quarta-feira, 6 de abril de 2011

Bolsonaro 2.0

Antes que Bolsonaro seja mumificado e esquecido numa tumba das pirâmides distantes e ignotas da memória curta do povo ao qual pertenço, gostaria de falar um pouco mais sobre esta pessoa.

Demonizá-lo é a coisa mais fácil do mundo, nesse momento. Ainda que um número considerável de brasileiros insista em segui-lo com a um Jesus do pântano, aliás, um jesus do lixo, uma boa parte dos seres humanos sensatos com que lido no dia a dia, é facilmente convencível de que Bolsonaro encarna um conjunto de características tais quais: o machismo, a misoginia, a homofobia, o racismo, o preconceito social, o falso moralismo, o amor pela hierarquia, etc, etc -  e que por isso é um ser humano odiável. Os que o veem como representante de uma honra e uma moral perdidas antes dos tempos apocalípticos atuais, são na verdade crianças que aceitam de um estranho balas coloridas com nomes bonitinhos como "família", "moral", "obediência", "decência". Tratam-se na verdade de drogas viciantes, que num primeiro momento enganam a sede dos retrógrados e dos cidadãos descontentes com algum aspecto da sociedade diversificada atual (liberdade sexual feminina, aquisição [a conta-gotas] de direitos civis por homossexuais, promoção da igualdade entre raças, etc); e que num segundo momento conduzem à dependência e à subordinação a um déspota ignorante, que se num dia fantástico e de terror, fosse eleito presidente, trataria de instaurar um governo tal que os mesmo que dizem que concordam com ele, rezariam pra uma bixa louca tomar o poder e acabar com as prisões, torturas e assassinatos que este senhor, em defesa das balinhas coloridas da moral, da família e da honra, poria em prática.

Pois muito bem. É um demônio? Não, é um ser humano que traz em si o histórico de sua vida. Não vou tentar fazer análises psicanalíticas, mas é óbvio que pra cada pensamento retrógrado e tradicionalista deste senhor deve haver uma explicação. Que deve interessar só às negas dele, porque me interesso mais particularmente nas consequencias das atitudes que uma pessoa dessa pode ter. Por isso me dirigirei - supondo que algum dia estas palavras serão lidas por um pró-bolsonaro - aos que não ficaram tremendo de raiva depois do vídeo da entrevista do político homofóbico e racista no programa CQC.

Antes de tudo, se olhe no espelho. Imaginem - apenas imaginem - calmamente, um calango chegando por cima do seu umbro e beijando sua nuca de forma sensual (imaginem!). 

Agora troquem na mesma cena, uma vaca. Hummmm...

E finalmente, imaginem uma pessoa do mesmo sexo. 

O que vc sentiu? Cócegas, nojo, prazer? Os fluidos fluíram nas regiões propícias? Adrenalina e outros hormônios viajaram na corrente sanguínea resultando em mudanças visíveis e invisíveis no seu corpo? Sim? Não?

Eu não quero saber a resposta. Não me interessa. Não me interessa nem a 1000 km de distância, nem a 10, nem se vc morar na casa ao lado. Que vc se excite com calangos, ou vacas, ou seres humanos do mesmo sexo, o que é que eu, na minha mera existência apressada de brasileiro que não desiste nunca, com todas as minhas contas a pagar, com toda a  minha casa pra limpar, pessoa amada pra cuidar, perguntas filosóficas e existenciais pra responder - pq eu haveria de me importar com o que vc sente ao imaginar ou mesmo por em prática esta singela experiência diante do espelho?

Pois muitas respostas são possíveis a essa pergunta que deveria ser retórica, muitas. Algumas dignas de consideração durante trinta segundos. Outras dignas de riso e outras dignas de homicídio. Vejamos algumas:

"Não é normal um homem se excitar com um calango": normal é um conceito inválido quando se quer convencer alguém de algo: não é normal uma pessoa ser muito feliz e espalhar felicidade de graça pra todos: alguém vai dizer que essa pessoa merece a morte? Normal diz respeito às normas e normas são humanos que fazem... então pulemos para:

"Deus (o mais tradicional de todos, o judaico-cristão, aquele de barba branca, do sexo masculino que os ocidentais têm na mente) não fez o homem para esse tipo de safadeza". Digamos que Deus tenha dito realmente isso. Quando ele disse? Através de quem? A resposta aproximada (partindo do princípio da validade de todos os pressupostos contidos na pergunta...) é que ele o fez há mais de três mil anos, e por meio de homens que se vivos hoje, seriam considerados representantes muito próximos dos homens das cavernas: os filmes de Holywood são sempre muito bondosos... São homens que trocavam de mulher como quem troca de celular. Que matavam a sangue frio quem não derramasse sangue de bodes ou vacas pro seu mesmo deus. Homens que dormiam com as filhas com a simples finalidade de procriar. Homens que reuniam exércitos para derrotar cidades de pessoas que nem queriam guerrear, mas que tinham como único pecado não serem... servidoras do mesmo deus! Esses homens são os que, vestidos com pele de animais, vivendo em cidades ou aldeias que nem de longe lembram o mundo em que vivemos hoje, escreveram, guiados por "deus" coisas como "não te deitarás como homem, etc"... voltando ao calango e seu beijo sensual, o que eu, na minha mera existência, etc e tal, tenho a ver com isso? A ideia é eu me vestir de pele de animais, tratar mulheres como vacas parideiras e matar um bode todo mês para agradecer a deus por ter matado meu vizinho muçulmano? Estou exagerando? Então é uma adoção seletiva das leis de três mil anos atrás? A parte que combina com ódios irracionais atuais é sagrada, mas a parte que não cai bem pode ser ignorada? Pois eis uma solução inspirada em Hollywood: cristãos fundamentalistas retrógrados, cansados da vida apocalíptica dos dias de Sodoma e Gomorra atuais, reúnam suas famílias (suas vacas, cachorros e gatos), se mudem para o pé da serra de Maranguape, e como naquele filme, a Vila, criem seu próprio mundo bíblico longe do pecado do mundo moderno - e todos seremos felizes para sempre...

Continuando:

"A biologia diz isso: o corpo masculino e o feminino se completam, etc, etc"

A barba foi feita para ser cortada? As axilas foram feitas para ser depiladas? As unhas? Pessoas com doenças cardíacas que só sobrevivem com remédios foram feitas para morrer aos 30 anos? O corpo humano vem ao mundo com um manual de instruções? Qual devemos seguir? O manual animal: que diz que mães famintas podem devorar filhos; ou que filhos famintos podem devorar os pais? Ou que a fêmea saciada sexualmente pode devorar o macho? Ou o dos golfinhos, leões, borboletas, ursos, pinguins, etc, que estabelecem relações homossexuais duradouras muito antes de Abraão pensar em escrever coisas homofóbicas?  Qual manual vamos seguir? O dos espartanos, soldados homossexuais que jogavam os filhos defeituosos fora pra conservar a beleza? Ou o dos romanos que tiveram apenas dois imperadores heterossexuais? Casais heterossexuais estéreis são obra do diabo? Toda relação sexual que não gere mais seres humanos é perversão? O manual muçulmano serve para o cearense médio? O nosso serviria para os gregos ou hindus clássicos? Um homem "completar" uma mulher sem o consentimento dela, ou "completar" uma mulher de doze anos incompletos à força é algo mais aceitável do que um homem completando outro por vontade, desejo e amor? Completar significa então: "introduzir o órgão sexual masculino no órgão sexual feminino com o objetivo de procriar, mesmo que eu nunca vá ser um bom pai, e que eu bata na mulher, e que eu me lixe pra sociedade e só pense em mim mesmo"?

Que tal um pouco de incompletude e de paz e amor?

É claro que há outras respostas à pergunta feita lá no começo. Todas não cabem aqui e nem na minha vontade de escrever. Só digo que quando seres humanos querem viver paz, eles conseguem. Esses tempos atuais são tempos de adolescência mundial humana em que vamos decidir quem somos: um imbecil preso a ideias antigas e que sempre nos atrasaram, ou adultos flexíveis, que aprendem com os erros e se abrem a novas possibilidades. Falar da humanidade como de um ser humano pode ser uma simplificação não muito operacional, mas nos dá a ideia de que os tempos de hoje são de mudança. Creio que pode ser a mudança para uma idade média nojenta onde uma maioria vai ser esmagada de alguma maneira por algum tipo de preconceito e apenas uma minoria vai viver feliz para sempre, dona da verdade e das leis; ou para um mundo mais amplo, onde todos podem decidir serem quem quiserem, contanto que não se faça mal ao próximo e cause o colapso da sociedade em que se vive.

Bolsonaro é um vândalo atirando pedras sobre o muro da civilização atual. Vândalos do lado de cá juntando-se a ele podem por o império moderno abaixo... metáfora trash. 

Ave Caesar! Ave maria! Minha nossa sinhora, que os deuses e as pessoas sensatas nos ajudem e se ajudem a não se tornarem minoria... amém. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário