Esse nosso anseio pela vinda d’”eles”,
dos Outros, daqueles que não conhecemos e que são diferentes de nós; daqueles
que vão nos curar da nossa solidão cósmica, mesmo que seja por meio do
assombro, do terror instintivo do desconhecido. Histórias geniais têm sido
contadas por pessoas ótimas nessas últimas décadas, histórias que usam nosso
desejo por contato como pano de fundo pra alegorias mais profundas e eloquentes.
A Chegada é um dos melhores desse
tipo de ficção.
Começa com um drama: uma mãe, uma
filha, uma doença e uma morte. Esse início já anuncia que não se trata daquele
thriller clichê em que alienígenas chegam em shows pirotécnicos à la Hollywood
pra satisfazer o amor pop e catártico atual por explosões e destruição. A câmera
sempre descendo devagar, as cores frias, fazem parecer que
a coisa é séria, e a casa da protagonista, sua forma de falar, o ritmo
ascendente e lento, mas vigoroso, da narrativa, dão um ar lúgubre, reflexivo,
porém vivo a tudo que se vê – é uma combinação forte e intrigante.
E depois da pequena tragédia
pessoal do começo, eles chegam. Elegantíssima a forma como o roteirista mostrou
seres de outro planeta, pô-los na frente de cientistas, mas sem no entanto
dizer muito sobre eles. E mais elegante e surpreedente é a forma como os
alienígenas são apresentados: não são uma super raça louca par se impor e
gargalhar pra trás empinando o nariz: são seres que querem (e precisam,
vitalemente) se comunicar. Esse, aliás, é o núcleo de A Chegada: comunicação –
aliás, a falta dela. Ian, o físico, quer metralhar os Ets com perguntas
técnicas sobre a inegável ciência avançada deles; Louise Banks, uma linguista, quer
entendê-los primeiro, falar com eles. A objetividade militarizada mórbida
americana toda hora esbarra na sutiliza humanista – também objetiva - , da Dra
Banks, que, como um tipo de embaixadora da humanidade, quer se aproximar dos
Heptapods numa relação baseada na confiança, na igualdade; os cientistas
militares não: só se interessam em entender a tecnologia alienígena, como
chimpanzés hidrofóbicos temendo paranoicamente um ataque iminente.
Confiar ou atacar? Se abrir ou se
defender? Entender ou se proteger? Como confiar em alguém cuja língua vocÊ não
fala? Mas como aprender a língua de alguém de quem você não quer se aproximar?
O questionamento não tem muito de sofisticação e complexidade – num mundo em
que muros são erguidos entre povos do mesmo continente, e que povos invasores
não toleram receber os ex-invadidos, matando-os, assistino-os se afogar, não
ouvir o Outro é um erro crasso esfregado na cara ao longo de toda a história de
a Chegada. A dra Banks é inteligente, bem humorada, humilde e sensível. Ian, o
físico, se rende, intelectual e afetivamente à genialidade da mulher, que, para
alegria dos miçangueiros de humanas, se torna a linguista que salva o mundo…
A gravidade também é sutilmente
aludida como algo chave na evolução dos Heptapods, numa conexão instigante com
o tempo: a teoria da não-linearidade temporal diluída por todo o filme ecoa Nietzsche,
budismo, hinduísmo e física quântica. A relação da liguagem dos Ets com isso
tudo, apesar da forma relativamente simplista apresentada na história, é lógica
e entra bem na mente da maioria dos espectadores. O final é surpreendente,
apesar de dicas serem dadas desde o meio do filme. O diálogo final entre dra
Banks e os Hetapods, apesar de curto, tem uma beleza estética brilhante…
E é um filme que exala
espiritualidade. Quase que literalmente, a noção de karma é enunciada pela Dra –
e o encaixe com toda a ciÊncia e o drama vividos na história, faz o karma soar
lógico, inevitável e, ao contrário do que normalmente se pensa, indolor.
É uma história linda, que acalma,
faz pensar, faz querer viver e reviver momentos incríveis da sua vida – sejam de
alegria ou tristeza, prazer ou dor.
É daqueles raros filmes onde tudo
é necessário… Uma história elegante, sem presunção, mas que consegue falar de
amor, morte e vida sem ser clichÊ, sem ser chato, sem ser piegas.
Vejam (eu vi cinco vezes no
cinema…).
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