domingo, 16 de outubro de 2016

Bate-papo com o Mar


De Camões à Björk, de Clarice a Clara Nunes, muita gente já falou do mar. Essa massa d’água gigantesca, e para fins de escala individual humana, infinita, mexe com todos os que com ela se deparam. Ou se reencontram - pra falar poeticamente; já que cientistas e a cantora islandesa concordam, e à sua maneira, louvam, o fato de todos os seres vivos serem descendentes, ou filhos, da primeira celula que se originou em algum momento, em algum lugar, nos oceanos (Maturana fala em vários lugares, em vários momentos, mas whatever, já deu pra entender o sentido místico-científico da coisa).

Há pouco mais de um mês, simplesmente redescobri o mar. Não que tivesse sido uma pessoa que detestasse praia e, do nada, caísse de amores pelo horizonte à beira-mar Na verdade, sempre adorei água – dos tempos de criança gritando na piscina e engolindo água salgada no mar, até esses árduos dias de adulto, sou do tipo que só sai da água quando os dedos estão enrugados e rudimentos de membranas entre os dedos estão surgindo...

Não, a tranformação foi de status: antes mar era pragmaticamente diversão: um quase acessório a uma barraca de praia cheia de amigos e regada a refrigerante, cerveja e camarão; e também, era conceitualmente a materialização dos laivos místicos que nutro a partir das minhas leituras de budismo: o mar como símbolo da união de tudo e todos... Pois bem, de um mÊs pra cá, parece que o conceito se amplificou e meio que se tornou real mesmo. Status: mar é tudo.

O sabor da água, o sal diluído das rochas chicoteadas ao longo de bilhões de anos por água vinda de outros lugares do universo – sal que faz você flutuar, na melhor versão para pobres de gravidade zero; o movimento das ondas, o sol, o céu... O quadro todo pintado é de paz, extrema paz. Eu precisaria ser um poeta dos bons pra descrever a sensação de estar no mar, de estar sendo massageado pelas mesmas águas que sobem dos abismos oceânicos, que entram e saem pelas guelras de bilhões, trilhões de peixes, que embalam as crias de golfinhos, baleias, polvos, moreias; águas que diluem (e formam) o sangue, o suor e as lágrimas de alegria e de dor de bilhões de pessoas ao redor do mundo; água que lambe a terra em ondas e tsunamis, que arde em lavas de vulcões, que quase esmaga na pressão seres inimagináveis nas trevas eternas que se escondem a milhares de quilômetros do plâncton que nada incessante perto da luz do sol... Ok, não tem como não ter ataques poéticos ao falar do mar – pelo menos pra mim, e pra alguns outros amigos e desconhecidos com que tenho compartilhado esses momentos de epifania marinha e êxtase aquático.

Os movimentos incessantes que as águas pedem toda hora quando se está no mar são como uma dança continua, suave, quente. Você descansa, e luta, e se alegra , se frustra, se afaga e compete consigo mesmo: boiar, nadar, respirar, engasgar, sorrir, suspirar – é uma sequência de estados e atitudes que, inevitavelmente, vão formando um mapa na sua cabeça, que, por sua vez, se transforma numa metáfora pra Vida (violinos, please): a vida é como o mar. Isso mesmo: é isso que penso quando estou sob a luz do sol, nadando: a vida é isso: infinita, clara, generosa, muito possível, porém exigente: você não pode parar ou se distrair demais, senão a onda que te ajuda num momento, pode te levar pra baixo num outro; é isso que penso quando nado à noite, tendo como fonte de luz os refletores da Praia de Iracema: essa é a vida, assutadora, misteriosa, horizonte escuro, escondendo sabe-se lá o quê no espaço d’água logo abaixo... Como é possível? O mesmo mar que tanto alegra durante o dia, que ajuda a bronzear à luz do sol, à noite, essas mesmas águas, mornas mas agora anoitecidas, despertam no fundo do seu cérebro medos ancestrais que gritam, e pior ainda, sussurram, com o barulho da água no ouvido, nas pedras e no corpo: ameaça, fim, fuga, terror. E a metáfora então prossegue: mas a Vida também é isso: é ameaça e medo, e exigÊncia do autocontrole. Mas quem é que te manda ir nadar à noite? Acho que a resposta é aquele desejo produzido pelo dia, de ir além, de superar os proprios temores, de aprender a viver com o oculto e o desconhecido... Até porque é uma doce ilusão achar que só porque o sol brilha e arde fazendo o dia, temos o controle e sabemos de tudo...

Tá vendo como todos os pensamentos vão dar no mar?

Epifanias e filosofias à parte, nadar faz bem: praticmaente toda a musculatura é forçada a existir em sua melhor forma, é convocada a ser tudo que pode ser. Boiar também é uma terapia, das melhores aliás. Fora que água do mar limpa tudo, unhas ficam ótimas. O humor muda, é mais fácil permanecer calmo (mesmo quando trrinta alunos decidem, mesmo que inconscientemente, destruir sua aptidão ao amor e à paciÊncia...) e você, definitivamente, dorme melhor.

É uma das melhores descobertas que pude fazer depois dos trinta: mar é diversão, é esporte, é terapia, é autoconhecimento, é metáfora construtiva, é paz, mesmo quando a onda esfrega sua cara na areia – o mar faz tão bem, que mesmo a areia na cara e na sunga acabam servindo pra ensinar aguma coisa... tipo: antes a cara na areia que na BR... ou, antes na sunga que em outro lugar.

La mer, j’adore.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Pokédemônios existem?

É do cão? Um monte de gente doida no parque correndo atrás de pegar um bicho que nem existe! É de deus? Uma guria réa foi procurar um Pokedemônio na beira de um riacho e achou foi um cadáver humano em decomposição...


Diabo, Pokémon, deus... Nem vou entrar na árdua e espinhenta discussão sobre o que é realmente real.

Mas podemos entrar numa discussão sobre o que é realmente funcional.

Antes de fazer careta contra os doidos correndo pela rua em busca de entidades virtuais visíveis apenas na tele de um celular conectado à internet, olhe em volta, aliás, olhe diante de você: pra tela que reflete uma parte do seu rosto e, sobreposto a ele, essas palavras, esses ícones. Há quanto tempo sua vida depende do que aparece nessa tela? – e não falo só como instrumento de trabalho, mas como instrumento de existência.

A questão do real vs imaginário é velha e mais básica do que a gente pensa. Nossa civilização só existe, na verdade, devido à nossa capacidade de inventar histórias, e principalmente, à capacidade de acreditar nessas ficções. Tem um cara muitointeligente que explica isso de um jeito lindo, fácil, bonito e até excitante (intelectualmente) – e vou falar dele num post específico. Mas a questão agora é: a ideia de Estado, de Igreja, até a de torcida organizada (sem falar de outras como deuses, etc) são todas invenções, no sentido de que nem sempre existiram; se não existiam antes do homem, então é porque foram concebidas, inventadas. Mas isso não é nada demais – isso é ótimo: nosso cérebro precisa disso. A mesma criatividade que nos faz inventar uma piada ou uma história pra fazer rir é a que nos faz criarmos ficções mundiais como “Somos um só”, “Todos são iguais”, o crédito bancário, o mercado financeiro, etc. A mesma necessidade de confiar na palavra das pessoas mais próximas é a que nos faz irmos ao cinema assistir um filme feito inteiro de forma digital – nós vemos verdade, aprendemos lições e nos inspiramos pra viver até no que não é de verdade de verdade.

Mas aí uma pessoa perturbada pergunta: e o que é real? Outra, mais perturbada ainda, responde: se você pensa que uma coisa ou história é real, trata essa coisa como real e vive como se ela fosse real, então ela é real – e mais: se centenas, milhares ou até bilhões de pessoas se comportam como se essa coisa fosse real, então pronto: temos aí uma realidade eleita democraticamente.

O que isso tem a ver com Pokémon? Porque os ultracríticos vão logo em cima do aspecto irreal da coisa: pokémons não existem, e é uma pouca vergonha sair correndo atrás de bichos que não existem. Para essas pessoas: meu povo, é um jogo – é uma brincadeira; um jogo diferente, claro: trata-se de realidade aumentada: objetos do mundo virtual são projetados no mundo real – o que pode lembrar um pouco a esquizofrenia – mas como já sabemos que todos somos, em medidas mais ou menos funcionais, esquizofrênicos, Pokémon não traz assim tanta novidade.
Na verdade, a questão central é: excessos. Facebook (quer coisa mais criadora de realidades falsas que isso?) demais faz mal; whatsapp demais faz mal; até água pode matar. O diferencial do Pokémon enquanto jogo é a invasão clara e explícita no mundo real físico: uma coisa é a pessoa gastar horas cultivando uma fazendinha na tela do celular (isso sim eu acho doente), quieta, sentada, fingindo que está trabalhando; outra coisa é aparecer um Charmander (Pokémon de fogo) perto da cozinha de uma lanchonete e você saltar da sua cadeira e sair correndo atrás dele com o celular na mão. Nos dois casos temos doidices (criancice, ridicularidades, falta do que fazer, como você quiser chamar) – mas em um deles, uma dessas coisas fica mais óbvia.

Para tudo há limites. E mesmo depois de duas semanas do lançamento, já começam a aparecer tentativas de imposição de limites aos caçadores de Pokémon: não é nada sensato entrar no Museu do Holocausto à caça de um Pokémon tóxico... Ou sair em grupos atrás de novas conquistas no meio de uma cidade que sofreu um atentado terrorista grave, como é o caso de Nice, na França: pra evitar cenas patéticas como a de Nova York num período de luto nacional, a própria empresa responsável decidiu adiar o lançamento do jogo no país.

Limite, bom senso, etiqueta gamer: não tem nada de mágico ou demais quanto a isso. Os chatos de plantão que reagem com desprezo a tudo que faz adultos se perderem em momentos lúdicos como crianças, please: levantem a mão aqueles dentre vocês que nunca tiverem perdido horas da sua existência alimentando uma cobrinha nos celulares da Nokia, ou cutucado alguém numa rede social sem nunca ter visto essa pessoa na vida...




Pokémon, go sim – mas com calma.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Suicídio coletivo em câmera lenta

Aquela velha história: se você visse um amigo seu, na sua frente, pegar uma arma e colocar na boca (como se fosse fazer um sexo oral bem destrutivo) e dizer “Estou me matando, adeus!”, você não pensaria duas vezes antes de arregalar os olhos e vomitar o discurso mais efetivo do qual você dispusesse pra convencê-lo de como a vida é bela, etc e como aquela atitude é estúpida e tal. Mas se em vez disso ele fosse poluindo os pulmões com fumaça, ou sujando o cérebro e o fígado com álcool, ou outras partes do corpo com outras drogas, o discurso seria mais light ou talvez mesmo inexistente...

Elizabeth Kolbert se põe na segunda situação, mas num plano mais amplo: é como se ela contasse a história de outras pessoas que destruíram, ou tiveram suas vidas destruídas, por comportamentos errados e/ou tragédias fatais. No caso, tratam-se de cinco grandes extinções ocorridas no planeta, desde que a vida surgiu; cinco grandes eventos de assassinatos em massa de quase todas as espécies vivas. É como se por cinco vezes, a vida no planeta, com quase todos seus ecossistemas na terra, no ar e na água, tivesse sido resetada, a biosfera formatada, forçando a Vida a uma nova atualização.

Em algumas dessas vezes, a formatação se originou com impacto de meteoros, ou por mudanças climáticas lentas mais implacáveis, que acabaram por envenenar oceanos, esquentar ou esfriar o planeta de uma forma tal que quase tudo o que era vivo, simplesmente moh-reu. A autora conta a história das tragédias biológicas da Terra com detalhes e da forma mais completa e acessível que a pesquisa científica permite. Porém o foco dela, como o título do livro diz, é a sexta grande extinção, causada por ninguém mesmo que... essa espécie arrogante de macacos sem pelo que vota em Bolsonaro...

Não dá pra saber até que ponto, nos dias de hoje, as pessoas, o seu zé da bodega ou o Antônio do curso de Letras ou o apresentador robótico e fingido do telejornal ou o trabalhador anônimo no ônibus ou metrô, levam a sério a tal da “questão ambiental”. Estar consciente das várias merdas que estamos fazendo com o planeta que nos pariu e nos sustenta, parece ser algo que, em níveis variados, todo mundo faz. Porém, da mesma forma que um fumante ou um alcoólatra sabe que está vacilando e que, mais cedo ou mais tarde, a Vida vai cobrar pela forma com que trata o próprio corpo, esse suicídio em slow motion que estamos cometendo não parece alarmar tanto quanto devia os moradores dessa casa chamada Terra, o terceiro planeta, a bola azul...



O discurso ecológico frequentemente se reveste de uma aura piegas e chorosa - e não vou cair nessa armadilha aqui. A questão na verdade é simples e clara e, em tempos de internet, só não vê quem não quer o tamanho da nossa burrice em relação ao que somos (mais uma espécie entre milhões de outras, que depende de praticamente todas as outras) e ao que estamos fazendo conosco mesmos e, sobretudo, com os demais animais. 

Pra quem cresce aprendendo que nós somos os fodões do planeta é meio difícil engolir a ideia que precisamos - vitalmente -, por exemplo, das abelhas, que são responsáveis pela polinização de milhares de espécies vegetais das quais nos alimentamos – simplificando: sem abelhas não tem comida. Ainda mais: apesar de todo mundo saber que cagar na casa do vizinho é coisa de criança malcriada, nossos oceanos recebem toda hora, todo dia, milhões de toneladas de lixo, e que o dióxido de carbono liberado pelas nossas indústrias e carros se dissolvem na água do mar, fazendo com que a água se torne a cada ano mais ácida... todos os peixinhos bonitinhos (Nemo e Dory) e os feinhos também, e outros bichos que ninguém nem sabe que existem, vão morrer, morrer, morrer... Aliás, já estão morrendo. Os corais estão desaparecendo. Sapos e pererecas sumindo. Mosquitos e besouros se mudando de onde não deviam e causando estragos terríveis aonde chegam... A lista de bostas feitas pelo Homo sapiens é enorme – leiam o livro se quiserem ter uma ideia.

A impressão que se tem é que você pode esfregar um Avatar mil vezes na cara das pessoas que o máximo que vai acontecer é uma reflexão tristonha que dura alguns minutos no cinema e que não vai resultar em nada mais que um papo profundo sobre o fim do mundo, entre amigos... 

Esse post aliás, integra esse “nada mais que”... De modo que se os kbytes que o constituem sobreviverem e, casualmente, forem lidos por algo ou alguém (as baratas que evoluírem depois do nosso unhappy end, ou alienígenas que visitarem as ruínas dos nossos monumentos), serão um atestado, ao mesmo tempo, da consciência que tínhamos de como éramos inteligentes o suficiente pra saber o que estávamos fazendo conosco – mas imensamente mais burros por não transformar esse conhecimento em ação inteligente...


Que se foda. Detesto baratas mas torço por elas.


quinta-feira, 30 de junho de 2016

Bergier: conspirações, controle mental e ciência

Sob a expressão “teoria da conspiração”, escondem-se, penso eu, conjuntos de ideias, informações ou crenças que são injusta e inadequadamente postas num mesmo saco, tão variada e diferente são as naturezas desses conhecimentos ou teorias. Não fui atrás de definições no dicionário, mas o que se conhece como “teoria da conspiração” parece ter que ser, primeiro, uma teoria - dâ! - e apontar algum organizações ou figuras que atuam debaixo dos panos sob algum tipo de motivação ou intuito obscuro e oculto e que não deve ser compartilhado com as massas.

Ok – pois nessas caminhadas bibliográficas, dei de cara com um cara que pode ser chamado de máster ou deus das teorias da conspiração: Jacques Bergier. Ele é polonês, mas morou na França e adotou o nome francês cedo. Entre as profissões que exerceu estão a de engenheiro, jornalista, espião e... ocultista. Ele é uma daquelas figuras exóticas, incríveis, instigantes e inspiradoras que combinam, num mesmo cérebro, numa mesma personalidade, caraterísticas que são, a princípio contraditórias, pelo menos aparentemente.

Pelo que consta, ele aos dois anos já lia e escrevia. Era um gênio. Tinha memória fotográfica e foi quase inevitável se tornar um homem de ciência, e não qualquer um: realizou trabalho importante relacionado ao funcionamento de mecanismos que até hoje são utilizados em toda usina nuclear. Conheceu pessoalmente, e trocou figurinhas, com Arthur C. Clarke (deus da ficção científica) e H.P.Lovecraft (deus dos livros de fantasia de ficção científica, ou vive-versa) e se diz que foi ele quem deu a ideia pro personagem de James Bond – o que não é de se duvidar depois da leitura de seus livros...

Os Livros Malditos foi um livro que baixei – no melhor estilo pirataria cínica – sem saber do que se tratava; o título é legal e a sinopse interessante. Logo de início, nos primeiros parágrafos, você não entende bem o que está lendo: isso é ficção ou é pesquisa científica ou pseudocientífica?

Como o próprio título do livro indica, Bergier fez uma pequena lista de alguns livros que ele chama de malditos, a fim de explicar porque eles o são: e a solução é ótima: porque todos eles contêm conhecimentos profundos e revolucionários que, se fossem tornados públicos, poderiam levar a humanidade à autodestruição; por essa razão, uma associação chamada Homens de Preto (isso mesmo!) foi criada para cuidar de evitar, do jeito que for necessário, que esse conhecimento caia em mãos erradas.

Gostou do enredo? Mas lembrando: estamos falando de um homem de ciência, sóbrio, ser humano efetivo e eficaz, que, ao mesmo tempo, fala de alquimia, espelhos que servem de comunicação com extraterrestres, armas de destruição em massa a distância... tudo isso como se fosse factível e perfeitamente possível.

Jacquer Bergier é incrível. Ele é um daqueles personagens que parecem ter saído de um conto do Jorge Luis Borges: pessoas que no seu quotidiano encaram o invisível e o fantástico como elementos integrantes da realidade; pessoas que, apesar de conduzirem uma vida pautada na lógica científica, por isso mesmo, decidem ser corajosos e enfrentar aquela série de fatos e acontecimentos estranhos que, mesmo hoje, nesses dias de fotos e vídeos ubíquos, vivem acontecendo... Parece que o mantra de Bergier, assim como o de Jorge Luis Borges, é uma hiperbolização daquele dizer super clichê: “existem mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia” – Bergier, como homem de ciência, substitui, de forma bem clara e didática, filosofia por ciência.

Porém ele não é um idiota como Daniel Däniken, que falsificou dados, intepretações e inventou mentiras pra provar que alienígenas são responsáveis por tudo (o que sobrevive ainda nos programas histéricos e engraçados do HIstory Channel). Ele é como se fosse o primo mais equilibrado do autor de Eram os deuses astronautas, ou, como disse um prefacista, acho, dele, que Bergier é o parente distante meio louco que anima a festa de família, mas com quem ninguém quer muito contato.

Pra quem viu Arquivo X, é fã do Snowden (o que não quer dizer não ser seu crítico) e pensa bem antes de digitar qualquer coisa na barra de busca do Google (por medo de que uma palavra como “hemorroida” seja associada ao perfil secreto que a empresa comprovadamente guarda sobre cada um dos seres conectados deste planeta), Bergier não diz nada de muito novo. É a forma clara, aberta, convicta e ao mesmo tempo cuidadosa, mas vigorosa, com que ele diz que hipnotiza, e faz os amantes  (não crentes...) das teorias da conspiração, just like me, sentirem seus corações baterem forte.

Só pra dar um gostinho: impossível não pensar que a ideia toda do filme Homens de Preto surgiu a partir da leitura dos escritos de Jacques Bergier.

"Parece fantástico imaginar que existe uma Santa Aliança contra o saber, uma Organização para fazer desaparecer certos segredos. Entretanto, tal hipótese não é mais fantástica do que a da grande conspiração nazista. É que, somente agora, nos apercebemos até que ponto era perfeita a Ordem Negra, até que ponto os seus afiliados eram numerosos em todos os Países do mundo, e até que ponto essa conspiração estava próxima do êxito. É por isso que não podemos rejeitar, a priori, a hipótese de uma conspiração mais antiga.

[...]

Encontram-se traços dessa conspiração, tanto na História da China ou da Índia, quanto na do Ocidente. Dessa forma, pareceu-nos necessário reunir toda informação possível sobre certos livros malditos e sobre os seus adversários".


Pra quem quer uma leitura estimulante e diferente de tudo o que você já viu, taí uma sugestão. Muito interessante que ele conta histórias como quem conta uma novela com intrigas, traições e mortes, e ainda fornece vários nomes e datas – a maioria, se verificado na Wikipédia, bate em tudo com as informações que o autor nos dá, o que dá um ar de veracidade (que chega a ser inquietante) ao que ele diz, mesmo que se trate de um livro que tenha o poder de controlar mentes a milhares de quilômetros de distância...


Mas lembrando, ele não é um doido varrido. Livros Malditos é só um dos livros de Jacques Bergier. Em um outro, o tema é o império do petróleo... Escrito no final da década de 70, ele parece descrever tudo o que está acontecendo atualmente, no sentido de guerras e conflitos relacionados ao sangue negro...



Enfim, leiam.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Happy/ Unhappy end

Escolha a alternativa correta:

1
Dois egos se encontram, se tocam, se roçam,
Se colam, se falam, se trocam,
Se cheiram, se lambem, se mordem,
Se adoçam, se bolam, se comem,
Se amarram, se querem, se jogam: se fundem.


2
Dois egos se encontram, se tocam, se roçam,
Se colam, se falam, se trocam,
Se cheiram, se lambem, se mordem,
Se adoçam, se bolam, se comem,
Se amarram, se querem, se jogam: se fodem.

Awake - Ainda sobre sonhos

O embate realidade versus sonho está muito mais presente no nosso refletir do dia a dia do que pensamos. Se, por realidade, temos esse conjunto de atividades mentais e físicas que englobam desde tirar a primeira remela do olho, passando por lavar um prato, pagar uma conta, executar uma tarefa repetitiva e soltar um peido antes de dormir; e por sonho tudo aquilo que de alguma forma não seja tudo isso, ao pensarmos só um pouquinho, podemos ver que a coisa é um pouco mais complicada que isso. Quase sempre é.

Já disse em algum outro texto meu nesse blog que pensar muito nesse tipo de coisa pode levar a um estado de loop filosófico infinito e improdutivo que chamamos de loucura. O que mais uma vez me levou a esse tema, foi a descoberta de um seriado interessantíssimo chamado Awake, que pode ser encontrado no Netflix. Um detetive, depois de um acidente de carro em que estavam sua esposa e seu filho, toda vez que dorme, acorda numa outra realidade em que quem morreu foi sua esposa; e quando dorme nessa realidade, quem morreu foi seu filho. Ou seja, uma realidade é o sonho da outra.
Isso por si só é uma grande sacada do autor – a série tem seus defeitos: a parte filosófica ou reflexiva da condição desse detetive pai de família é muito pouco explorada... mas talvez por isso mesmo a série não fique chata, como estou ficando agora.


A questão é: pelo fato de viver uma realidade paralela em seu sonho (ou um sonho realista em sua realidade...), com direito a leis da física invioladas e pessoas e fatos correspondendo ao que pode ser considerado real, o detetive simplesmente não pode afirmar qual dos dois mundo entre os quais transita é real. A vertigem na cabeça de quem assiste é óbvia, e as investigações, os sustos e as aventuras em cada episódio conquistam e instigam: “se fosse eu...”. A crueldade das circunstâncias também inspiram e fazem sonhar: viver numa vida com a esposa que na outra realidade morreu; viver na outra vida com o filho que numa existência não existe mais... quem não queria uma chance dessa, por mais que isso pareça loucura – loucura mesmo, desequilíbrio mental no estilo “pega o doido!”.


Humberto Maturana diz que não existe prova absoluta que apoie a existência de uma realidade em detrimento de outras – mesmo o sonho ou as fantasias de um esquizofrênico, ou os delírios de uma pessoa febril ou drogada, só são classificadas como "loucura" por referência a outro estado, o qual convencionamos chamar de “realidade”. Fora dessa referência estatística (sim, pois lembremos que já vivemos, pois a maioria acreditava nisso, numa Terra plana habitadas por demônios... Aliás, estes ainda vivem por aí, segundo número considerável de pessoas....), que também é cíclica, não se pode afirmar nada de nariz empinado, arrogantemente como donos da verdade. Isto é, ninguém tem acesso privilegiado a uma realidade absoluta.

Então quer dizer agora vamos todos sair sambando por aí vestidos de bailarina, peruca rosa na cabeça, gritando e sendo feliz como se não houvesse amanhã? A não ser que estejamos no carnaval de 2016 (em que uma certa pessoa realmente fez isso), não, não é o caso. O objetivo de filmes como Matrix e Abre los ojos (Vanilla Sky em Hollywood), ou de seriados como Awake, não é convencer as pessoas de que não existe nada, e que o mundo é um caos sem sentido e podemos fazer tudo o que quisermos (no mau sentido). Imagino que a ideia é meio que gritar: olha, se o mundo em que vivemos agora é uma bosta, deve ser porque ele não foi dado ou imposto por ninguém – se não existe Verdade ou Realidade com maiúscula, existem aquealas com minúscula, e estas são perfeitamente questionáveis, flexíveis, recriáveis e infinitamente cheias de possibilidades. E bote aí nesse saco de coisas questionáveis todas as pragas e mazelas atuais: o machismo, a destruição do meio ambiente, os vários tipos de intolerância, a ganância desenfreada do capitalismo, a violência absurda etc. As coisas não são pra ser assim – as coisas ESTÃO SENDO assim. A realidade é fruto das nossas ações em conjunto, desde o senhor que colhe material reciclável em sua carroça, até o executivo que quando está de mau humor causa a bancarrota de países periféricos da África ou da Ásia... #myOpinion

Essa verborragia acima são exemplos de reflexões que podem surgir depois de assistir a episódios de um seriado bem escrito, bem concebido, e quase tão bem executado – mas idiotamente cancelado por “ser complexo demais para o público americano” - como Awake. Whatever.


Esse é outro: “série massa. Vale à pena”.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Franz Kafka para presidente!

Realmente, fatidicamente, escapistamente, tenho evitado tocar nesse assunto. Prefiro falar de morte e de suicídio, como fiz cedo de manhã com amigos, num desses grupos no app da Vida das Sombras – a morte pelo menos é um fenômeno biológico, fatal; tá aí e pronto, aceite-se.

BUT

O que este país está vivendo, o circo em que nossa política se transformou, é algo que nem Savador Dalì conseguiria pintar. Poderia enumerar a sequência absurda de absurdos e abusar da hipérbole e de metáforas desesperadas... Mas como sugeri acima, poupar-me-ei, assim como a meus parcos e condescendentes leitores. A realidade brasileira já é em si uma hipérbole da falta de vergonha, da ignorância, do descompromisso, da corrupção, da parcialidade, da burrice. Num processo digno dos contos mais alegóricos de Jorge Luis Borges, a metáfora tornou-se o real, o mapa se tornou o a realidade – no nosso triste e patético e mórbido caso, o mapa é um espaço cheio abismos, desfiladeiros, descampados e morros de pura sujeira e ignorância, Ignorância, daquela profunda, que vem do núcleo, do início dos tempos...

Por mais esperança que possa se ter que, aos poucos, o ser humano que gritou “Não me importa o que venha depois, só quero que essa presidenta saia!”, pense melhor e mude para um discurso mais comedido, há fatos e ações inapagáveis, que se inscreveram no traçado mesmo do espaço-tempo (e espero que o eterno retorno seja pura loucura metafísica de Nietzsche...), como por exemplo, um torturador elogiando o torturador da mulher chefe da nação, e sendo aplaudido por isso...

Ok – respirando fundo:

A política brasileira, a mídia e a reação das pessoas, têm exaurido a noção de surpresa da qual um Homo Sapiens típico é capaz – todo dia é uma coisa diferente: o homem mais corrupto de todos tendo os processos arquivados, o golpista falando que sofre golpe, o deputado que vota pelo impeachment em nome da esposa mas que envia mensagem de amor para a amante... Ou seja, a capacidade de se surpreender se desgasta a tal ponto que, a visão de uma baleia voando, cagando filhotes de Cunha sobre o Planalto, torna-se quase trivial, banal.

Mais uma pausa dramática... E para terminar:

Mais um “É como se...”: uma Metamorfose à l’envers: eu acordei (e mais alguns milhões), depois de sonhos intranquilos, e não fomos nós que nos tornamos enormes insetos nojentos... Acordamos num esgoto, governado por ratos e baratas, louvados e/ou tolerados por milhões de outros insetos inertes, hipnotizados por um globo luminoso com funções inseticidas...


Sugiro lerem o último parágrafo ao som de violinos. Ou disso.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Esses dias eu vi... Unbreakable Kimmy Schmidt

Tem povo pra ter mais criatividade pra criar séries de TV (me dou o direito de dizer “de TV” porque de vez em quando um arcaísmo faz bem) do que os americanos? Tenho pra mim que se você procurar um seriado de uma mulher trans ruiva que defende os direitos dos animais até à morte enquanto filosofa sobre a vida com piadas ácidas e doses de romantismo démodé, você vai achar.

Há meses, por meio do inimigo número um das operadoras de tv paga do país, e nova droga dos solitários e dos que padecem de ansiedade e pré-depressão – netflix - , achei um novo seriado legal: Unbreakeble Kimmi Schmidt.

O mote da história é estranho e indica algum tipo de humor sarcástico: uma mulher de trinta e poucos é libertada de um bunker onde vivia com outras três e um fanático religioso que as havia convencido de que o mundo tinha sofrido uma hecatombe nuclear. As risadas começam quando ela sai:

Ela vê-se jogada num mundo que envelheceu e evoluiu quinze anos, o que faz da aventura dela uma viagem no tempo. A série brinca com as trapalhadas dela com a tecnologia, com os novos modos de viver e com a mídia dominada por memes. Acrescente-se ao drama da protagonista, a Kimmi, o fato de ela abandonar sua minúscula cidade Natal para enfrentar a grandeza caótica e ultra-hipster-pós-moderna, New York. Lá, no meio da fauna urbana decadente, ela se torna a melhor amiga de um homossexual negro, acima do peso e vítima de ataques de estrelismo; de uma senhora pós-hippie meio perturbada da cabeça; e de uma socialite fútil, solitária e desesperada.

Os diálogos são condensações de ironias, críticas e reflexões light e jocosas sobre a superficialidade da vida contemporânea. Casamento, amizade, dinheiro, solidão e amor são temas recorrentes nos diálogos e cenas, tratados por meio de piadas ora inteligentíssimas, ora propositalmente idiotas – o que faz rir alegremente em 90% dos casos.


É um seriado leve e despretensioso. Não tem nada de revolucionário – porém brinca de um jeito divertido com a Vida através dessa fixação em metalinguagem, própria de muitos seriados atuais. O afã de Kimmy em ajudar as pessoas ao seu redor de uma forma quase pura ajuda a desestressar. Vale à pena. Os episódios são curtos, rápidos, enxutos e coloridos. HashtagLegal.

sábado, 9 de abril de 2016

Esses dias eu vi... Batman vs Superman

Primeiro, que qualquer coisa que envolva briga de grandes nomes de super heróis, sobretudo aqueles que marcaram a sua infância, soa um tanto apelativo e chocante, sim, soa... Confesso que, como não-leitor de HQs, quando soube de um filme com esse título, minha primeira reação foi me perguntar: “Por que diabo esses dois brigariam?!” As razões apontadas pelo trailer vieram - e, sinceramente, me pareceram de fracas a ridículas... Mas como o trailer não é o filme, esperei pela história toda e o resultado foi... ok. 



O aviso de que não seja, nem tenha sido, leitor de HQs serve para explicar minha ignorância sobre o fato de Batman vs Superman ser a costura de várias histórias em uma só, envolvendo os protagonistas, a Mulher Maravilha e, claro, o início da Liga da Justiça. Deixando de lado os aspectos esotéricos dos fãs e dos entendidos das histórias precursoras do filme, farei apenas uma análise impressionista, de leigo mesmo, da coisa toda:

Motivo da briga: Batman, apenas chocado e passado na manteiga com a destruição causada pelas brigas de rua do vândalo Superman, decide que o da capa vermelha merece uns cascudos por matar pessoas ao desarrumar a casa em suas estripulias. Junte-se a isso o fato de Bruce Wayne já ser um riquinho chatinho perturbado da cabeça – que, no fundo, no fundo, padece de uma grande inveja dos poderes do alienígena de Krypton, que pode matá-lo brincando... De fato, convenhamos, talvez seja muita coisa pra digerir, sobretudo pra um ser humano acostumado a ter tudo e pagar caro pelas bugigangas hi-tech: ver um cara mais bonito, mais tudo, sambar e conquistar mais prestígio do que uma pessoa vestida de morcego...

Conflitos psicológicos internos à parte, e falando um pouco mais sério, no filme, mais que no trailer, e apelando pra uma sensibilidade maior ao drama da vida, ao som de violinos, você até que engole o motivo da briga entre os super-herois – ok, fight (se bem que, procurar o outro pra conversar, pra conhecer seus dramas, entender que a destruição foi justamente pra salvar o mundo [e não apenas uma cidade suja...], não rolou né?... ok)... Os preparativos para o início da parte boa do filme, a destruição, envolve a apresentação de um Lex Lutor pirado... e CHATO, umas cenas lentas e desnecessárias, enfim, um enchimento de linguiça clássico. Então vem a quebradeira – que não é tão boa assim na verdade; e, então, a parte em que os inimigos da escola de ensino fundamental se tornam, do nada, best friends forever... Não vou dar o núcleo do spoiler já dado, por vergonha alheia. Enfim. Chega-se a um fim trágico, porém não surpreendente. O mundo tem salvação – habemus Mulher Maravilha, ê! – mas vai ser complicado e “não perca os próximos episódios”. Entusiastas adolescentes esboçam aplausos, mas a audiência toda na sala sai em geral em silêncio. Mas os críticos profissionais, não.

Não sei quem foi que disse que “o papel dos críticos é criticar”. Pois procuraram coisas criticáveis e, de fato, as há demais nesse filme. Porém, a maior parte das críticas são pesadas demais, e chegam a ser injustas. Chegaram a chamar de fiasco... Não, não é um filme ruim e não é um fiasco. Só por não ser O FILME, Batman vs Superman não pode ser classificado como fiasco. Se a proposta era ser um retalho de grife de histórias prévias que servirá de base pra outras histórias, talvez mais interessantes, parece que cumpriu seu papel. 

O século XXI é um século de cansaço e exaustão da criatividade. Não sou eu quem digo – entendidos teóricos da literatura, do cinema e de praticamente todas as artes dizem isso. Na verdade, é história batida, pelo menos desde o fim do Império Romano – isso no Ocidente, porque se falarmos de China e Índia... A questão é, pra inovar (cabem aspas aí...), até Hollywood tem que se virar, e parece que a bola da vez é a desconstrução da figura do herói – isto é, fazer a caveira dos bonitões fortões bonzinhos. E, de quebra, incluir nessa desconstrução, reflexões filosófico-religiosas light ou pesadas mesmo. É bom lembrar que esse tipo de discussão já acontece em outros tipos de filmes e livros há muito tempo – quase desde sempre. Mas lembremos também que estamos falando de Hollywood, de povão, de mainstream. Chamar Super Man de deus, ou apresentar ao público a dissecação do sentimento religioso, dizendo que a religião é um tipo de subterfúgio do ser humano diante da realidade – talvez não pareça conversa muito simpática a muita gente. E é isso que se vê em Batman vs Superman. Porém, a desconstrução é o que mais chama a atenção: o superman nada mais é do que um alienígena deslocado, que não consegue se adaptar ao planeta, nem sabe muito bem o que quer, tem ataques de grandeza e um narcisismo mal disfarçado. No filme, vemos que ele não é tão bonzinho assim, e mesmo o fato de ser bonzinho, simpaticozinho, não faz dele um santo, já que num planeta de 7 bilhões de homo sapiens, salvar o gato preso na árvore pode ter nenhuma utilidade prática diante de ataques terroristas suicidas em algum lugar perdido do mundo.

O Batman, já sabemos que é um desequilibrado. Encarna, na verdade, o arrogante de classe média alta que luta contra o mal de forma meio paranoica – é como se acabar com o crime fosse mais um show de travesti querendo abalar, do que algo necessário para o bom funcionamento da sociedade – nem é preciso questionar aqui sobre quantos homens mascarados e/ou de capa seriam necessários para lutar, de fato, contra o “mal”... E essas últimas aspas se tornam sintomáticas se pensarmos no público assistindo à briga entre dois heróis cuja integridade e caráter são duvidosos: o que é o Bem? O que é o Mal? Cadê aquele meu herói bonito, bom e barato, sacrossanto, puro, legal, equilibrado? O gato comeu?

Super heróis são projeções de angústias e esperanças nossas. Quem não queria que o superman fosse seu pai (ou vice-versa) durante a infância? Um povo quer ser cuidado por um herói assim como a criança quer ser cuidada pelo pai – toda segurança, coragem, solução de problemas emanando apenas de um ser super poderoso, invencível. Aí, vira e mexe, pá: você descobre que aquela pessoa perfeita não é tão perfeita assim, e que a projeção dos seus sonhos e anseios pode ser interrompida – porque a tela que você encontrou (o namorado, o pai, a mãe, o amigo) não corresponde exatamente aos parâmetros de tamanho, largura e cor minimamente adequados pra uma boa ilusão...

Não sei – por um lado, acho que as críticas pesadas e injustas a Batman vs Superman vêm, de um lado, de uma rejeição, por parte dos críticos, desse flerte com Lars von Trier, ao refletir cinicamente (mesmo que de passagem) sobre religião, e política também; e, de uma cara de enjoo, por parte do público, diante da lama moral que é jogada na figura dos heróis, que, pra muita gente, e ouso dizer que para a maioria, deveria ser pura e imaculada, já que se vai ao cinema pra se divertir, comer pipoca, namorar, e não pra se refletir sobre a vida, sobre a natureza humana, e, pior ainda, sobre a natureza divina... (Beyoncé que o diga: críticos criticando: "Pra que ela vai falar de racismo e violência policial nas músicas dela se tudo o que nós queremos é bater cabelo e descer até o chão? Petralha! [adaptado]").


Veria de novo? Sim. No cinema? Não – não vale um segundo ingresso. Mas é um filme ok. Vão lá. Vale à pena. Talvez não em 3D... Whatever. 

sexta-feira, 11 de março de 2016

Abismos, Nietzsche, sexta-feira

Me gustan los abismos oceânicos. Ao contrário do que comumente se pensa, não são zonas mortas onde só as trevas e a morte imperam. São regiões vivas, cheias de energias estranhas, seres esdrúxulos que suportam pressões absurdas e pululam longe do sol da superfície desde sempre, muito antes de polegares opositores ajudarem primatas arrogantes a agarrarem e criarem coisas pra viver e matar e. A vida mesma – como dizem algumas teorias - pode ter surgido ali, no seio de bactérias que vivem sem oxigênio e sem luz. É claro que tem alguma coisa de Jung nisso tudo. As metáforas possíveis para isso que se chama de mente humana são óbvias. Mas não quero reduzir a paixão pela maravilha dos mundos abissais a um mero sentimento oceânico clichê e pseudorreligioso. Porém, dizer que só há curiosidade intelectual aí é igualmente desonesto.

Um cientista americano, entusiasta da exploração do fundo dos mares, disse uma vez que nossa preferência técnica pelo espaço, em detrimento do breu aquático, vem de uma questão cultural: o que está em cima, os céus, a clareza, o mistério das estrelas, é algo bom, positivo, saudável, mais promissor e agradável do que o desejo científico pelo que está em baixo, obscuro, oculto nas trevas, no inferno... Parece justo esse pensamento – todos buscam os céus, e não o inferno. Mais uma metáfora: todos querem o feliz e o contente, não o que rasteja ou nada nos recônditos do invisível interno.

O interesse pop pelas ciências “psi” desmentiriam isso, na opinião de quem discorde. No entanto, o “pop” desse interesse já desanuvia a questão e fala a favor da fuga do que se contrapõe ao que é alegre e feliz. No fundo, no fundo, a tendência é ter medo do que está por dentro – seja dos mares do planeta, seja dos pensamentos e ações de uma pessoa.

Não há argumento central aqui – pelo menos até agora. Fazer a defesa do hábito reflexivo deprimente e tenebroso é quase o contrário do que se pretende... Então falemos de Nietzsche, pra jogar um pouco de luz nesse caminho meio down:

Nietzsche disse que a filosofia de um ser humano é fruto de sua fisiologia. Que djabo isso quer dizer? Conectando isso a “você é o que você come”, um ditado que tem deixado de ser pseudo para se tornar científico nos últimos tempos, o resultado é que, por mais que achemos que somos donos supremos da nossa vida mental ou atitudinal, mais uma vez, no fundo, no fundo, somos mais é o produto de uma série complexa de interações entre ambiente (comer é uma dessas interações) e o funcionamento do corpo que somos, com suas carências, oscilações de hormônios, níveis de açúcar, etc, etc. Ou seja, nossos mais brilhantes pensamentos, nossas mais altas emoções e sentimentos, não são coisas tão nobres assim como queremos pensar – são fruto do que somos enquanto existimos, just like that, sem lugar para ideias cósmicas e profundas sobre destinos grandiosos, vontades transcendentes que comandam a nossa existência única no universo... Ok, mais uma vez, soa deprimente. Mas ainda com Nietzsche:

Ele diz outra coisa: que deve-se construir uma vida como se cria uma obra de arte. E mais: deve-se viver cada momento como se esse momento fosse ecoar e se repetir pra sempre, infinitas vezes, pelos séculos dos séculos, forever and ever...

Respirando um pouco pra se livrar do peso angustiante dessa ideia, o Eterno Retorno, a coisa soa bonita: somos atores e produtores do nosso próprio filme – se quisermos ganhar o Oscar, bora prestar atenção a tudo que fazemos ou dizemos, pois isso fica registrado no Tempo, e sabe-se lá quem ou o que vai assistir nossa obra prima um dia...

Se a vida é uma obra de arte, todos no fim das contas somos artistas – criadores livres para projetarmos nossa narrativa de vida, nosso plano existencial, e, tarefa mais exigente ainda, executá-lo bem, aliás, mais que bem, já que, até que se prove o contrário, só temos uma chance de encenar a peça perfeita.

Essa liberdade extrema para viver uma vida não é lá um pensamento muito fácil ou agradável pra muita gente. Na verdade, não faz diferença – pensando um pouquinho mais, mesmo quem diz “viver é uma questão de fé”, está admitindo que vive a própria vida a partir de um projeto pré-criado, adotado individual e deliberadamente por N razões: educação religiosa, reflexões lógicas, preguiça intelectual...

O teor de responsabilidade individual das ideias de Nietzsche realmente pode ser um peso. Mas ao mesmo tempo, pode ser um alento: é como se o filósofo alemão dissesse: taí a vida, uma folha em branco; escreva, desenhe, faça o djabo a quatro, mas tome posse da sua vida, não importa o que você faça com ela, ela é e será sua obra de arte...

Pessoalmente, acho interessantíssima a ideia de escrever ou pintar sua existência – aí vem uma possível crítica apontando contradições: “mas não somos apenas resultado de interações cegas do ambiente e do corpo, blá blá blá” – yes, isso é o que aponta a ciência atual (e sem caras feias, essa ciência é a mesma que mantém muita gente com doenças crônicas vivas, e nos mantém escravizados com whatsapp e facebook no seu smartphone ou computador... então, um mínimo de respeito aí).

Mas o que Nietzsche diz é: uma vida fundada na ciência também é uma narrativa, um projeto artístico, um esboço de obra existencial. Fica a seu critério adotá-la ou não – porém, é só tomar cuidado com projetos mirabolantes em que você acredite que pode voar ou prescindir de remédios em momentos em que seu corpo (sim, essa coisa que você É, e não que você TEM) precise para continuar a funcionar...

Whatever. Comecei pelos abismos e acabei voltando À superfície em forma de onda no mar... E aí vem mais um pensamento semi-místico à la Jung: não é incrível pensar que aquela água abissal escura, um dia, por meio de correntes lentas e milenares, percorra um caminho globalmente longo, se aqueça, alcance o sol e enfim a superfície e venha circular em forma de onda até bater na praia, na pedra na praia, num rosto ao sol, numa água arrancada à areia... pra virar espuma? Não é incrível?


Ou é simplesmente falta do que fazer numa sexta à noite?