sábado, 30 de junho de 2012

A vida de uma pessoa


A pessoa acorda.
A pessoa tira as remelas dos olhos.
A pessoa pensa por segundos profundos que a água gelada que enche o copo pode ter sido bebida um dia por algum filósofo do passado... (Momento "somos pó de estrelas" e etc...)
A pessoa toma o café pensando no andamento do dia.
A pessoa sai para trabalhar e lamenta as horas perdidas que muita gente vai gastar no ônibus ou no carro, enquanto que aqueles passarinhos são tão livres (a pessoa tem rasgos poéticos esparsos durante o dia de vez em quando).
A pessoa dá bom dia e recebe bom dia da metade das outras pessoas.
A pessoa trabalha.
A pessoa sorri.
A pessoa liga para a pessoa amada e se sente menos estressada.
A pessoa pensa na vida dali a cinco anos durante o almoço (antes a pessoa prepara o almoço).
A pessoa volta ao trabalho.
A pessoa chega em casa feliz por ter cumprido 80% dos deveres pessoais.
A pessoa faz faxina segundo as circunstâncias exijam.
A pessoa sai com amigos no fim de semana.
A pessoa dá o lugar pra velhinha no ônibus e dá a vez pro apressado no cruzamento.
A pessoa não joga coco na praia nem lixo no chão.
A pessoa se espanta com os preços no supermercado e maldiz o governo por pegar 37% do seu dinheiro todo mês.
A pessoa espirra e se esforça pra que o espirro não atinja ninguém.
A pessoa dá descarga sempre.
A pessoa sorri a um bebê sorridente nos braços de uma mãe e se sente inexplicavelmente feliz.
A pessoa se lembra da infância.
A pessoa se lembra das pessoas que perdeu.
A pessoa dorme de uma vez e acorda tarde.
A pessoa tem momentos de vingança imaginária onde sangue e carne queimam.
A pessoa pensa bem, respira fundo, xinga mentalmente e vai viver a vida e etc.
A pessoa ouve piadinhas.
A pessoa vê outras pessoas dizendo que a pessoa vai pro inferno.
A pessoa fica possessa de ódio mas respira porque senão sai endoidando por aí.
A pessoa chega cansada em casa.
A pessoa liga a TV ou o computador e outras pessoas que se dizem santas vilipendiam a vida da pessoa.
A pessoa se indigna e pede paciência aos deuses.
A pessoa de vez em quando é esfaqueada.
A pessoa protesta... e outras pessoas protestam contra a pessoa pq a pessoa quer ser como qualquer pessoa.
A pessoa de vez em quando recebe socos na cara.
A pessoa fica com medo.
Mas a pessoa acha um absurdo e jura não ficar quieta.
Outras pessoas acham um absurdo a pessoa achar um absurdo ser esfaqueada de vez em quando por ser a pessoa mesma, e fazem marchas contras pessoas que querem se casar com pessoas.
As pessoa pira.
A pessoa quer mandar todo mundo pra... pessoa que o pariu.
Mas a pessoa respira e prefere fazer abaixo-assinados e votar nas pessoas certas.
A pessoa mais uma vez, em algum lugar do Brasil, leva uma lâmpada fluorescente na cara pq estava de mãos dadas com outra pessoa.
A pessoa tem medo.
A pessoa se pergunta, sem entender, pq é tão difícil para tantas pessoas aceitar outras pessoas do jeito que elas são, já que ninguém morreu, ninguém perdeu, ninguém roubou.
A pessoa se pergunta: PORQUE?
A pessoa é um assassino?
A pessoa é um ladrão?
A pessoa é um político corrupto?
A pessoa é um padre pedófilo?
A pessoa é um pastor que lidera igrejas de pessoas muito pobres mas que usa rolex e tem vários carros caros?
A pessoa sai de casa em casa perguntando o que as pessoas fazem a dois ou três ou quatro na cama?
A pessoa é Jesus Cristo pra levar na boa tentar ser uma boa pessoa e todo dia ser tratada como sub-pessoa?
A pessoa é louca?

NÃO, diz a pessoa.

A pessoa é gay.

E..?

A pessoa é simplesmente uma PESSOA, *ORRA!



terça-feira, 12 de junho de 2012

Para formigas e abelhas

Sim, é um dia como os outros - e por isso mesmo, um bom dia pra dedicar uma coisa que se pensou ser bonita ou bonitinha para a pessoa amada:

Não achei o título ainda, mas seria algo como "Eu te amo da cabeça aos pés" ou "Gosto até dos seus defeitos" ou "Olha, amor, que eu fiz pra vc..." ou "Leia e pelo menos finja que gostou".

Gosto do seu azul me olhando assim,
Dos toques vários de vermelhos da flor da pele
Do de dentro 
Que sai ora sol,
Ora chuva, ora amor, ora a morte.

Eu gosto do ninho desfeito nas tempestades nossas,
Que depois calmos fiamos pra mais tarde e pra mais noite.

Gosto quando os deuses bebem do sangue das nossas tragédias,
E embriagados morrem de rir se decompondo
Em borboletas ou cacos de vidro,
Pra conceder a graça do perdão no telefone.

Gosto das marcas do lençol no rosto,
Da noite toda na boca,
Da órbita lenta dos gestos recém amanhecidos,
Da falta do bom dia de ter nascido.

Gosto do dia mitológico da criação de Nós,
Das voltas doidas que o mundo nos dá,
Da gente tonto às vezes de existir
Procurando a mão do outro no escuro.

Eu gosto da saudade e dos nãos,
Das mãos, do cheiro e do pelo.
Gosto desse riso bobo na cara séria demais,
Gosto dos desgostos compensados no gosto do corpo,
Da forma e do tamanho do abraço.

Gosto do gosto da lágrima e do sorriso,
Dos demônios que educamos
Dos medos mal domados sob a cama.
Eu gosto dos cheiros todos dos momentos,
Do relógio que oscila e dá as horas,
Da impressão de apocalipse,
Da sensação de eternidade.

Gosto da nossa terra
Com seus mares
E desertos
E montanhas
E abismos,
Floresta verde, pedra nua
Campos, cactos, fomes, farturas
E estações de loucura
Primavera ou inferno ou tons de verão na praia,
Nunca sábios como num fim,
Sem a inocência do começo:
É assim que quero,
que gosto, 
que vivo,
que amo.


sábado, 26 de maio de 2012

É bom porque eu gosto ou eu gosto porque é bom?

"Ai, que fundamental é o jazz, não?"

As razões que se apresentam pra justificar a idéia de que gosto não se discute em geral têm a ver mais com diplomacia ou com preguiça intelectual e estética (seja lá o que for esta última) do que com uma reflexão sincera e objetiva sobre o assunto. Trocar figurinhas lógicas sobre o que faz bem esteticamente a um e outro, a mim me parece algo no mesmo nível de fazer comentários sobre o filme que se acabou de ver.

Ouvi ou li uma definição de belo que considero eficaz e agradável pela sua simplicidade: normalmente dizemos que algo é bom, belo, bonito quando experimentamos uma sensação de bem-estar diante do objeto em questão. Acho genial ligar bem-estar psíquico e físico à apreciação que chamamos estética ou artística: puxa de volta pro domínio do corpo e das sensações aquilo que um punhado de chatos tenta elevar ou seqüestrar para inalcançáveis domínios técnicos, metafísicos e abstratos.

Não ousaria vomitar aqui teorias sobre arte ou estética, mas arrisco dizer duas ou três coisinhas sobre o que acho que sinto quando digo que alguma coisa me agrada ou me repugna:

Desde sempre teóricos da arte julgavam que o seu tempo, a sua época era de decadência. Pegando a Poética de Horácio, passando pela Idade Média e pelo Renascimento, sempre se ouvirá da boca dos artistas a palavra decadência, equívoco, apocalipse, fim dos tempos... Hoje não é diferente, e o fato de que nunca na história do planeta tantos seres humanos produziram tanta música e imagens e outros objetos artísticos, talvez exagere essa impressão de que vivemos tempos áridos, de fim de mundo, para a arte...

Valeska Popozuda, Restart, Bjork, Lady Gaga, Beatles, Michel Teló, Gretchen, Roberto Carlos, Lenine, Ana Carolina, Bonde do Tigrão, The Verve, Sigur Rós, Ceguinhas de Campina Grande, Mia, Juanes, Massive Attack, Louise Attaque, João Gilberto, etc, etc... Pessoas que cospem sons, batem superfícies, acionam alavancas e manuseiam mecanismos eletrônicos pra produzir música. Em alguns ouvidos esses sons produzem sensações boas, em outros, início de ataques epilépticos. Sendo seres pensantes, somos capazes de criar teoria sobre toda e qualquer coisa, e quanto mais conhecimento se tem, maior será a capacidade de combinar num discurso coerente idéias sobre qual ritmo, letra ou melodia é esteticamente elevada ou válida ou não. No entanto, não há teoria ou cartilha artística que vá fazer um coração sincero bater mais devagar quando ouve um funk ou Beethoven. Alguém já foi convencido a sentir prazer? É possível implantar no corpo de alguém o gosto por alguma coisa, no sentido de esse gosto vir de fora? Sem subestimar os poderes dos mecanismos condicionantes behavioristas, num dado momento pontual e específico, ou se gosta de algo, ou não. Claro que se pode passar a gostar de algo que antes se detestava – mas está implícita a idéia de que não foi a música ou o quadro que mudou, e sim a “mente”, o “coração”, a sensibilidade.

De forma que – como explicar que aquela musiquinha chatinha de algo insuportável tenha se tornado uma coisa boa, bonita, bela? Simples: se o grupo de amigos considerar os novos gostos mais aceitáveis do que os de antes, é claro que a resposta para essa pergunta será: meu gosto evoluiu, refinou-se. Claro, claro. Adequou-se, digamos. Então a música era boa antes e depois de um percurso de melhoramento apreciativo vc descobriu, deu-se conta, abriu os olhos para a beleza inerente, para a grandeza estética dos sons?
Aham.

Se uso a palavra “belo” para aquilo que me faz bem aos olhos, ouvidos, nariz e pele, e sou inteligente o bastante para produzir uma teoria que justifique o porque da”beleza” desse objeto, não é um abuso lógico afirmar que tal beleza se encontrava no objeto antes de eu vê-la nele? “A beleza está nos olhos de quem vê” nunca foi uma frase tão lúcida e legal. Se uma peça de mictório num dado momento passou a ser considerada obra de arte, afirmar que a “beleza” intrínseca foi descoberta não seria um pedantismo narcisista bobo, uma tentativa cínica de os seres humanos se enganarem ao atribuir valor de verdade a uma apreciação circunstancial e vulgar? Todas as nossas teorias da arte meio que tentam, no fim das contas, desesperadamente distanciar a cena de japoneses fotografando a Monalisa no Louvre da cena de um chimpanzé em êxtase diante de uma Barbie decapitada com vestido vermelho: bem-estar psíquico – e portanto físico – do mesmo jeito.

Aí ainda vem nego no meio da noite e das mesas montar para si um pequeno palanque com garrafas e koffs koffs intelectuais e cheios de desprezo, e afirmar que: “Blá blá blá. Blá blá blá, Etc e tal co co co, co co co – e por isso sou superior e mais lúcido, pois aprecio o que é bom – palmas discretas para mim”. Ou melhor ainda: cria-se uma roda de escárnio diante de objeto X, amado por pessoa Y, e dois ou trÊs especialistas em estética se dão ao prazer patético de blá blá blá co có co, reduzindo o objeto X amado por Y a um punhado de cocô.

Não, eu não defendo o caos e o relativismo – nem os fundamentalísticos “tudo é bom” ou “tudo é uó”. Não acho que Valeska Popozuda e Michelângelo se equivalham em suas performances artísticas. No entanto, os seres humanos que os apreciam/detestam em tese sempre se equivalem enquanto tais. Se não sou nem obrigado a andar de mãos dadas com os adoradores de Restart ou dos Beatles, nem por isso vou fazer rituais tupinambás de canibalismo emocional no melhor estilo “tenho 12 anos e minha mochila é melhor do que a suaaaaa”.

Que para alguns ou algumas Os Pholhas sejam superiores/inferiores a Gretchen (que uns causem crise de risos e outra de alegria) é completamente aceitável; MAS que alguns e algumas se achem essencialmente superiores aos outros porque sabem o que é belo e bom e bonito, é algo que se responde com um pulquérrimo e sonoro “Vá pra p*t* que pariu”.

Alguém discorda de que essa frase dita naquele tom de satisfação e catarse profundas seja uma coisa BELA?



Eu sei. You’re upper.