pra depois ficarem como eu ou vc com três copos de cerveja nos coro: legais e mais simpáticos ainda.

Nós adoramos estados alterados de consciência. No fim de semana é quando mais se procura por isso. Na infância certas brincadeiras valem como bebida. Na idade adulta a p****** cria um leque de opções. É claro que algumas pessoas, talvez por não saberem lidar muito bem com certos aspectos problemáticos que a “consciência” traz consigo (problemas no trabalho, no coração [yi!], no corpo...), acabam se viciando na embriaguez dos sentidos que devia vir no máximo apenas algumas vezes por semana ou por mês. As consequências são várias, mas em geral têm a ver com falta de funcionalidade: bêbados, deprimidos, reprovados, eternamente solteiros, ou eternamente mal-acompanhados, etc.

É interessante notar que todos estão no mesmo barco – é o que dizem especialistas do cérebro e do comportamento humano. A religiosa que entra em êxtase à la Santa Tereza falando com o deus cristão não é muito diferente da bixa louca que arrasa no bate-cabelo truando na boate – a nível de experiência sensorial, claro. O que se faz com essa experiência, aí já é de cada um. Por exemplo, a religiosa no dia seguinte pode estar fofocando e maldizendo a vizinha, enquanto que a bixa pode estar cortando cenoura pra sopa dos desabrigados da enchente. Como sempre, há vários caminhos possíveis...



Como não raro acontece, me disperso... Enfim, já dizia a Bíblia, o Dao De Jing, o Bhagavad Gita e o índio Tupã-Açu (esse último é uma suposição... mas e os outros...? esquece!) que tudo em excesso faz mal. Pois muito bem. Vamos enlouquecer de vez em quando (uma pitada de caos, de sal na vida faz bem!), mas comedidamente!


Ah, a propósito, Stromae fala mais ou menos disso nesse clipe: House'Lelujah. Êxtase, religião e balada.


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Ânus 80

Algumas palavras de um leigo sobre modas e modinhas:


A pessoa que vos escreve veio ao mundo no ano de 1982. Ano em que coisas interessantes, é óbvio, aconteceram (quantas pessoas morreram em guerras, as lágrimas que caíram no dia do meu nascimento, os orgasmos que ecoaram no mundo, a criança que não vingou, a festa que bombou em Bombaim [Mumbay, eu sei, mas prefiro Bombaim] fica pra outro post do tipo reflexão profunda filosófica). Década de 80: legal, euforia econômica, Guerra Fria truando, as pessoas curtindo a vida adoidado e...


A década de 80 foi a década de quase toda a minha infância - era um mundo pré-internet, pré-conexão, o que hoje me parece insuportável, apesar dos cheiros, das músicas, dos sentimentos e dos momentos que esse período da minha vida evocam (com suspiros).


Quanto à moda, não era muito ligado pq enfim, minha mãe é que me vestia (mesmos modelos de roupa pra mim e pro meu irmão), mas sei reconhecer os anos 80 nas vestimentas das pessoas... e nas pessoas de hoje, chega a ser algo... patético.


Os óculos, as calças, os cabelos, as camisas - tudo remete aos anos 80. Aprecio diversidade, aprecio ousadias, aprecio o novo e sobretudo o novo combinado ao velho ou ao tosco (gagaísmo...). Mas... EVERYBODY AND EVERYCABRA? 


E fora o cinema, a música, as artes - tudo revivendo a década de 80 sem que nem pra quê. Não há fundamento racional pra esse meu desgosto em relação a essa modinha (o título de moda já venceu), admito...


Enfim, só acho insuportável ver pela rua o exército de clones sem graça marchando com cara de super-fashion. 


Anos 80 partout: no me gusta.



quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O sol



O sol, o sol...
Meu deus o sol é tanto
Que o ar de fogo arde água
Vibra corpos e folhas
Grita carros e ferros
Sacode energias em brilho agudo
Causticamente vivendo e matando
Todas as coisas sem nexo com o dia.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Auto-autoria

Dedicar mais que algumas dezenas de minutos esparsos durante as 24 horas do dia a questões relativas a “como” e ao “porquê” as coisas acontecem e desacontecem pode ter efeitos nocivos à saúde tais como depressão, emoíces, não-operacionabilidade biográfica crônica, paranoia e religiosidade fanática.

Mas se vc faz isso de maneira comedida, com um pé nos livros e outro no dia-a-dia, tudo dosado com um pouco de cinismo, auto-crítica e amor (posso falar sobre esse termo depois, já adiantando que não tem nada a ver com o conteúdo do post anterior, que trata mais de um tipo de histeria melosa), os resultados podem ser de bons a ótimos.

Jorge Luis Borges, esse escritor argentino que me salva em momentos em que nem sei que estou perdido, coloca uma ideia num de seus contos, Deutsches Requiem se eu não me engano, que, a princípio parece ingênua e sem sentido, mas que aplicada ao modo de pensar do quotidiano produz... sabedoria.

É o seguinte: imagine que tudo o que acontece, cada detalhe da saga pessoal de todo ser humano (da gorda barata que na noite do restaurante ao ar livre pousou no seu ombro até o último minuto da noite que lhe rendeu o encontro com o amor de sua vida), tudo, tudo mesmo, tivesse sido planejado em seus mínimos detalhes, em suas mínimas excentricidades e clichês, adivinha por quem...? Por vc mesmo!? Sim, como se o que vc vivesse fosse um tipo de filme escrito por si mesmo num momento de passagem de uma vida a outra... ou mesmo sem essa história espírita: Imagine-se escritor de sua própria vida.

Voilà. O raciocínio que se seguirá adotando-se essa hipótese vai ser então: com que finalidade eu quis que isso acontecesse comigo? E nessa pergunta o sentimento de auto-confiança, de responsabilidade se casam com o de potência e... vontade de viver (sim, estou descrevendo o meu caso).


Esse pensamento original (que não é de Borges) acaba meio que servindo de ponte entre a nossa mentalidade humana questionadora da maquinaria de causa e efeito de todas as coisas (com todos os seus adendos característicos, quais sejam revolta, infelicidade, loucura, etc), e a Vida como ela se passa. Não se trata de atribuir-se culpa pelo que acontece, aconteceu e acontecerá, mas de um estratagema para se tranquilizar e de entender-se e entender o funcionamento do mundo de uma vez só.

Claro que a ideia soa como heresia pra muita gente, sobretudo pras religiosas. Para essas pessoas apenas digo que tentem relaxar, imaginem-se então coautores de suas próprias vidas ao lado de sua Divindade máxima pessoal preferida, seja ela qual for.

Sei que gostei muito do esquema e as conclusões a que eu pessoalmente chego sobre o enredo da minha autobiografia cósmica por mim mesmo são no mínimo, instigantes... perturbadoras às vezes.

sábado, 13 de novembro de 2010

Eu te amo em câmera lenta correndo na praia

Sim, eu ouso. De um mero espécime de Homo sapiens sapiens que usa sopros e grunhidos articulados para se comunicar suponho poderem sair definições e ideias que tenham alguma coisa  a ver com isso que chamamos realidade...

But i’m not the only one, então:

Pensar que essa história de amor meloso e com corações voando ao redor de figuras de sombra em fundo vermelho nem sempre existiu é estranho para a maioria das pessoas. Hollywood e Manoel Carlos dão continuidade ao esquema segundo o qual o amor é um eterno e conturbado drama, a meta da vida de uma pessoa, o ápice da novela sentimental que cada um vive, e assim fazem parecer natural e normal algo que foi plenamente inventado lá pra depois da idade média...

Pois sim, amor como sinônimo de melosidade teve data de nascimento, e é interessante notar como se deu o parto... por falar em parto, vcs já viram um parto? Já ousaram visualizar em que circunstâncias todos os quase sete bilhões de seres humanos desse planeta vieram ao mundo? Pois vejam -  e depois pensem se o espetáculo sangrento do nascimento tem alguma coisa a ver com Julia Roberts e Richard Gere naquela cena da banheira.

“Vc está querendo dizer que a diferença entre a noite de amor entre um casal que se ama e o nascimento doloroso de uma criança é a mesma que existe entre o amor idealizado e o amor real?” – não, estou dizendo que há algo de histérico em querer ver Romeu e Julieta onde na verdade o que se tem é Lessy e Beethoven... É, pq seres humanos que somos, adoramos criar rituais e máscaras pro que fazemos sob os ímpetos do corpo; por isso há quem cinicamente diga “fazer amor” em vez de dizer “dar o ...”. “Ah! Agora vc vai dizer que não existe amor e sim atração física e que tudo se explica a partir de interesses, etc”... Não. Na verdade meu foco é o amor como uma roupa, como um estilo de comportamento que se deve usar. Como permite toda roupa que tenha siginificado social, qualquer um pode se passar pelo que não é usando a roupa que convém: um pervertido pedófilo com uma batina não é necessariamente um padre; um malandro vestido de terno e gravata não é necessariamente um representante do povo... Da mesma forma que um casal suspirante deitado em pétalas de rosa não é exatamente o retrato do amor.

Sendo assim, a nossa música, essa que ouvimos todo dia e toda hora em todo lugar, seria um tipo de máscara sonora: vcs já pararam pra pensar em como os temas relativos  a paixão, amor, carinho, dor de cotovelo e afins se repetem até a exaustão em todo estilo e gênero musical? Não existe música num CD que seja que não fale de saudade, de amor, de beijo, de alguma coisa do tipo... Já perceberam? Porque será? Isso seria uma prova de como o amor é importante, a prova de sua grandeza e de sua essencialidade absoluta e não sei mais o quê? Talvez. Mas então pq não se fala de comida? Porque não existem músicas e bandas inteiras consagradas a cantarem o macarrão, a noite de boca aberta babando no travesseiro, ou o ritmo correto de inspiração e expiração?

Nietzsche dá uma resposta dizendo que o amor romântico, ou a histeria generalizada em torno do amor meloso é uma válvula de escape, ou antes um sintoma da doença emocional causada pelo controle excessivo que desde que o mundo é mundo cristão as autoridades religiosas, via deuses, exercem sobre o corpo das pessoas...

Ahn?

É mais ou menos assim: menina pura entra na adolescência e sua mãe, ao primeiro sinal de peito nascendo diz que pensar em aproximar demais seu corpo do corpo de alguém do sexo oposto (que se dirá do mesmo sexo!) é pecado. A menina contrariada cresce pensando que seu corpo é algo que se deve gongar e dominar como se domina uma fera . Seu corpo é perigoso, e dar a ele exatamente o que ele quer, mesmo que o resultado aparente seja bom pra si e pra outra pessoa, deve ser algo abominado... De modo que toda ação que esteja ligada ao prazer desse corpo pecaminoso se transforma em motivo de culpa – culpa, culpa, culpa: sentimento que floresce como num jardim infinito no adubo da recriminação e das proibições...
(Continua...)

domingo, 24 de outubro de 2010

Como se tornar uma pessoa pior

Pouca coisa mais saudável do que uma autocrítica no estilo não-autodestrutivo. Aquela coisa de se olhar no espelho e ter a coragem de pôr na cara os olhos dos outros e se ver a partir de uma perspectiva que não seja a de seus desejos e vontades...

Enfim, dialogar com o que de pior existe em si pra encontrar o que de melhor aí houver é um exercício muito produtivo em geral. Não carece dizer que cinco em cada dez seres humanos raramente são capazes disso.

É com esse intuito, de ver-se enquanto criatura outra que, depois de várias peripécias vividas em quase três décadas que este ser vivo que chamo de eu tem tecido em forma de biografia (huhuhu), resolvi compor um manual de como se tornar uma pessoa pior – seria um tipo pop-punk de psicologia reversa – ça veut dire, leia e faça o contrário. Alors:

Dicas de como se tornar uma pessoa pior

1 - Primeiro e antes de tudo diga-se em todas as situações possíveis e descontextualizadas que vc é a melhor pessoa do mundo; que há um engano básico naqueles que por acaso digam não ou talvez às suas opiniões, e que um dia, quando elas acordarem, num momento mágico de iluminação, reconhecerão que vc sempre esteve certo. Até porque, vc é vc, e nada mais importa.

2 - Empatia é um exercício perigoso, inútil, uma extrapolação psico-literária sem sentido, já que vc nunca vai saber de fato como o outro se sente, posto que, como sabemos, vc é especial e diferente até o último cromossomo de suas células. Não, se as pessoas são o que são e não conseguem ser felizes como vc, azar o delas.
3 - Compreensão? Pra quê? Já é tão difícil o caminho do auto-conhecimento! Cada um que trate de ser estudante de si mesmo e viva com seu karma! Palavras amigas só quando se seguirem a vantagens amigas... afinal, é a competição que nos define enquanto seres humanos!

4 - Aquele seu amigo que vc sabe que é um idiota se deu melhor do que vc no tabalho ou não sei aonde? E por acaso – ou não – a vida te deu a chance de fazer com que ele cometa um simples errinho que não vai prejudicá-lo por muito tempo e que de quebra vai fazer vc ocupar o lugar que merece na economia do universo? Então não perca tempo... Ah, e se porventura esse simples errinho induzido por vc prejudicá-lo bem mais, muito mais do que o esperado... paciência! Ninguém é perfeito e o destino é que nos rege. Que vença o melhor!

5 – O velho “olho por olho dente por dente” é e sempre será  uma regra de ouro!

6 - Nunca, mas nunca, em hipótese nenhuma, dê mais do que recebeu. Até porque há uma contradição lógica nisso. Woodstock e Éden são bons como nomes de boates ou bares – e só.

7 - Deus existe para ajudar os bons. Como a priori vc é bom – como não seria se tudo o que vc faz tem base no que se diz desde a Idade do Bronze por um povo escolhido? – fique tranquilo. Mas ainda que as suas ideias progressistas e pragmáticas não combinem muito com a palavra de deus, tudo bem, ele torce por quem faz acontecer, e no fim tudo se resolve pra vc!

8 - Digam o que digam, existem sim os bons e os maus – vc não é racista ou preconceituoso, apenas sabe o que é certo. Contra fatos não há argumentos! E mesmo se houver, argumentos de pessoas não-respeitáveis não são argumentos válidos!
9 – Nunca tenha vergonha de assumir pra si mesmo o quanto seu olhar sobre qualquer assunto é mais aguçado do que o de todos!

10 – Finalmente, ninguém é perfeito, a perfeição é inalcançável; então erre, perdoe-se sempre; se errar de novo, tudo bem, pra que tanto rigor? Vc é como é e não precisa mudar – as pessoas que estão ao seu redor é que têm que fazê-lo... pra que tanto trabalho? Pense que pros outros isso de mudar e repensar as atitudes é sempre mais fácil. Então não sue à toa.

No mais, viva a vida!



quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Bonjour

Há um cinza na curva das cores,
Um turvo no brilho do quente
Um pingo de sal no pó de asfalto...

O fio de vida oblíquo que do dentro ao fora tende
Treme em notas chinesas, melodia do oeste,
Cadência incorreta em sussurro islandês.

Não que seja sempre assim o bom-dia.
É que o verbo de ser preso entre linhas
Cuja autoria sempre oculta, e muda,
De vez em quando,
De vez em quando,
Não amanhece,
Não amanhece,
E bonjour
É só bonjour mesmo.


quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Teoria da espuma


Uma parte dos seres humanos, que cresce a cada dia (feliz ou infelizmente é uma questão mais estética do que outra coisa), está permanente conectada. Aparelhos que há dez anos serviam ou mal serviam pra falar, hoje guardam pedaços de biografias inteiras. O que esses humanos vêem ou falam ou escrevem viajam em segundos por entre os pontos do globo como numa rede de neon, rápida, densa, pulsante...

Quem diz imagens e textos e vozes transitando permanentemente de um lado pro outro diz emoções e idéias. Idéias que antes fermentavam e cresciam pra virarem alguma coisa no fim, hoje assim que surgem se lançam no universo conectado de todos e... estouram, como nada. É como um grito numa manada de animais, como uma reação em cadeia que só a bomba atômica ilustraria de maneira suficiente...

O dito sem sentido que numa sala de amigos se desfaria em segundos, agora perdura por dias e talvez semanas em mundos cuja existência é tão sutil quanto a corrente elétrica: uma bolha de sabão refletida num espelho infinito até o enjôo... Bolhas de frases, de palavras, de emoções que se reproduzem como vírus – criando uma doença em minutos... e em minutos se desfazendo e nonsense.

Uma semana atrás equivale há dez anos de atraso se comparados ao esquema temporal de há meio século. O que se disse ontem pode parecer tão antiquado quanto o que se ouviu na década passada.

O vestido dela de ontem – bolha. A frase no topo de ontem: bolha. O vídeo de sábado: bolha. A piada do dia: bolha.

É como se disséssemos espuma, ouvíssemos espuma, pensássemos espuma: idéias, emoções, falas leves e passageiras ao extremo, renováveis indefinidamente. Não com uma onda no mar – esta tem uma estrutura que se repete e dura, nem que seja pouco, mas plástica, é identificável. A minha teoria é que a nossa linguagem hoje é de espuma – como a espuma do mar (falamos como nunca falamos antes, mas dizemos tão pouco como nunca conseguimos antes) É pura superfície e puro não-ser, puro quase-nada. Desmancha nas mãos se vc tentar pegar, não fica na memória, porque não é...


É fugidio e fugaz e fraco... intangível.

Os princípios da teoria da espuma são:

  • Sou um agora e outro amanhã; qualquer um talvez e vários provavelmente sempre;
  • O que digo não tem valor se não for ouvido por mais de dez pessoas ao mesmo tempo, nem que seja por vinte ouvidos surdos;
  • A imagem de bytes não marca – é um mero rastro de um momento evanescente e que muitas vezes... não tem importância;
  • Me olho na tela do computador como num espelho pra ter certeza de que existo;
  • No fundo eu sei que sou espuma nesse mar sem sentido – mas essa idéia também é bolha e...
  • ...já estourou.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Peripécias poéticas

Tô cansando um pouco de escrever coisa culta
Raxar o quengo pra dizer o que penso
Quando na verdade o que toda hora me cutuca
É aquilo que todo dia me deixa tenso.
Começa pelo calor, pela luz, pelo barui
Passa pelos tiros, o dinheiro e o assalto.
Termina nos projetos – me digo: “te alui,
Se quiser ser, subir e falar mais alto”...
Fugir do orkut, e da bruteza do Dr. House,
Lavar a louça e arrumar a minha house;
Calcular passos, projetos, listas e contas
E dormir meia-noite já com a cabeça tonta...
Sonhar com o paraíso, com o inferno, o império asteca...
Defender lindo a minha tese... estando só de cueca!
Acordar do pesadelo, dizer bonjour, comment vas-tu?
De vez em quando ter um intrigante déjà vu.
Beber mais água, comer mais frutas e verduras
Meditar um pouco, ir a facul, e à noite mais verdura...
Depois vêm do nada estranhas entidades
Calçando 44 ou dizendo yayê
Pessoas com quem pratico a difícil faculdade
De me divertir com mil coisas pra fazer.
Pois é tudo isso e muito mais:
Sou parente distante da Macabéa
Tenho um gato chamado Satanás
E uma bromélia seca morta réa...
Hoje é feriado, amanhã trabalho até a morte
Até de noite, só é Borges e infância,
Apresentação, metodologia... muita ânsia...
Então pra terminar, me desejo boa sorte.

sábado, 28 de agosto de 2010

"One day, I found a big book..."

Vargas Llosa enamorado de Madame Bovary, Borges igual a criança ouvindo as histórias das Mil e Uma Noites, eu perdido nas bibliotecas labirínticas de Borges... e daí?

Daí que hoje, enquanto mergulhava em leituras obrigatórias, me lembrei de como é perder o fôlego e se sentir meio que morrer pra viver num mundo paralelo onde é possível criar e recriar mundos. Apologia à leitura lembra ensino médio de escola pública, e não é disso que estou falando. É que nessas leituras - e noutras também, a dos acontecimentos bobos ou surpreendentes que se seguem no dia-a-dia como se alguém escrevesse um blog cósmico meio à la Tarantino - redescobri também o quanto a vida pode ser "mas" (como diz a Cleycianne, uma amiga)... Vc recorre à literatura porque a vida biográfica não basta, e retorna recarregado ao mundo porque a vida literária não é suficiente. Lembrei também que uma coisa produz a outra - um monte de jovenzinhos se vestindo de Harry Potter e sendo felizes é um exemplo patético e pop-podre disso; o quadro abaixo é outro, um símbolo de como real e irreal se formam, se influenciam, se engendram...



Estou bêbado de ler...

Vcs já tiveram a nítida impressão de ser um personagem zanzando num enredo escrito por alguém? Pior ainda: vcs já tiveram a impressão de que esse alguém não é outro que não vc mesmo?

(A propósito disso, vide Björk: Bachelorette. O clipe é simplesmente genial.)

domingo, 22 de agosto de 2010

O bar do lado

Não tenho nada contra bares – “com certeza que não!” diriam com certo riso malicioso alguns amigos. Bares são espaços semi-mágicos onde depois de horas ou dias de trabalho ou estudos extenuantes pessoas cansadas se deleitam em serem apenas animais que se intoxicam a fim de resumidamente viver e esquecer ao mesmo tempo... O bar introduz a Noite e suas promessas, etc... Ok.

Mas quando esse mundo mágico deixa fugir sons cacofônicos de décadas perdidas nos tempos, ou de vozes perdidas dos labirintos da sensualidade explícita e simplificada das massas cantantes alcoolizadas... e isto entra janela a dentro sem pedir favor, espalhando sexo, pranto e gritos por onde deveria haver apenas os sons do sono merecido e da tranqüilidade do lar, aí sim bar rima com ímpetos de matar, ou de se matar...


L’enfer, c’est le bar des autres. 

terça-feira, 3 de agosto de 2010

I don’t love you Phillip Morris.

É certo que por toda parte janelas abrem-se pra falar de homossexualidade e de temas correlatos. É verdade que nunca se teve tão pouca discriminação – pelo menos no mundo das latinhas de entretenimento americanas, produzidas em massa também no Brasil – quanto a tal assunto.

No entanto, de vez em quando, o que aparece é um discurso ambíguo, uma coisa meio confusa, que combina tolerância e igualdade na superfície, mas que mais embaixo esconde um teor cínico e reacionário...




O golpista do ano, ou, I Love you Phillip Morris fala duas línguas ao mesmo tempo. A Wikipedia conta a história, leiam. Uma é o idioma do “let it be” midiático atual, que uma hora ou outra serve por tabela a alguma causa. Outra é um balbuciar, uma reza baixinha que parece repetir uma ladainha tradicionalista, intolerante, cheia de preconceitos – mas tão baixinho que vc mal escuta... Classificar o filme como homofóbico não seria justo porque simplesmente, e infelizmente, é mais complexo do que isso o processo de classificação. No entanto, no filme, os estereótipos, os preconceitos e uma certa mesquinharia pululam em todo lugar... Exemplo: o menino singelamente deitado na relva com outras criancinhas, que vê um pênis nas nuvens... que diabo é isso?

Mas não sejamos precipitados. O filme exige olhares múltiplos. É complicado ir contra algo que foi “baseado em fatos reais” – o imperativo da realidade da coisa tem seu valor...

Quem vai só pra se divertir talvez saia do cinema achando que teve uma boa diversão. Outros certamente saem balançando a cabeça pensando “o mundo está perdido... Jim Carrey naquela cena, ó!”. Sinceramente, pra mim, a sensação é a de ter ouvido um “ele é gay mas é gente boa”... ou, pior ainda: “ele é desonesto, mentiroso, pervertido, ex-presidiário, mas é capaz de amar, o que é uma coisa muito bonitinha, mesmo ele sendo gay”. Ah, e o QI de Russel é 163, segundo Wikipédia.

O último golpe de Steven Jay Russel não é fingir a própria morte por AIDS – na verdade o golpe nem é dele. O golpe é vender a história como algo... legal.

E não é.

But... Vejam.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Risos

É bom sim começar a investigação de cada tema a que se propõem aqui os intelectos curiosos com a pergunta ontológica básica: o que é?

O início da nossa resposta, em concordância com o tema proposto seria: um riso suave no canto da boca, como quem vislumbra o que se sabe mas que não sabe comunicá-lo...

Risos. De nervosismo? De malícia? Do deleite de procurar a resposta...? Sem falar sério:

Não saberia dizer há quanto tempo os seres humanos riem. Uma boa estimativa é a que diz que desde sempre; o homem não é o único animal que ri? O riso, juntamente com o polegar opositor e o saber da própria morte, seria um dos constituintes disso que julgamos que cada ser humano tem em si e que chamamos humanidade. Rido ergo sum, diria então o Homo sapiens sapiens, recém surgido das brumas dos tempos, rindo.

Rir está ao lado também das coisas básicas que todo ser humano faz e sem as quais não vive: comer, evacuar, respirar. No entanto, embora tão comum e necessário quanto esses atos, o riso parece carecer de função. Questionar a função vem depois de questionar a essência. E as respostas variam desde as elocubruções esterilizantes dos cientistas sem graça, que vêem no riso uma mera anomalia, uma combinação patética de estratégia de defesa com inépcia comportamental momentânea; passando por uma certa divinização do riso, que o estatui como um marco animal exclusivo dos seres humanos; até a idéia que demoniza o riso na Idade Média, quando rir poderia ser sinal de possessão por espíritos infernais...

Nós seres humanos somos criativos e vivemos de tentar explicar as coisas. Nada que necessite menos disso do que um riso na hora que acontece. Quando rimos somos nada mais que pessoas, aliás, animais, que riem, simplesmente. É como se recuperássemos uma pureza perdida... Não é à toa que utilizamos o riso no trato social para avaliar o quanto uma pessoa é sincera. Dificilmente se finge o rir – e se entende imediatamente que há perigo naquele que o consegue. Porque rir é daquelas coisas que vêm de dentro, puras e instantâneas, diferentemente das palavras, que em seu normal passam pelo crivo dos quereres e desejos de quem as usa. O riso não, o riso nos usa. E paga-se um preço pela liberdade furtiva que o prazer do riso nos impõe: rir na hora errada pode nos infligir tanto mal quanto não rir na hora certa. E existe hora certa de rir? Toda a hora em que se ri é a certa – pois rir é ser o que se é, aliás, é sentir aquilo que se é sem medo nem amarras... Rir é ser?

Se o é, é também seu contrário. A pessoa mais sisuda e séria, quando ri, deixa de ser apenas aquilo que em geral acha que é, e comunga com todos os seres humanos nisso que vem do riso (e que até agora tergiversamos e ainda não definimos...) Ou seja, a pessoa que ri também deixa de ser, anula-se um pouco para se transformar no próprio riso, que na verdade é o Riso, ecoando em matizes de ritmo e melodia desde o início dos tempos, dos humanos tempos...


O riso que vem não se sabe de onde – se dos céus, dos infernos ou de interconexões neurais temporariamente confusas - e assume o momento –  em geral é claro e límpido como um perfume que se respira e que conquista a todos: é o riso coletivo, crise de risos incontrolável em que a liberdade de rir aprisiona e...

Mas que também pode ser momento de tristeza ou de loucura: o fazer e o sentir humanos são muito largos e resistem a esquematizações simplórias: muito mais raro que chorar de rir, mas tão factível quanto, é rir em funerais, rir com sangue nas mãos, rir com faca no peito ou chaga no corpo. Aí é inevitável lembrar que liberdade demais é igual a loucura, seja essa o que for. Sabe-se que uma boa parte dos loucos ri – embora entre estes a moda hoje seja o contrário... - ri da pedra, do vento e de nada. Ri do próprio riso e do irrisório de existir.

Definir o riso é aprisioná-lo. Falar dele como quem fala da digestão é procurar justificar a vontade de não-rir, isto é, a tristeza. Que não se veja nessa última frase a idéia de que quem muito ri é feliz ou alegre. Quem ri não é nem uma coisa nem outra. Nos segundos ou minutos que dura o riso, não há pessoas, há o riso... mas isso eu já disse, então:

Nós, brasileiros, dizem, somos conhecidos por conseguirmos rir mesmo em meio às nossas conhecidas atribulações nacionais. O mesmo de diz, de uma maneira mais sublinhada, de nós, do Ceará – nós, que adoramos fazer rir o país... De fato, o patético da cena de uma família que ri diante da TV, sentada a uma mesa pobre e triste, só surge na reflexão – isto é, na ausência do riso, quando este já esfriou. Que esta mesma cena, vista de outro ângulo – o que nos mostre, por exemplo, o dente que falta na boca do que vê o frango de padaria namorado pelo cão na TV – cause ou tenha causado alguma vez nosso riso, é algo que nos deve fazer pensar... ou na verdade, apenas rir?!

Em certas situações, minha mãe dizia, é rir para não chorar. A situação acima e as do nosso atual derredor global parecem ser dessas situações...

De qualquer forma, bendita seja a piada, mesmo a sem graça, que por desvio de sua função acaba por também fazer rir; benditas as diferenças extremas entre as maneiras de sermos seres humanos, que quando confrontadas resultam ou em riso ou em guerra; benditas as aberrações e os medos, que nos horrorizam e nos fazem rir, talvez não nessa ordem; bendita a inteligência extrema quando falha, ou a ignorância que nunca falha, quando falha; benditos os animais não-humanos, aos quais ridiculamente negamos o riso – como se eles também não se rissem em segredo de nós... Bendito o riso de um bebê que às vezes faz mais que valer a pena a existência do mundo, e bendito o riso da idade avançada, que não sabe mais de si - porque ri também é esquecer...

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Google Earth e o primeiro peido

A cena não é desconhecida e, como faço de vez em quando, devo estar redescobrindo o óbvio, os detalhes são portanto desnecessários (crer que uma vírgula deslocada numa frase muda o sentido do que se diz me dá fuerzas), então:

Ser humano 1 entra em contato visual com ser humano 2 em ambiente Tal (que pode ser escuro com música e luzes esparsas, ou apertado cheio de cadeiras e pessoas atarefadas, ou aberto com pessoas em sequencia uma atrás da outra com finalidade em geral burocrática e fútil); por motivos que pouco se conhecem, logo em seguida cargas de neurotransmissores e hormônios começam a circular nas respectivas correntes sanguíneas; a depender do histórico de interações com e sem sucesso de cada um dos seres humanos, um ou outro ou ambos se aproximarão e talvez um contato verbal dará início a uma série de outros contatos de vários tipos. Que, com o tempo, repetir-se-ão e constituirão o que chamamos de namoro, ou, segundo o Orkut, relacionamento sério.

Voilà. Quando o namoro dura mais de três meses, as cenas de quando as pessoas se conheceram se investem de uma mitologia. Quanto mais tempo passa, as coisas mudam, e os Sócrates da vida aparecem. Porque?

O ser humano 1 para o ser humano 2 (e vice-versa)na primeira ou nas primeiras ocasiões de contato é como os campos de plantação da Dinamarca visto do Google Earth, ou como o deserto do Saara (visto do Google Earth), ou como os Lençóis Maranhenses, vistos do Google earth... Os desenhos harmoniosos do vento na areia, as depressões no terreno, as sombras dos cânyons... Ver tudo de cima, de longe, na proteção da tela do computador é que torna possível a mágica... agora vá se tacar no meio do deserto do Saara ou das plantações dinamarquesas ou nos lençóis maranhenses em tempo de seca... A experiência é bem outra. Mas é a que será vivida, mais cedo ou mais tarde, uma vez ou outra.


Passam-se os meses e vai-se conhecendo melhor a geografia do Outro, a cartografia dos limites e das emoções, a divisão administrativa do que se deve ou não se deve fazer... Aí é que se vê que aquela floresta de simpatia charmosa que do Google Earth era como um frescor social, de perto é uma floresta úmida cheia de bichos irritantes que gritam o tempo todo... aquele descampado cor de laranja do abuso, de cima tão colorido, é na verdade um deserto árido e cheio de cardos... Quanto mais se conhece alguém, mais se chega perto de tudo o que é bom mas também de tudo o que é ruim da pessoa.

Ser humano 1 e ser humano 2 então estão fadados a se desiludirem mutuamente até o choque de planetas e a final hecatombe?

Nem começaria a ter escrito isso tudo se acreditasse num anti-happy-end como esse.

Non, monsieur, madame. Não é porque Titanic me deu ânsia de vômito (exceto a parte do naufrágio) que preciso ser House na hora de amar. Mas um pouco de cinismo e realismo e talvez pessimismo faça bem pra todo mundo. Até pra contrabalancear a dose de romantismo venenoso que nos administram desde a nossa mais tenra infância via novelas e filmecos americanos.




Sim, as paisagens magníficas criadas pela distância são de fato belas, e a fase da sedução cartográfica dessas belezas é uma primeira fase do processo natural de aproximação de um ser humano a outro. As segunda e terceira fases exigem um certo esforço, uma certa boa vontade, um certo AMOR? Certamente. Quando o primeiro fluxo de ar vindo das entranhas da terra ou do corpo surge seguido de sensações olfativas assez désagréables, em geral é sinal de que as camadas tectônicas dos sentimentos já se estabilizaram suficientemente pra que coisas mais sólidas cresçam sobre elas... Metáforas, metáforas pra que te quero!

As fases ulteriores do estar junto também têm sua magia. Sobrevoar o Saara é coisa de turista – mas ninguém pode ser turista pra sempre. Dar uns passos na areia quente, ou na floresta cheia de mosquitos, faz parte do aprendizado de qualquer ser humano que não seja a Paris Hilton, financeira e emocionalmente. Negar-se o lado escuro da força de uma relação é, na minha humilíssima opinião, ter medo do escuro, fazer xixi na cama, não puxar a descarga nunca: ou seja, não crescer.



Mas como vivemos num tempo em que você pode escolher ser um idiota infantilizado mesmo depois dos trinta, se garanta. Seja, apenas. Há vários caminhos possíveis, o do hedonismo extremo é um deles. E não é o do martírio cristão sentimental o que se prega aqui. A idéia é: o que vem fácil vai fácil. Ninguém chega a doutor sem muito trabalho e esforço intelectual. No doubt, o mesmo vale pro sistema educacional das relações.

O que sei é, por mais clichê que possa parecer, o equilíbrio ainda é o segredo: meio quilo de paixão, meio quilo de frieza lógica. Uma parte de impulsividade para outra de cálculo...

Essa não é uma receita, é uma constatação. Se um ser humano é um mundo complexo que ninguém nunca entenderá, imagine a relação que se estabelece entre dois mundo igualmente complexos: traçar uma trilha na floresta de incógnitas é o máximo que se pode fazer.

Mais clichê, mais j’adore:

Vive La vie! Vive l’amour!

Ui.