sexta-feira, 27 de maio de 2011

Vende-se

Imaginem a cena:

Vc, caro leitor ou leitora ou tela de computador sozinha sem ninguém, é uma pessoa bem sucedida e tranquila. Vc tem uma bela casa, um belo jardim... mas um quintal pequeno - e mais, digamos que vc viva num mundo à la Petit Prince, ou seja, sua casa, seu jardim e seu pequeno quintal se situam num planetoide. Vc tem vizinhos. Acontece que esses vizinhos por diversas razões não são tão bem sucedidos como vc: sei lá, falta de know-how no gerenciamento do orçamento, troca constante de comando da administração planetoide, etc. E digamos que alguns desses vizinhos possuem planetas bem grandes, verdes, tropicais, fazendo o seu planetinha montanhoso parecer uma lua minúscula de Saturno...

E todos têm que ter sua hortinha, afinal temos que comer, assim como o Pequeno Príncipe. Acontece que vc tem família, que mora nos fundos, e alguns amigos no seu planetinha. Vc pra ganhar uma graninha vende pra alguns desses seus habitantes uns tomates, cebolas, batatas, feijão. Com a comida cada vez mais cara, vc depois de matutar um pouco descobriu que comprando um pedacinho do planeta dos seus vizinhos bobos cujos donos mal usam a fértil extensão dos seus domínios planetares, vc poderia produzir um tomatinho, uma batatinha, uma abrobrinha mais baratinhos para os seus amigos e familiares - e o mais importante, ganhar muito dinheiro com isso... O fato de que alguns ou uma boa parte dos habitantes dos planetas cujo potencial vc pretende explorar não tenham acesso a comida devido às ingerências dos administradores locais, é um mero detalhe - afinal, cada um com seu cérebro e manhas... além do que, a lei Universal-Comercial da Homeostase que governa todos os planetoides diz que o mais importante é manter o equilíbrio do sistema de escambo cósmico, sendo que os habitantes dos mesmos são secundários, ou terciários... Ah, e os alienígenas das Organizações não-Planetoides que lutam pelos direitos das formas de vida (como se estas fossem mais importantes do que os sistemas de troca inventados pelas próprias formas de vida! Ai que absurdo!) que sumam num buraco-negro!

A parábola termina aqui. Fazendo as substituições adequadas na historinha acima, vc vai ter o relato de mais uma pouca-vergonha que os membros da nossa espécie são capazes de praticar. Para mais informações, leiam isso. Para antecipar a expressão de suas emoções, acho que infelizmente vc vai se identificar com isso aqui.


Como exercício, sugiro os seguintes elementos para a substituição proposta acima: Suíça - China - Estados Unidos - arrendamento e compra de terras agrícolas em países pobres - governos locais mesquinhos - Serra Leoa - Brasil - Chade - Tanzania - lucro - negociações anti-éticas - risco e déficit alimentar - falta de vergonha na cara.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Esparsos

Antes de dormir às vezes leio Nietzsche. Ontem ele me disse algo como "se vc luta contra monstros todo dia, tome cuidado para não deixar que essa luta o torne um deles". Muito pertinente, ousaria dizer. E isso pede outra reflexão, de cunho extremamente pessoal e mais ou menos do tipo "inocência pueril": é estarrecedor (para a minha periclitante pessoa) como um ser humano pode cultuvar com tanto esmero a capacidade de ser... insuportável, e diria - mesmo com risco de parecer maniqueísta - de ser mal mesmo. É que aprendi com a minha mãe que as pessoas em geral só fazem mal às outras como fruto de um engano, ou desleixo, ou ignorância - não estava muito no meu escopo de como ser um ser humano, que uma pessoa pudesse gargalhar na penumbra diante do espelho maldades contra outra pessoa e estar consciente disso... E tudo isso apesar de ter sido vítima durante a infância de Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, Xuxa e o Baixo Astral - na verdade, a cena do assassinato do Lobo Mau sempre me incomodou, punição tudo bem, mas homicídio hediondo?... enfim. Não careço de um "benvindo ao mundo real, Neo", é que é triste quando se testemunha fatos corroboradores da ideia de que o homem pode ser satânico quando quer...


Mas para contrabalancear esses momentos de aprendizados desagradáveis, existem as ocasiões em que sorrisos e palavras suaves vindas de todo canto fazem bem a vc. Alunos, amigos, meros desconhecidos. É um refrigério, eu diria. E as emoções, as sensações que um simples dia como este podem causar num corpo como qualquer outro, é que me lembram o que em certos momento é tão fácil esquecer: que existir é muito interessante. E que se vc parar pra pensar, mas pensar mesmo, porém sem deixar de sentir, vc vê que sair verborrágico como Clarice Lispector ou Fernando Pessoa se torna fácil - pelo menos na imaginação... (olha, e é pq hoje nem vi beija-flores nem fui à praia).

E o amor exige muito de vc. É a mistura de uma planta, um bebê, um filme policial, uma novela mexicana do SBT e uma jóia. Tem que se cuidar todo dia; por mais que vc cuide e ame pode vir a se tornar uma criatura completamente rebelde e diferente de vc; é cheio de mistérios e "crimes'; pululam cenas piegas e melosas; cuida-se como coisa valiosa, um dia envelhece mas não perde a beleza... Yeiiii...

Quanto ao paradoxo do tempo, melhor não gastar mais que dois minutos com isso, por questão de praticidade e funcionalidade do quotidiano. (síndrome dos quase 30 talvez...)

"There is a light above our head" - quem disse isso? Madonna ou a Bíblia? Tanto faz.

Amanhã será um lindo dia - ok, meu lirismo também me constrange. :)

domingo, 1 de maio de 2011

Casamento real real

Falava-se do sacrossanto matrimônio muito antes de ele se realizar. E como não? Por mais antiga e defasada, a tradição exigia parece que um respeito tácito e obrigatório.

Os preparativos foram caros, a comoção e a ansiedade sentiam-se no ar - um ferormônio, uma coisa que fez todos e todas gritarem no dia em que pelas vias do país o casal real passou... Uma futura rainha, um futuro rei, os de sempre súditos, um reino... passa-se toda a vida ouvindo falar disso e voilà, bem na frente, como a materialização de sonhos passados de geração em geração desde que o tempo é tempo, as núpcias da realeza, belos, nobres, um tanto eternos...

Ela, linda como exige a natureza do processo. Ele, idem. As questões do futuro da nação, das dificuldades por que o povo e sua administração passa, são detalhes que ficam em suspenso durante esses momentos tão importantes... 

Então, nos minutos mais mágicos e decisivos de todos, o macho e a fêmea se encontram no ar, porque criaram asas antes de saírem dos formigueiros - uma transformação hormonal que faz de uma simples formiga numa rainha alada e de um incomum macho (porque a maioria das operárias são fêmeas estéreis) num rei provisório. A rainha fecundada então, depois de voar mais um pouco (se não for capturada por seres humanos famélicos que a chamam de tanajura) pousa no chão em busca de uma nova terra, de um novo começo - onde cavará o seu reino, do qual será a nova soberana, e do qual, em questão de semanas, sairá um exécito de formigas que exercerão seus afazeres repetitivos até que todo o processo se repita, pelos séculos dos séculos, até o fim...

Kof kof, é claro que William é bem mais bonito do que a formiga macho em questão, o mesmo, e mais, podendo se dizer de Kate. A diferença é mais dramática também: se o casal real de Homo sapiens inglês morrer agora, milhões ou bilhões de outros espécimes de Homo sapiens chorarão, digamos, durante algumas horas ou minutos, e falarão da coisa por mais uns meses ou anos. Mas se o casal real da formiga morrer e por uma hecatombe não improvável, o mesmo acontecesse com todos de sua espécie - imaginemos todas as formigas mortas num átimo - todos os ecossistemas do planeta entrariam em colapso, e além de chorar, os sete bilhões de Homo sapiens sapiens teriam aprendido tarde demais uma grande lição... ou não... e nem me perguntem qual...

E pra quem achar a eco-moral acima exagerada demais saibam que as formigas compõem 20% de toda a biomassa animal terrestre; que elas participam na reprodução de milhares de espécies de árvores e de outros insetos - sem os quais praticamente todas as espécies animais (como nós) não poderiam viver nunca e jamais. Já Kate e William...

Se vc encontrar esta formiga acima, pode pisar com força - o mesmo só faça às demais quando necessário.