segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Quem criou o mundo

Dia zero

Antes de qualquer tudo, pensa numa folha branca: tabula rasa cósmica, face do abismo, um Nada.

Nessa folha branca que pensaste, escreverei uma vida, e por efeito de mancha gráfica, psicográfica, talvez holográfica, e, eminentemente, trágica (não há como não sê-lo, eu juro), quero que surja daí um homem.

Exatamente um homem não, mas sim o que há antes de um homem, e antes de uma mulher: eu, estudante de mim e do mundo, busco o que há antes dos gêneros e da bifurcação que lhes deu origem: busco a célula-todo, botão totipotente, ente sem esquerda nem direita e cinza de preto e branco unos, a um tempo sola do pé, olho, neurônio e intestino, virtuais e indecisos – antes, o bem antes... Quero evoluir nesse caminho de retorno abstrato – ou involuir, aliás. Ou ainda, evoluir mesmo, como há quem diga do assunto.

À imagem e semelhança do “quem” e do “aqui”, neutros pela Natureza, creio que vai ser essa coisa, esse objeto não de estudo, mas de contemplação. Vai ser ente animado isso, um animal portanto, como nós, como tu e eu: cabeça, tronco, membros, ódio-desejo. Nada se vê ainda, trata-se de um borrão tudo. E sinceramente não tenho pressa, que é inimiga da perfeição como sabemos, se bem que não necessariamente amiga da imperfeição.

Não quero bater recordes, me dou o prazo de seis dias, seis mil anos... seis minutos contudo talvez bastem, modéstia à parte.

É bom que não esperes nada demais porém. Meu traço é como traço de criança, escrevo letras trêmulas, com um incerto medo e, confesso que hesito. E o pior é que já entrei na dança: se eu caio quebrando o pescoço a platéia pode pensar que é mais um passo pensado – um pós-moderno passo! E vai que aplaudam a ousadia do artista, eu, que, arregalado pois, só dançaria mais e mais e mais...

Ou não! Vai é que eu queime a língua, fure a mão com a caneta e morra afogado do sangue dos tomates atirados ao palco...

Esperem pacientes um esboço, logo. Pelo menos neste primeiro dia que não nasceu.

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