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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Não toque no meu deus


Eu quero acreditar que para apenas 0,0000025 das duas ou três pessoas que me leem muçulmanos são pessoas morenas com turbante na cabeça, que falam uma língua cheia de Ls e Rs e que vivem empunhando rifles sob um sol escaldante...

Diante do que se vê hoje na mídia, de fato é difícil visualizar a Era de Ouro árabe, tão admirada por pessoas como Jorge Luis Borges, quando a Europa era um continente primitivo e sujo que queimava pessoas, enquanto que os muçulmanos possuíam obras filosóficas clássicas, e tinham azulejos limpos, e produziam grandes nomes da medicina e na química. As Mil e Uma Noites, esse clássico incrivelmente belo e complexo, que mostra um universo no qual, mesmo sem saber, muitos de nós já vivemos, são praticamente impossíveis de evocar ao vermos homens-bombas explodindo, ou monstros disfarçados de manifestantes  religiosos estuprando um embaixador ameriano antes de assassiná-lo...

Uma frase como “nem sempre os deuses existiram” seria bombástica demais e inútil em relação ao que queria dizer; outra como “os deuses nunca exigiram tanta dor e morte” também seria inútil, além de mentirosa. Então passemos pra outra: “Que deuses são esses?”

No mesmo instante, haveria certamente quem protestasse dizendo: “Questione os que seguem esses deuses, e não os próprios deuses...”. Pois muto bem, ao invés dos deuses questionemos os crentes  (até porque estes são os únicos aos quais se têm acesso imediato... pelo menos em tese...)

Um suposto filme, chamado A Inocência dos Muçulmanos, teve um trailer de 15 minutos ressuscitado no youtube (sim, pois o vídeo se encontrava lá desde junho) há duas semanas: conta a história de um Maomé explorador de menores e violento, bem longe da imagem do profeta amado e adorado por mais de um bilhão de pessoas. Todos vimos na mídia que isso foi o bastante pra inflamar uma infitamente pequena parcela dessa população, mas suficiente pra fazer um bom estrago em vários países do mundo. Eu, pessoalmente, acompanhei os comentários online que as pessoas que acabavam de ver o vídeo faziam na página do youtube, a maioria extremista dos dois lados: americanos ignorantes e muçulmanos tão ignorantes quanto: as palavras de ordem eram de puro e surpreendente ódio, uma incompreensão mútua que num primeiro momento dava pena, depois medo e depois um certo desespero...

Intocáveis 2: "Não pode debochar!"*
*Tradução livre, leve e solta
Dias depois, uma publicação satírica francesa, Charlie Hebdo (por favor, não pronunciem, como os jornalistas daquele triste canal de comédia política, Globo News... o correto é char-lí heb-dô), publica, meio ineptamente, uma charge retratando o profeta Maomé... E isso pra quê? Pra jogar lenha na fogueira? Essa é a primeira hipótese, que foi a minha. Eles queriam apenas vender mais exemplares, pois são, como os próprios declararam ao Le Monde, gente de extrema esquerda que apenas procuram fazer algo engraçado. Pois sim. E me pareceram sinceros, apesar de um pouco inconsequentes. E o que fazemos com gente inconsequente? Estupramos, prendemos e queimamos, num é não?

Eis o ponto: se os árabes já representaram o que havia de mais avançado no passado, muita coisa aconteceu entre os séculos XIII e XXI, muita coisa mesmo, inclusive petróleo, Estados Unidos, Rússia e cia, com muita dose de ganância, cinismo, impiedade, racismo... Não se pode esquecer o papel de Israel na equação toda: não é a primeira vez que se vê na história o perseguido se tornar o perseguidor...

Enfim, muita água correu e o que temos é o que mais vemos: violência, extremismo... mesmo que praticados por uma minoria: sim, pois é uma minoria que queima carros, que degola cidadãos, que oprime seus pares. Mas é uma minoria organizada e articulada, que sabe cultivar e canalizar ódios e rancores seculares na hora certa: e é isso o que acontece agora. No mundo árabe, é bom lembrar que nem todo mundo tem acesso à mesma quantidade de informação a que temos aqui num país como o Brasil: o trailer do filme A Inocência dos Muçulmanos, que mais parece um episódio tosco do Chaves, tirado do contexto e propagado em tom de ódio, foi muito bem utilizado pra incendiar multidões de homens e mulheres que saíram às ruas gritando palavras de ordem de uma simplicidade absurda: ABAIXO A AMÉRICA...

Voltando aos editores e desenhistas do jornal francês Charlie Hebdo: há pouco tempo atrás, minha postura pessoal seria a de condená-los por sua inconsequência e balançar a cabeça até com raiva contra esses doidos irresponsáveis que só querem ver o circo pegar fogo... Mas, sinceramente, mudei de ideia.

Fui a Paris há dois meses e as coisas que vi lá me disseram coisas: me disseram que árabes e muçulmanos são pessoas respeitáveis e que têm todo o direito de abandonarem seus países arrasados pela cobiça e ingerência das antigas metrópoles, para virem viver nos países europeus... Mas tb entendi que um eterno ressentimento não pode servir de justificativa ou explicação válida permanente para todo tipo de reação ou ação destrutiva por parte de grupos oprimidos, com ou sem aspas.

Sim, lá eu vi ou senti um certo racismo no ar entre os franceses “de verdade” e os de origem árabe (mútuo, por falar nisso). Senti sim que a igualdade no país da declaração dos direitos humanos é ainda uma utopia. Mas tb senti outra coisa: há uma “vontade de não sair do lugar”, um desejo de “ser como somos e ponto final” que perpassa o ânimo desses mesmos oprimidos (sem aspas nenhumas). A postura de “sou assim e vc tem que me respeitar mesmo que isso inclua machucar pessoas de vez em quando” seria mais um abuso do direito a ser quem se é do que algo que realmente se grita nas ruas de Paris, sobretudo nas da periferia. Mas é esse abuso do direito a ser que é usado para justificar mortos e feridos nos protestos que vemos no mundo todo; é esse abuso do direito de ser que quer calar a boca dos desenhistas e editores do Charlie Hebdo; é esse mesmo abuso que faz com que uma instituição muçulmana chamada OIC queira que a ONU inclua na declaração dos direitos humanos a punição à blasfêmia...

Blasfêmia, punição, deuses... Isso lembra alguma coisa? Inquisição, Idade Média...?

Pois é. Respeitar toda e qualquer religião deve sim ser dever de todo cidadão, brasileiro, americano, etc. Mas temos que escolher entre os modos que podem ser utilizados para se responder a um ato de desrespeito: na maioria dos países ocidentais, trata-se de procurar um advogado e entrar com um processo. Este parece ser um modo adequado para a maneira que a nossa constituição brasileira nos propõe viver: cidadãos pluralmente constituídos vivendo em paz e harmonia (que toquem harpas...). Porém, o Extremist Arabian Way of Punishment não condiz com o que se pensa ser mais aceitável, e por isso, talvez um pouco mais de visão crítica sobre as manifestações induzidas pelos extremistas muçulmanos seja necessária.

Tratar os revoltosos religosos como crianças medievais que podem tacar fogo em tudo e que devem ser acariciadas em vez de punidas parece ser tão eficaz quanto condená-los de maneira sumária e intolerante, como o fazem evangélicos fundamentalistas americanos e brasileiros. Estes, aliás, se julgam bem acima daqueles, deplorando o ódio dos homens queimados de sol de rifles na mão... Mas olhe em volta, ou melhor ainda, olhe pra televisão: os homens de terno diante de multidões sustentam ideias que são muito parecidas com as dos extremistas muçulmanos quando falam das religiões dos outros: “Não podemos deixar ninguém tocar o nosso deus”, “Nossa fé é a única e verdadeira”, “Estamos em guerra contra os ímpios”, “Nosso deus não admite outros deuses”... É como se víssemos um espelho... mas há uma diferença: aqui neste país, como na França ou nos EUA, a lei não é religiosa pq existe um estado laico. E isso faz toda diferença. Por mais que um Malafaia da vida declare em alto e bom som que “os católicos deveriam descer o cacete nos gays”, isso fica apenas nos seus sonhos, em que provavelmente ele mesmo faria isso com trajes de sadomasoquismo... Mas (por enquanto) ele não ousaria pôr suas ações de amor ao próximo em prática.

E porque seria aceitável que muçulmanos, que creem num deus muito parecido, senão o mesmo, de cristãos e judeus, façam lá o que Malafaia quer fazer aqui?

Mesmo que os desenhistas franceses tenham de fato jogado lenha na fogueira, é bom saber que a fogueira queimaria de qualquer jeito: parece que enquanto Ocidente e mundo árabe não encontrarem um caminho que resulte numa maior intercompreensão, sempre haverá pirômanos prontos pra matar seus compatriotas em nome dos deuses, a fim de manter um pouco de poder.

O que queria dizer mesmo é que: deuses podem até ser intocáveis, mas os que causam dor e morte em seus nomes, não. E estou falando tanto da mulher-bomba que explodiu há dois dias quanto do jovem cristão presente na Marcha da Família que jogou uma lata de refrigerante na cabeça de uma moça homossexual que passava próximo...

sábado, 30 de junho de 2012

A vida de uma pessoa


A pessoa acorda.
A pessoa tira as remelas dos olhos.
A pessoa pensa por segundos profundos que a água gelada que enche o copo pode ter sido bebida um dia por algum filósofo do passado... (Momento "somos pó de estrelas" e etc...)
A pessoa toma o café pensando no andamento do dia.
A pessoa sai para trabalhar e lamenta as horas perdidas que muita gente vai gastar no ônibus ou no carro, enquanto que aqueles passarinhos são tão livres (a pessoa tem rasgos poéticos esparsos durante o dia de vez em quando).
A pessoa dá bom dia e recebe bom dia da metade das outras pessoas.
A pessoa trabalha.
A pessoa sorri.
A pessoa liga para a pessoa amada e se sente menos estressada.
A pessoa pensa na vida dali a cinco anos durante o almoço (antes a pessoa prepara o almoço).
A pessoa volta ao trabalho.
A pessoa chega em casa feliz por ter cumprido 80% dos deveres pessoais.
A pessoa faz faxina segundo as circunstâncias exijam.
A pessoa sai com amigos no fim de semana.
A pessoa dá o lugar pra velhinha no ônibus e dá a vez pro apressado no cruzamento.
A pessoa não joga coco na praia nem lixo no chão.
A pessoa se espanta com os preços no supermercado e maldiz o governo por pegar 37% do seu dinheiro todo mês.
A pessoa espirra e se esforça pra que o espirro não atinja ninguém.
A pessoa dá descarga sempre.
A pessoa sorri a um bebê sorridente nos braços de uma mãe e se sente inexplicavelmente feliz.
A pessoa se lembra da infância.
A pessoa se lembra das pessoas que perdeu.
A pessoa dorme de uma vez e acorda tarde.
A pessoa tem momentos de vingança imaginária onde sangue e carne queimam.
A pessoa pensa bem, respira fundo, xinga mentalmente e vai viver a vida e etc.
A pessoa ouve piadinhas.
A pessoa vê outras pessoas dizendo que a pessoa vai pro inferno.
A pessoa fica possessa de ódio mas respira porque senão sai endoidando por aí.
A pessoa chega cansada em casa.
A pessoa liga a TV ou o computador e outras pessoas que se dizem santas vilipendiam a vida da pessoa.
A pessoa se indigna e pede paciência aos deuses.
A pessoa de vez em quando é esfaqueada.
A pessoa protesta... e outras pessoas protestam contra a pessoa pq a pessoa quer ser como qualquer pessoa.
A pessoa de vez em quando recebe socos na cara.
A pessoa fica com medo.
Mas a pessoa acha um absurdo e jura não ficar quieta.
Outras pessoas acham um absurdo a pessoa achar um absurdo ser esfaqueada de vez em quando por ser a pessoa mesma, e fazem marchas contras pessoas que querem se casar com pessoas.
As pessoa pira.
A pessoa quer mandar todo mundo pra... pessoa que o pariu.
Mas a pessoa respira e prefere fazer abaixo-assinados e votar nas pessoas certas.
A pessoa mais uma vez, em algum lugar do Brasil, leva uma lâmpada fluorescente na cara pq estava de mãos dadas com outra pessoa.
A pessoa tem medo.
A pessoa se pergunta, sem entender, pq é tão difícil para tantas pessoas aceitar outras pessoas do jeito que elas são, já que ninguém morreu, ninguém perdeu, ninguém roubou.
A pessoa se pergunta: PORQUE?
A pessoa é um assassino?
A pessoa é um ladrão?
A pessoa é um político corrupto?
A pessoa é um padre pedófilo?
A pessoa é um pastor que lidera igrejas de pessoas muito pobres mas que usa rolex e tem vários carros caros?
A pessoa sai de casa em casa perguntando o que as pessoas fazem a dois ou três ou quatro na cama?
A pessoa é Jesus Cristo pra levar na boa tentar ser uma boa pessoa e todo dia ser tratada como sub-pessoa?
A pessoa é louca?

NÃO, diz a pessoa.

A pessoa é gay.

E..?

A pessoa é simplesmente uma PESSOA, *ORRA!



quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Porque ele só fala disso?

Cena 1:

Ela sempre quis ser médica, e ele, advogado. Se conheceram por acaso numa festa e a pele morena dele e a pele branca dela se atraíram de um jeito que dois meses depois, no auge de uma primeira fase de descobertas recíprocas, não se descolavam e se aqueciam em suor que parecia prendê-los um ao outro como dois bichos. Não era lá aquele casal bonito, mas muito simpáticos e contentes, e tão conectados, que amigos seus solteiros se sentiam ou muito mal ou muito bem em sua presença.

Ele tinha um pai que possuía dinheiro mas que exigia que os filhos trabalhassem, e ele trabalhava. Ela não tinha pai e ajudava a mãe em casa com o dinheiro dos seus sucessivos estágios e, no fim, com seu emprego público. Ela era brilhante, ele, esforçado... O retrato perfeito de mais um casal semi-perfeito, candidatos ótimos para uma felicidade de duração possivelmente indefinida...

Pois muito bem.

Numa linda noite chuvosa, num restaurante que frequentavam desde os tempos de faculdade, comemoravam dois anos de uma história bonita. Ele estava barbeado e seu perfume deixava a menina tonta e despudoradamente querendo... Ele era a paixão em pessoa. Ela o via correndo com os filhos num jardim verde. Olhos brilhantes e o coração cheio daquela segurança boa de saber que alguém te quer pra quase sempre (ou pra sempre, como reza o romantismo pop), deram-se as mãos num gesto... lindo.

Foram repreendidos por um garçom de bigode, pois ali era um bar de família.

Cena 2

Meio contra a vontade das respectivas famílias, foram morar juntos aos 18. Viveram uma história um tanto turbulenta em que ciúmes criavam cenas que iam do engraçado ao quase-trágico. Mas se amavam, isso via-se mesmo nas palavras mais duras usadas mais para se defender de uma solidão que não tinha na verdade probabilidade nenhuma de acontecer, tal era a vontade de serem mais do que um.

Ela era a que não valorizava papeis e suas frases legais pomposas. Ele queria alianças e rituais. Foram meses inteiros de discussão até ela ver que o papel tinha sim o seu valor, não em si, mas no contexto das coisas: mais ou menos como uma certidão de nascimento para uma criança: nenhum hospital ou escola iria duvidar de que ali havia uma criança de verdade, existente e respirando de vida, mas nos sistemas da república e de seus elementos burocráticos, papeis eram necessários pra se garantir algumas facilidades merecidas pra quem decide não morrer sozinho.

Pois não é que foram impedidos de se casar no papel como todo mundo porque não sei quem tinha escrito, há uns 3000 anos, que duas pessoas adultas só podiam se amar, e portanto, casar-se, se tivessem filhos e mais algumas características específicas?!

"Mas aqui não é o Irã!", argumentava ele para amigos e paredes, "O Brasil não é um país Mitraico (religião dos que seguem Mitra, o salvador da Igreja de Mitra, cujos sacerdotes são conhecidos por, há alguns séculos, terem matado milhares de pessoas para salvá-las, flertarem com regimes eugenistas e ditatoriais e abusarem sexualmente de crianças confiadas por seus pais à salvação garantida pela Igreja...)!"...

Foi aí que ela passou a querer se casar de qualquer jeito.

Cena 3

- Ah, já entendi, ele vai dizer que com os homossexuais é a mesma coisa e que eles sofrem muito... Mas não é a mesma coisa. Existe uma ordem no mundo, existe um modelo a ser seguido. Jesus ama tudo e todos, mas odeio o pecado e...

Cena 4

"Eu não vou enlouquecer, eu não vou enlouquecer, eu não vou enlouquecer..."

domingo, 18 de setembro de 2011

Como tornar-se um homofóbico de carteirinha

Mais uma no esquema psicologia reversa, método psico-bio-histórico-sócio-pato-pedagógico de ser hipócrita ao contrário com pretensões de autoconhecimento indireto e ao mesmo tempo crítica ácida e tresloucada...

Que seja, então:

Ao contrário do que se pensa, se tornar um homofóbico de carteirinha não é das coisas mais simples. O processo é longo e cheio de agruras e peripécias. Mas com as minhas dicas, a via crucis que resulta na formação de uma personalidade conflituosa, contraditória e belicosa tornar-se-á certamente mais fácil de se entender, aprender e apreender. Allons-y.

Primeira coisa: lembre-se da sua infância. Focalize na imagem daquele menino que falava fino (como todos os outros meninos da escola aliás) e que todos chamavam de gayzinho; lembre-se de como ele ficava só, ou então acompanhado apenas pra ser esculachado pelos outros colegas, no meio dos quais vc entrava, já que só havia duas possibilidades, como seu pai mesmo tinha ensinado: ou é homem ou é mulher, ou é branco ou é preto, ou é deus ou o diabo – se vc não é macho, é bichinha, e uma bichinha na família, nunca! Ainda se lembre da cara de medo do coleguinha de voz fina e de como seria um pesadelo ser como ele, fraco, perseguido e estranho!

 Lembre daquele rapazinho na quinta série que só tirava nota boa, que era o queridinho dos professores – e era bicha. Lembre que mesmo quando vc estudou até altas horas da noite, ele ainda assim ficou em primeiro lugar no ranking imaginário de melhores notas: aquele VIADO!

Mas talvez vc tenha sido uma criança religiosa que estudou em escolas religiosas. Então esconda no fundo da sua memória aquele dia em que o meninozinho bonitinho passou a aula toda olhando pra vc e vc sem querer sonhou com ele fazendo brincadeiras que os seus amigos machões não considerariam muito másculas. Apague da sua memória ou então simplesmente reformule: “aquele viadinho nojento me contaminou com o seu pecado, etc, através de forças mentais, blá, blá, blá” – e lembre-se de como só possuía duas armas pra lutar contra essas forças demoníacas: ou deus ou um murro na cara. Se vc escolheu deus, sabe que hoje vc é um ardoroso defensor da moral e da vergonha na cara – pois “se eu, quando adolescente, consegui vencer as tentações abjetas da carne enviadas pelo Cão através do viadinho, então todos os homossexuais também conseguem! O fato de às vezes eu olhar durante mais de cinco segundos com desejo pros glúteos de um homem, e de vez em quando, ter um ou outro sonho com pessoas do mesmo sexo, não quer dizer nada! Apenas que o diabo sempre tenta as pessoas de bem e que eu estou no caminho certo!”.
Já que homossexuais são homens que querem ser mulheres, ao menor sinal, nem que seja o menor e quase imperceptível, e mesmo imaginado, sinal de afeminamento em algum amigo ou colega seu, solte uma expressão qualquer que o acuse explicitamente, fazendo sempre menção ao ato sexual, já que homossexuais são pessoas que fazem sexo e apenas isso, mesmo que eles trabalhem, sejam pessoas simpáticas e legais – mas são gays: tão errados quanto ladrões (embora gays não roubem pessoas), tão nocivos quanto viciados em drogas (mesmo que não haja vício nenhum nem façam mal nem a si nem a ninguém)... enfim, não seja complacente – um amigo que desmunheca na sua frente hoje sem vc falar nada, é o homossexual de amanhã que será mais um pra atazanar seu juízo e sua sexualidade correta e que corre tantos perigos no dia-a-dia!

Outra regra de ouro para se tornar um homofóbico exemplar: mesmo se vc, por falta de rigor, por acaso ou por desleixo mesmo, for menos bem sucedido do que um homossexual no trabalho, nunca aceite tal coisa, e considere esse revés algo absurdo e inadmissível! “Eu, passado pra trás por um viado ou uma lésbica nojenta? Não!” Se vc não puder torturá-lo no ambiente de trabalho com piadinhas e olhares de escárnio e ódio, faça isso na sua igreja ou no fim de semana: se vc for menor de idade, junte uns amigos e altas horas da noite bata com uma lâmpada fluorescente no rosto de um viadinho que estiver passando na esquina; se vc for de maior, faça a mesma coisa, mas com máscaras; com os irmãos da igreja, organize uma “marcha pela família” levando 9 faixas com as palavras inferno, ódio e pecador, e uma com a palavra amor.

Se vc tiver perdido sua mulher pra outra mulher, não vá conversar com um amigo bom e legal ou com um psicólogo – nem tente conhecer outra; antes, tente acabar com a vida da ex, xingue todas as lésbicas que vc vir na rua e mais uma vez, cogite a idéia de criar um grupo de Moralização Violenta da Sociedade Brasileira. As marchas pela família heterossexual e fundamentalista também vão fazer vc se sentir menos enojado pelo casamento desfeito por causa do pecado e da perversão homossexuais.

E por mais que algumas religiões e pessoas sábias digam que devemos entender e aceitar o próximo, faça de tudo pra se lembrar daquilo que duas pessoas do mesmo sexo fazem na cama! É nojento! É inaceitável! É sujo! Como entender essas pessoas que fazem tudo do que vc religiosamente foge, ou pq odeia ou pq tem medo de querer fazer também? Não, compreensão tem limite, amor ao próximo também. Mesmo que a vida sexual seja algo que diga respeito a cada um, o que homossexuais fazem é de domínio público! Porquê? Vc não precisa saber nem explicar, é assim!

Outra regra: homossexuais não são como nós, pessoas normais e equilibradas: eles, como são dominados pelo pecado, têm uma alma resistente, não podem ser feridos psicologicamente – como poderiam, se escolheram deliberadamente fazer imundícies com os seus corpos? Por isso a ênfase na violência física – a dor um dia há de abrir a mente dessas pessoas para o que é certo.

E mais: mesmo que 99% dos assassinos, estupradores, ladrões, políticos corruptos, viciados em drogas, pessoas deprimidas e etc, sejam heterossexuais, todos sabem que homossexuais são de modo inato inclinados  ao crime e a tudo o que é ruim – ainda que o padre da igreja seja pedófilo, a vizinha ultraconservadora seja alcoólatra e o pastor tenha tido um casinho com uma menina muito novinha, são os homossexuais que são os grandes pecadores!

Se vc for mulher, não tolere que todos os amigos homossexuais de suas amigas tenham namorado e até mesmo maridos (é o fim do mundo!) se vc, que é uma mulher de verdade, bonita, meio descuidada, mas MULHER de verdade, e não uma bicha, não tem nem um fica! Isso não pode acontecer, a ordem correta do mundo não é essa! E mais: grite pra todos a verdade óbvia e ululante: que todos os males do amor de que as mulheres sofrem são culpa dos homossexuais! Solução: piadas e fofocas no trabalho, confusão na rua com viados descaradamente felizes, mais marchas pela família, etc, etc.

Pra finalizar, vc não será um homofóbico ou homofóbica eficiente se não souber contrabalancear um volume enorme de pseudo-argumentos religiosos com uma dose de argumentos pseudo-científicos divulgados por sociedades ligadas ao Vaticano, por exemplo. Treine também o modo seletivo de analisar as mídias e a literatura sobre o assunto: dê preferência à Bíblia e textos de advogados, pedagogos, psicólogos e psicanalistas que tenham tido algum problema com pessoas homossexuais no passado de suas vidas. Não hesite em chamar alguns amigos que consigam escrever sem cometer muitos erros de sintaxe e de ortografia para divulgar nas listas de contatos de e-mail textos apocalípticos sobre a moral decadente do mundo de hoje, mascarando a questão do ódio aos homossexuais com idéias feministas e pseudomoralizadoras. Também nunca perca a oportunidade de relacionar pedofilia à homossexualidade: mesmo que a escola da sua filha tenha subido no ranking do ministério da educação depois que aquele professor gay ter se tornado diretor, uma mentirinha por uma boa causa é sempre bem-vinda!

Enfim, não tolere que os homossexuais conquistem direitos. Todo mundo sabe que a sua vida não vai mudar em nada, sua vida sexual não vai nem melhorar nem piorar, nem vc vai ganhar mais ou menos dinheiro; é uma questão de princípios morais: aquele casal homossexual não tem o direito de se casar e correr o risco de ser mais feliz do vc é no seu casamento sem graça!

Bem, ser um homofóbico de verdade não é fácil. Mas o caminho do céu (ou do Bem, ou da Moralidade, ou das Coisas Corretas e Direitas) não é fácil... como ser feliz na moral e na ética enquanto pessoas que vão pro inferno conseguem ser felizes sem fazer mal a ninguém?