sábado, 26 de novembro de 2011

A vertigem da burrice

Não, não se trata de, como diria um Bóris Casoy acadêmico "Ele, do alto dos seus textículos...", prescrever um manual de identificação de pessoas burras e não-burras. Ousando me auto-citar, num post anterior disse coisas que acho que não são consideráveis completamente idiotas sobre saber e não-saber, e sobre as questões éticas e existenciais que isso envolve.

Na verdade, é que o número 7 000 000 000 me comove. Me comove mais pensar que há dez anos era 6 000 000 000. Pra ser mais exato me dá vertigem: eu, preocupado com a minha limitada e complexa existência, e infinitas pessoas por aí com a mesma preocupação, inquietações, confabulações, etc, etc. Realizar que pensamentos como "eu quero", "eu amo", "eu odeio", "tô de saco cheio", "tenho razão", "vão se las*ar", "Gozei", "Não gozei", "Sou *oda", "Não sou f*da" e outras agruras e doçuras humanas, se repetem bilhões de vezes todos os dias, todos os minutos e todos os segundos, é algo que cansa.

Borges disse alguma coisa como que os espelhos e a cópula são abomináveis porque multiplicam a tragédia humana (as palavras não são exatamente essas). Comparar espelhos à cópula já é uma coisa incrível; o conteúdo da afirmação revela um sentimento que pode ir de uma misantropia básica a um ecologismo blasé. Nos nossos dias penso que nos sentimos forçados a entender Borges - talvez não sua suposta e aparente misantropia, mas é que, ecologismos histéricos à parte, essa história de que onde cabem cinco bocas de meninos europeus sorridentes cabem 7 bilhões só pode resultar em *utaria mesmo.

Aí vc pensa na variedade de seres humanos sobre a face deste planeta. Os felizes, os patéticos, os genocidas, os religiosos, os não-religiosos, os cínicos, os doces, os ingênuos, os famintos, os obesos, enfim - toda aquela miríade de caracteres dos quais cada um de nós deve conhecer a milésima parte. Antes de lavar os pratos (ou justamente numa tentativa de evasão a isso) a pessoa, reflexiva e com uma nuvem negra na cabeça, pensa: como o ser humano X (Malafaia, Bush, Serra, Xuxa, Bashar Al-Assad, Fulano), num mundo já nada fácil como esse, pode ser tão cretino/estúpido/arrogante, em suma, MAU, enquanto que eu sou tão legal/equilibrado/simpático, em suma, BOM? 

Aí então, de dentro da nuvem negra sai um demônio que por acaso tem auréola e asas de anjo acompanhados de cascos de bode e rabo de serpente, dizendo: "Jura? Jura mesmo?" Sem a necessidade de o anjo-demônio dizer mais nada, repito a mim mesmo a frase anterior, trocando vítimas por acusados... e em seguida me sinto terapeuticamente menos BURRO.

Mas também não é sobre quem é *oda que estou pensando. É sobre deixar os outros em paz. É sério: homens sábios em todos os tempos disseram coisas lindas e profundas, dentre as quais, algumas eu considero, senão meus mandamentos pessoais, minhas sugestões éticas pessoais. "Não matarás" e cia têm seu valor; essa não é a questão. Um judeu (ou um muçulmano) quer matar um bode na porta de casa pra receber uma visita ou quer matar duas rolinhas e dois pombinhos pra purificar uma mulher menstruada? - eu seria capaz de gravar isso e publicar no youtube achando super digno e divertido. A Dona Maria X ou o seu Zé Y querem passar a noite na igreja gritando e no dia seguinte entregar todo o seu salário mínimo nas mãos de um pastor, e ainda me chamar de coisas se eu ousar fazer algum comentário? - tudo bem, seria deselegante, mas minha vida continua. Jovem rapaz XYZ ou moça bonitinha querem se casar pra ter seus filhos, dar-lhes nomes estranhos e viverem pseudamente felizes para sempre? - eu mesmo penso que viverei assim (com algumas adaptações técnicas, claro).

Mas então, eu, mão no queixo, talvez sentado na privada, me perguntaria, singelamente perguntar-me-ia: com que direitos, por acaso, o judeu, ou a dona Maria X, ou o jevem rapaz XYZ vão, num belo dia de sol, saírem da sua casa, pra bater na minha porta (isso é uma metáfora - pode ser um passeio no shopping, na praia, na rua, uma declaração na TV, no congresso, etc) e dizer que: eu vou pro inferno OU por uma questão semântica a pessoa que eu amo e eu não formamos um casal OU eu deveria ter vergonha na cara OU eu sou uma pessoa doente OU eu posso até ser uma pessoa legal mas há um vazio na minha vida OU eu sou antinatural OU etc...? Pq q EU sairia da minha casa pedindo pra averiguar o tamanho e profundidade dos umbigos dos meus vizinhos, amigos, inimigos e colegas e ver se eles são iguais ao meu? Pq eu seria contra que o menino HXZ vestisse uma blusa de bolinhas amarelas ou gostasse de introduzir em certos orifícios (como a boca) pepinos ou bombons de café? O QUE EU (na minha necessidade urgente de lavar uma tonelada de roupa e rever minha família em Campina Grande) TERIA A VER COM ISSO?

Isso é clichê - eu sei, eu sei... N'importe quoi.

 Então, pra encerrar e parar de dizer mais do mesmo, acho, apenas acho, que se AMAR AO PRÓXIMO é uma frase que, apesar de simples, dá margem a tantas interpretações (que incluem até MATAR e INFERNIZAR), quem não consegue pô-la em prática, poderia tentar essa aqui ó: DEIXAR O PRÓXIMO EM PAZ, QUIETO, NO CANTO DELE, ASSIM COMO EU FICO EM PAZ E QUIETO NO MEU.

Não é lindo? Não seria bonito se todos seguissem esse mandamento? Estou quase certo de que beija-flores e borboletas pousariam todo dia na minha janela e as pessoas seriam mais felizes, menos impotentes biográfica e sexualmente, se estressariam menos, teriam mais tempo de trabalhar suas limitações em vez de tentar derrubar os outros... enfim, contradizendo o que disse no primeiro parágrafo, DEIXANDO OS OUTROS EM PAZ, o número de pessoas consideradas burras iria diminuir drasticamente.


Amém.







domingo, 13 de novembro de 2011

La Piel que Habito

A metade do filme é classicamente Almodóvar: a cor vermelha, reflexões visuais sobre o corpo, menção à animalidade do homem, sexo direto e indireto, um pouco de sangue, de suspense, de tragédia e pitadas de trash. Quando começa a cansar, aí Almodóvar lembra porque é chamado de gênio, e num jogo surpreendente e desestabilizante nos faz engolir goela abaixo os restos de preconceito que ainda alguns ousam ter quando se fala de ser ou não ser alguma coisa... 

Compartilho da sede de investigação e da agonia do diretor espanhol a respeito do que é ser um homem, do que é ser uma mulher. As soluções que ele encontra pra expressar as imprecisões e limitações do pensamento humano sobre o assunto são únicas e poderosas.

Popmente falando, eu diria que Rafinha Bastos e cia (misóginos defensores do estupro) deveriam urgentemente ver esse filme. Ou talvez não - sairiam do cinema dando as risadinhas histéricas que se ouviram de meia dúzia de pessoas que estavam a fim talvez só de algumas cenas de homossexualidade com reflexões existenciais diluídas em piadas mais ou menos leves...

Talvez La Piel que Habito não tenha o ritmo de Kika ou a extrema poesia de Hable con Ella - mas é mais incisivo, mais sexual e reflexivamente penetrante do que qualquer outro.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Adorável fim do mundo

Esperar pelo fim do mundo se tornou um clichê (e eu tenho uma relação pessoal conflituosa com o clichê, seja na literatura, no cinema, nas cenas do quotidiano, nas aventuras e desventuras da vida...), ainda mais nessas últimas décadas de doidice eternamente pré-apocalíptica. O fim de uma coisa é o fim de outra e etc.

Blá-blá-blás à parte, ter nascido no começo da década de 80 nos proporciona a vivência de muitas mudanças dignas de nota: globalização, internet, capitalização do mundo. Fico pensando no mundo que as crianças de hoje aprendem na escola ou vão aprender em breve: não há mais dois pólos, União Soviética e EUA; a Europa não é tão rica assim; o futuro do Brasil não está mais tão longe; não se tem mais vergonha de se declarar a centenas de pessoas que vc acabou de tirar uma catareca do nariz – e por aí vai.

O mundo dá voltas – dizem uns com mais ou menos amargura do que outros. A China faz exigências a uma Europa esmoler; os EUA, tb não muito longe de pedir por favor um real pro pão, flertam com o fudamentalismo; homens ambiciosos que têm como única ocupação profissional apostar na falência de empresas e países por meio de especulações imundas e cínicas ganham mais dinheiro do que eu e todos os meus amigos do Facebook ganharemos durante toda a vida (sobre especulação financeira, procurem urgentemente um documentário chamado Inside Job – e prepare o nariz de palhaço e a máscara à la V deVingança).

Eu fui criado e educado de uma forma a me sentir bem com mudanças, e acho que até geneticamente tudo o que é rígido e excessivamente tradicional pra mim cheira a mofo. Portanto, no mundo de abelhas humanas inquietas de hoje, me sinto relativamente bem. A ansiedade e o stress dos nossos tempos de colméia capitalista suja é a parte ruim do processo, e precisa ser resolvida – até porque a abelha número 7 bilhões nasceu alhures, e todos sabem que o mundo não é só flores... na verdade a maioria dos seres humanos deste planeta quando pensam em felicidade só pensam em ter água e comida à noite...

Amanhã uma pedrinha de 400 km de extensão e pesando milhões de toneladas, batizada de Yu-yu-yu-youtube - na verdade é só 2005 YU55 - vai passar raspando pelo nosso periclitante planeta sugado e exaurido. Legal. Um pouco de drama: ele foi descoberto há 6 anos e desde então sua órbita e tamanho foram revistos 2 vezes: para maiores tamanho e proximidade. Talvez seja por isso, só por precaução, que uma agência governamental americana, a FEMA, agendou um mega teste de resposta a tragédias a nível nacional, que vai parar o país via rádio e televisão no dia... 9 denovembro... Só pra ter certeza tb e não dar gosto ao cão, uma agência europeia vai fazer um teste de alarme contra tsunamis no dia... 9 de novembro.

Ah, mas essa teoria da conspiração tb é um clichê...

E na manhã do dia 9, quando eu disser “Bom dia sol!”, ele vai responder como sempre com seus raios lasers fustigantes e invencíveis, no mais patético clichê do mundo.

J