segunda-feira, 8 de março de 2010

Do homem à mulher



Não, não vou usar a mitologia judaico-cristã como ponto de partida e fazer menção à história de que a mulher nasceu do homem. É muito machismo.

Também não vou propor uma linha evolutiva na qual o homem apareça como o primitivo e a mulher como resultado melhorado. É muito feminismo.

Non.

Na verdade quero falar sobre homens - ou masculinidades - e mulheres - ou feminilidades.

Nós como espécie, desde Darwin, procuramos em nós qualidades que nos diferenciem dos outros animais. Encontramos várias - que em geral existem nas outras espécies, mas de maneiras mais ou menos "evoluídas" ou "sofisticadas". Talvez a que mais nos distancie, ou nos torne mais originais como seres que se arrastam sobre a crosta desse planeta, seja a linguagem. Até onde sabemos, a nossa maneira de se comunicar é a mais complexa e completa que existe - não a mais eficaz (guerras mundiais e etc provam isso), mas a mais complexa sim. Suponhamos.

Nossa maior qualidade é a nosso maior obstáculo a uma compreensão maior das coisas que existem... Esse blá blá blá todo é pra dizer que a linguagem, as palavras enganam. Se uma frase como "um homem e uma mulher andam de mãos dadas na rua" remete a algo trivial e ultra-compreensível, é justamente porque "homem" e "mulher", mais que palavras, são ideias, categorias... Categorias servem pra agrupar - e agrupar siginifica passar por cima de certas particularidades, anular certas diferenças pra facilitar a compreensão e por fim, a comunicação. Olha - e que diabo é isso?

"Um homem e uma mulher andam de mãos dadas na rua" pode ser muita coisa. A palavra "homem" aceita tantas imagens: um anão asiático de cabelo loiro com chapeu coco e bota de couro rosa; um deficiente físico de barba arrastando no chão e óculos escuros; um travesti não-montado (isto é, sem seus trajes femininos e glamurosos), um senhor de idade respeitoso mas que sob o pênis possui rudimentos de uma vagina que horrorizou seu pai na hora do parto... Coisa parecida ou pior vale para a palavra "mulher". Por isso o título: do homem à mulher: como poderia ser do norte ao sul, do sol à chuva, do bem ao mal... ou seja, de um polo ao outro, de um extremo ao outro: essa é a maneira que nós seres humanos encontramos para expressar na linguagem a nossa vontade e tendência de simplificar as coisas: a invenção de opostos.

A oposição que existe entre bem e mal é a mais discutida por n razões. É mais ou menos de comum acordo hoje que essas são noções relativas. "O que é bom pra você pode não ser bom pra mim" é uma frase simples e pop que ilustra essa consciência. Entre o que os nossos pobres olhos classificam como claro e escuro existe uma série de nuances de faixas de luz que nem sonhamos em enxergar. Entre quente e frio existe uma gama de temperaturas que classificamos como morna, mais ou menos quente, mais pra quente, muito quente, etc... 

O ponto: entre homem e mulher é a mesma coisa. Não sou eu quem digo: é a observação a partir de uma banco da Praça do Ferreira. Visualmente já é difícil aceitar certos nivelamentos como o dos exemplos que eu dei acima. E parece que biologicamente a coisa e mais complicada ainda.

De vez em quando se fala em sexo biológico e sexo físico; em geral quando se trata de uma criança que teve o azar de nascer hermafrodita numa espécie tão complicada como a nossa. De vez em quando se fala que fulano é muito sensível e que cicrana é muito enérgica, é um macho. Todo mundo sabe que se um jovem forte e musculoso para de malhar e passa a tomar certos tipos de hormônios, mudanças interessantes irão com certeza acontecer... no seu peitoral por exemplo. Hormônios. Por fora há dezenas, centenas de maneiras de sermos homens ou mulheres, ou melhor ainda, sermos seres humanos - por dentro existem onze - foi o que li por aí: onze maneiras de as quantidades de hormônios masculinos e femininos se combinarem e se expressarem em forma de seres com pênis e cérebro de mãe; de seres com seios e vagina com vontades de garanhão...

Homem e mulher é uma maneira facilitadora que encontramos pra simplificar uma realidade que é bem mais complexa do que nos convém atualmente. De uma certa maneira ainda bem - se existisse uma palavra para cada um dos onze "gêneros" propostos, seria tudo meio complicado demais. Mas eles existem... e aí?

E aí que essa polarização, que é linguística, que foi necessária por muito tempo e facilita as coisas em muitos momentos, mas que passa por cima do biológico, está na raiz de muitos mal-entendidos... e mal-entendidos pra virarem ódio e agressão é um instante. 

Durante uma boa parte da história das nossas sociedades se considera a mulher um tipo de ser a parte, algo como um tipo de deficiência. É até normal se  usar definições negativas pra definir as qualidade femininas: a mais fraca, a mais dependente, a que têm menos iniciativa... Por quanto tempo não se viu nas mulheres apenas uma "qualidade": a de parir. Mulheres foram bruxas, e churrasco, e ainda são objeto sexual. Não que homens também nunca tenham sido - mas a ideia de mulher objeto é clara ainda na postura de uma boa parte dos homens.

Tudo começa nessa cisão: a oposição homem-mulher é tão forte que se esquece que existe um gênero humano. E esse é O Gênero. Um Gênero que se expressa de mil e uma maneiras, que cometemos o erro - hoje temos meios de entender que isso é sim um erro - de agrupar em apenas duas roupas, duas portas, duas fórmulas: homem, mulher.

Já disse que não gosto muito das coisas fáceis, e tentar fazer alguém aceitar que homem e mulher são conceitos culturalmente construídos não fácil, e que só consigo isso com aqueles que num ou noutro momento da vida se questionaram por exemplo sobre porque até certo ponto um ser humano é uma criança não importando o sexo, e depois desse certo ponto é um homem e uma mulher...? E mais que isso: se somos uma mesma espécie, como justificamos que tratemos de maneiras tão diferentes - e falo sobretudo para os seres humanos que se consideram pertencer à categoria "homem" - mulheres e homens?

Pensei em em escrever um texto exaltando as mulheres mas achei que isso seria trivial demais. E fácil. Metade do que sou, ou mais, é parte de uma mulher. Meu corpo, como todos os outros sete bilhões de corpos sobre este planeta, produzem hormônios femininos em doses equilibradas e contínuas. Em vários momentos da minha vida me senti, pelo menos psicologicamente, ou moralmente, ou eticamente, mais próximo daquilo que se convencionou chamar de femino do que daquilo que se convencionou chamar de masculino. Não penso que tenha a ver com sexualidade. É mais essencial do que isso. Eu sou um ser humano, e como todo animal, resultado da sua biologia (a razão também é resultado da biologia, do funcionamento do corpo: o cérebro é uma parte do corpo. Enfie uma agulha no cérebro e a sua moral e a sua ética e a sua "alma" ou vão sumir ou vão se modificar na hora mesmo). ..

Ah, eu me perdi. Isso acontece. Tudo é complicado demais. Só queria dizer que mulheres são seres humanos que injustamente, estupidamente foram mal tratados e vilipendiados com as justificativas mais aburdas possíveis - até Deus aderiu ao movimento machista, segundo certas figuras machistas de altas hierarquias de certas Grandes Instituições Milenares e Antiquadas... Esse seres humanos que nos mostram a maravilha da maternidade merecem todo o respeito. Se bem que o fato de haver um dia das mulheres e não haver um dos homens deve fazer pensar... Mas como já pensei e escrevi demais, uma flor para as minhas amigas, irmãs e mães - não importa de que sexo forem.

4 comentários:

  1. Essa rosa no final ficou muito piegas.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. No começo lembrei do Saussure,da relação significante e significado...mas depois parece que tu ingeriu alguma droga e não entendi mais...
    Women rule!

    ResponderExcluir
  4. A relação significante e siginificado na verdade não exaure nem abarca toda a questão. Epistemologia e identidade como problemas seriam mais fecundos...

    Essa discussão no Feitosa seria mais simples de fato...

    E vá dar... uma palavra aos seus amigos.

    ;D

    ResponderExcluir