quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Quem criou o mundo (continuação)

 Primeiro dia

Eu sou como a entidade que no meu pseudo-ventre mental germina: ficticiamente neutro. Na verdade estou me repartindo, cindindo-me em partes cada vez mais desiguais, de dois em dois não, de três em três, de modo que agora somos uma trindade de micro-entes rapidamente inchando e conformando novos brotos e...

Terá nome esse meu homem que não o é, ou essa mulher que nunca o foi? Não, acho que é cedo ainda. Não queria ser como a grávida que antes mesmo de haver um pai já dá nome ao que nem existe... Mas ele, ela, existe. Existe sim. A folha branca na tua mente já deixou de ser alva. É alvo, e a marca, o ponto vivo que treme e cresce e treme, precisa da flecha de um vocativo – essa entidade precisa ter como ser invocada. 

Como disse, ele não é bem ele, nem igualmente ela. Nossa língua nos dá somente a opção de dizer “é”, antecedido do vazio, pra fazer menção a uma terceira pessoa ignota (a primeira seria tu ou eu?). Porém esse vazio do “é” é tão vasto que nem eu agüento a vertigem, e pra evitar os problemas e ambigüidades que não planejadas, proporia como alcunha ao nosso filho – pois não é um rebento nosso esse ser, nascido de nós, da mancha que fiz no branco da folha da tua mente? Se bem que, similarmente, tu manchas também minha mente com tua ausência-presença, e etc..., e ficamos enfim pãe e mai de nosso filhoa... Sim, para evitar problemas, chamemos o fruto de nosso encontro de Quem. 

Quem!

Quem nasceu então já no nosso mundo compartilhado de palavras. Quem, que rima com hein, e poderia ser um choro de bebê. Quem está aí. Quem vive. Quem crescerá depressa e dirá uma primeira palavra que ouviremos tensos de alegria. Quem caminhará trôpegoa e em seguida só. Quem sorrirá muito para depois chorar a cada decepção biográfica de sua tragédia não-grega. Quem amará, Quem odiará – e será odiadoa e amadoa: Quem saberá qual mais dos dois? Quem morrerá. Quem, Quem, Quem... 

Pensando bem, Quem parece trinado de pássaro cálido, de um passarinho amarelo e preto em crise existencial... Mas olha que a falta é da nossa língua – que não tem “das” nem “it”. Tem “isso”. Mas “isso” acho muito desrespeitoso – chamarias uma cria tua de “isso”?

Meu primeiro minuto-milênio-dia está passando e não temos nem o nome... é que neste mundo nosso, de papel, pensar e tinta, tudo tem que ter nome, pois tudo aqui é de fato nome! 

Olha só, Quem, para existires, tens que ser mais que tu, tens que ter um nome, tens que sê-lo.

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