sábado, 24 de dezembro de 2011

Feliz Papai Noel!

Resumo da palestra realizada em ??/??/?? no Auditório Geral, pelo Pesquisador nº 758-A-25, arqueólogo responsável pelo setor 75 (conhecido pelos nativos como "Via Láctea").

A descoberta é mais uma de uma lista de15 civilizações no setor em questão. O aprimoramento tecnológico é de nível 3, como indicado anteriormente. O ponto forte dos antropoides nº12, tipo 2 (quatro apêndices, dois posteriores, dois anteriores, com ramificações - "polegares" - opostas às demais), no que diz respeito à sua organização sócio-psico-bio-histórico-antropo-social, é a extrema variedade na construção das relações interativas e da expressão das mesmas. Como exemplo vejamos a reprodução - reconstituída a partir de fragmentos de textos extraídos de memória física e/ou eletrônica - de algo que parece ter sido um dos principais fatos históricos (mitos? Lendas?) da civilização em questão:

(Há duas vias de compreensão do tema - uma gira em torno de narrativa histórica ou pseudo-histórica (o que é irrelevante, já que é demonstrado que a "crença" em seres de base biológica como a dos humanos tem fisiologicamente o mesmo estatuto da "realidade" em muitas ocasiões); a outra é relacionada a análises psico-cosmológicas)

Um ser humano do sexo feminino foi avisado por um ser celestial, que daria à luz uma criança especial, sem ter realizado cópula com um ser humano do sexo masculino e sem ajuda de métodos de fecundação artificiais (lembremos que os seres humanos se reproduziam sexuadamente, o que constituiu no caso um evento extraordinário para a espécie). O cruzamento com textos cosmológicos e textos similares de outras culturas humanas aludem a uma conjunção estelar precisa que combina o nascimento do menino (que se chamaria ou se chamou Jesus) a posições referidas como mágicas ou divinas das estrelas Sírio, do sol e de outros planetas do sistema solar da civilização em questão.

Reza o relato que o menino nasceu ainda em condições emblemáticas, que incluem a presença de outros animais não-humanos e a visita de figuras que ainda nossos experts não identificaram com certeza (androides, seres de outras dimensões, reis?). 

O menino em questão, ou Jesus, seguiria uma caminho biográfico obscuro até os doze anos de idade (o que corresponde a um período de desenvolvimento chamado "infância", mas que a análise de outros textos indica ter sido rico em milagres e descobertas estarrecedoras por parte de seus pais (consultar texto intitulado Evangelho da Infância). 

A ideia de que a paternidade do menino seja a de uma figura masculina onisciente, onipotente e onipresente parece ser de muita importância para os seres humanos das culturas em que tal relato é conhecido. Ainda estamos averiguando a veracidade desse dado, mas não temos motivos fortes para afirmá-la ou negá-la.

Como será tema de outra palestra, os principais acontecimentos da biografia de Jesus serão apresentados a fim de entendermos termos interessantes como "Inquisição" e "Apocalipse"... mas continuando:

Mais tarde, com o desenvolvimento das relações de troca simbólicas e das relações de trabalho, surgiram entidades organizacionais conhecidas como "empresas", que basicamente propunham objetos ou serviços que podiam incluir alimentos tóxicos, como a "Coca-cola" (H2O em estado líquido misturado a açúcares e CO2,  corantes, entre outras substâncias incompreensivelmente maléficas aos sistemas e subsistemas biológicos humanos). As relações de tais empresas com os seres humanos se estabeleciam por meio de símbolos apelativos, tais como o "Papai Noel", um ser humano idoso, de barba (pelos localizados em certas áreas das faces humanas, sobretudo ao redor do órgão de entrada de alimentos) - que por sua vez derivava da imagem construída ao redor da divindade masculina não-reprodutiva onisciente, onipotente e onipresente dos humanos.

Por meio de uma evolução complexa realizada e cultivada pelas "empresas" sobretudo entre as crianças, a figura de Jesus foi aos poucos combinada e recombinada com a do "Papai Noel", o que resultou também na e da combinação de outros símbolos de outras religiões (árvores, alimentos, trocas de objetos sem a presença de símbolos intermediários ["dinheiro"], etc). De modo que nos é atualmente difícil entender realmente a dinâmica psicológica da época do ano chamada "Natal" pelos seres humanos: alguns de nossos especialistas falam de uma mera orgia de troca de objetos e serviços com finalidade hedonista de curto-prazo; outros falam de uma ocasião ímpar em que a figura do menino sobre-humano Jesus é rememorada e vista como sugestão de comportamentos altruístas e reflexivos que resultariam em aumentos generalizados nos níveis de serotonina na maior quantidade possível de seres humanos (sobre isso ver "amor" e "fome na África"). 

Sabe-se que crianças nas culturas humanas, durante o Natal esperavam à noite que objetos surgissem, trazidos por "Papai Noel" (possivelmente um ex-funcionário da "empresa" Coca-cola) ou por Jesus, que se deslocaria sobre um trenó puxado por jumentos (como no relato bíblico), trazendo assim felicidade para todas as crianças (embora a relação entre felicidade e quantidade de objetos seja efetiva em 1% dos casos, mesmo entre seres humanos).

Nesse ponto, chamamos à atenção a natureza altamente variada dos grupos humanos - acreditamos que a orgia de troca de objetos e a alta do registro de comportamentos altruístas durante o Natal ocorriam de forma combinada, embora quase que essencialmente contraditória. O caráter de luminosidade, de paz e de amor da figura do menino Jesus é óbvia. A realização efetiva das ações que essa figura inspirava é claramente incongruente com nossas observações históricas dos seres humanos.

Esperamos que tenha ficado clara a importância do assunto em relação aos seres observados e como esta festa nos diz sobre sua natureza altamente contraditória.

Como diziam os seres humanos na época do Natal (segundo as últimas traduções feitas): FELIZ PAPAI NOEL!



(Espero que tenha ficado óbvio que se trata de um texto de ficção em que a minha pessoa imaginou como uma civilização alienígena veria o natal num futuro distante hipotético. Apesar de ter o direito de não sê-lo, sou otimista quanto ao Natal - acho sim que ele pode ser e é pra muita gente a oportunidade de se tornarem pessoas melhores e mais próximas dos ideias cristãos. Mas como não sou cego nem louco, é inevitável que a hipocrisia geral me incomode e me inspire talvez um pouco demais... De modo que corrigindo os nossos amigos alienígenas do futuro e muitas outras pessoas do presente: FELIZ NATAL DE MUITA PAZ E AMOR PRA TODOS E TODAS, DO FUNDO DO CORAÇÃO!!!

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Um pote de barro

Eu não sei.

Porém este meu não-saber é pleno, cheio de coisas: de saber muito, por exemplo, de saber qualquer coisa, ainda mais. Não quero dizer “nada sei”, pois se quisesse dizer di-lo-ia da maneira mais simples e calma: nada sei. A pura contradição imediata no entanto é que se já se sabe que nada se sabe, sabe-se alguma coisa então sim, e já não é mais um nada isso. Logo, uso “não sei”, que é um arco incansável de flechas inúmeras apontadas pra todo lado.

O fim disto? No lo sé – pra que não soe sempre igual. No lo sé porque nem o começo alcanço e fico mesmo é no meio – no meio presente, no meio ambiente, no meio entender, me esticando, me retorcendo e contorcendo, em busca de elasticidade, flexibilidade, ductibilidade também: rigidez não dá, o galho teso é o primeiro que quebra com o peso. Quero poder dobrar-me o pensamento naturalmente sem dor e ter a resistência impossível da fibra sintética mais nova.

E o que pesa? Tudo o que é pesa, meu Deus, até o sol pesa na cabeça. O tempo, o espaço, a vida, a morte, o riso, o choro, o problema, o emblema, a dor, o prazer, o desejo, o querer, o ter, até o ser pesa, pesa, pesa... Nem Heracles, Atlas, Einstein, Maturana, loucos e congêneres chegam pra tanto esforço. O único jeito é deslizar, fluir, deixar – a água deixa, a água flui, a água tanto bate que até fura...

Parece que estou dizendo água? Pois então é porque és pedra, e eu tanto vou bater que... Ou não – vou é ficar aqui quieto, me contorcendo pra ver se tomo a posição tranqüila do ser dessa cadeira, que é em paz, desse vaso com plantas, vermelho úmido e perfumado do barro, dessa janela aberta, grande olho vazado da minha casa no perímetro final urbano à noite.

Pois é noite. Não poderia ser de outra forma já que no Japão uma menina diz sim a seu menino-amor de olhos puxados e enternecidos no portão da escola ao sol de verão. Na China outra menina é atirada pelo não da mãe no rio – porque quem cuidará dos pais velhos no dia de amanhã?

É noite aqui e eu queria também uns olhos puxados e enternecidos pra mim. No entanto só tenho sacrificado filhas-meninas de tanto pensar cínica e cegamente no meu futuro. Taí mais um algo que pesa: o futuro. Pesa tanto que de tanto fitá-lo sou capaz de matar a menina do olho e ficar cego, tateando no presente estado de coisas, perdido e sem rota.

Já olhei nos olhos do abismo – e sim, este me olhou de volta; já desci de escafandro até o fundo do mar pra ver de perto o raro caranguejo branco circulando o vulcão que aquece o escuro eterno, e lhe dá vida exótica. Olhei nos olhos do bicho, que era cego de tanto não ver e vi ali que: também muito não vejo, um ror de coisas me escapa – qual o próprio aracnídeo, que me escapava semanas atrás: e ainda assim ele existia, sem eu saber! - e entendi que mesmo o sol e o pensar são um pequeno vulcão triste, ilha de vida no meio do breu eterno...

Nessa minha janela tem uma estrela. Que a nuvem cobriu. Eu espero. E um morcego voa. E uma buzina. Talvez uma chacina... Longe. Eu espero.

Se morresse agora queria que me mumificassem – pra saberem como era um plebeu desse século último: perenemente à espera e cheio de problemas nas transmissões entre os neurônios. Os sábios de daqui a cinco mil anos, meus descobridores, saberiam do que se tratava? Entenderiam meu cigarro, meu remédio e minha expressão? Identificariam as carências de hormônios de alegria e de prazer ou o excesso dos outros, e leriam a vaidade da minha vida na fala muda dos meus objetos? Ou diriam apenas: “Não chegou a ser tudo o que era, mas este outro objeto – a cadeira – sim”?

Olhe que quando se trata de viajar, esse mundo apenas não me basta. Eu saio mesmo, vou-me. O único risco aqui é não voltar. Antes esse risco que o de vida que se corre lá fora de casa – de onde o próprio ir pode-se perder sem volta, por um relógio, por um não, por um talvez. O não-retorno é um medo e Clarice pensava às vezes que não voltava completamente. Seria como dormir e acordar ao mesmo tempo. Um perigo. Mas deixe, teço um fio de Ariadne, uma linha telefônica direta com o prático: alô, a conta?, ah, o dinheiro, é preciso, o preço do viver, o custo da vida, eu sei, eu sei e... puff!,  caí da nuvem, voltei.

O feijão aumentou muito de preço essa semana. Porque a soja colhida por máquinas dava mais dinheiro, e agora parece que é a cana de novo, pois o petróleo suja demais e queremos viver pelo menos mais um século, pra ver se dá tempo de sair do planeta ao menos. Recomeçar, reinventar, repetir... A árvore do conhecimento cresceria em solo marciano? Seu fruto será a vida eterna e o conhecimento? Sinceramente, eu duvido muito, vide Terra: aqui deu no que deu, e a gente se pudesse, voltaria atrás? Ai, meu Deus, pra que tanto arbítrio?

Na verdade o que eu queria era escrever um texto que se pudesse ler em qualquer contexto, ou seja, uma coisa que uma pessoa, um ET ou um anjo, ou seja lá o que fosse pudesse ler sem percalços e demasiadas dúvidas. Mas isso é impossível, eu sei, ao menos com palavras. Palavras são moedas e os dinheiros, as cobiças e os preços mudam rapidamente... [E números também são palavras, viu, essa história de que matemática é universal não procede – o número é a palavra de uma língua – e a língua é coisa nossa, humana...]

Ser entendido através dos tempos exigiria talvez a singeleza e subobjetividade de um objeto: teria que dar uma de artista plástico, é: manejar o bruto da matéria, o subjetivo do palpável e lançá-lo no espaço tangível para que as objetividades gerais o captassem como coisa mediata. Por exemplo, como traduziria o texto que é esta crônica com a palavra-bloco-texto da pura língua objetal?

Simples: um vaso. Aliás, um vaso não: um pote. Um pote de barro vazio, como o da minha avó, que era cheio de uma água doce, às vezes da chuva, e deixado num canto de penumbra. A água absorvia essa penumbra, e um frescor triste mas bom tomava conta de quem tomava da água fria. E o pote nunca secava, juro! Perguntava à avó quem o enchia (pois nunca vira ninguém enchê-lo) e ela dizia que ninguém, sorrindo enrugada.

Pois se tivesse que deixar um testamento-recado para a posteridade inominável, este seria um pote vazio – se bem que é sempre bom lembrar que um pote, e um copo, vazio está cheio de ar... Pois seria a minha cara, a minha máscara, a minha metáfora para os seres desse futuro por quem mato meninas no rio das preocupações.

Aí em seguida a nova pergunta existencial desses seres seria sobre o que ali faltava, o que no artefato anacrônico caberia: água, jóia, loucura, sangue, terra, excremento, excentricidade, ossos, carne...? Grandes concílios se fariam entre os sábios para decidirem que segredo guardava o objeto deixado como relíquia pelo habitante do mundo que morreu...

E aí talvez já próximos à desistência diante de tal árido mistério intelectual, um sábio mais dado a filosofices chegasse, e finalmente, com coragem, jogasse uma indagação perturbadora mais ou menos como essa: “E quem disse que deve faltar alguma coisa a esse objeto? Não vêem, como eu vejo, que o recado é justamente esse: que no vazio assinalado cabe tudo o que nele não há? E que sua infinitude está justamente no todo das suas possibilidades... e que essas possibilidades são mais nossas que as de quem fabricou...?”

E ainda assim o pote não teria dito uma palavra, cheio de penumbra e silêncio...

sábado, 26 de novembro de 2011

A vertigem da burrice

Não, não se trata de, como diria um Bóris Casoy acadêmico "Ele, do alto dos seus textículos...", prescrever um manual de identificação de pessoas burras e não-burras. Ousando me auto-citar, num post anterior disse coisas que acho que não são consideráveis completamente idiotas sobre saber e não-saber, e sobre as questões éticas e existenciais que isso envolve.

Na verdade, é que o número 7 000 000 000 me comove. Me comove mais pensar que há dez anos era 6 000 000 000. Pra ser mais exato me dá vertigem: eu, preocupado com a minha limitada e complexa existência, e infinitas pessoas por aí com a mesma preocupação, inquietações, confabulações, etc, etc. Realizar que pensamentos como "eu quero", "eu amo", "eu odeio", "tô de saco cheio", "tenho razão", "vão se las*ar", "Gozei", "Não gozei", "Sou *oda", "Não sou f*da" e outras agruras e doçuras humanas, se repetem bilhões de vezes todos os dias, todos os minutos e todos os segundos, é algo que cansa.

Borges disse alguma coisa como que os espelhos e a cópula são abomináveis porque multiplicam a tragédia humana (as palavras não são exatamente essas). Comparar espelhos à cópula já é uma coisa incrível; o conteúdo da afirmação revela um sentimento que pode ir de uma misantropia básica a um ecologismo blasé. Nos nossos dias penso que nos sentimos forçados a entender Borges - talvez não sua suposta e aparente misantropia, mas é que, ecologismos histéricos à parte, essa história de que onde cabem cinco bocas de meninos europeus sorridentes cabem 7 bilhões só pode resultar em *utaria mesmo.

Aí vc pensa na variedade de seres humanos sobre a face deste planeta. Os felizes, os patéticos, os genocidas, os religiosos, os não-religiosos, os cínicos, os doces, os ingênuos, os famintos, os obesos, enfim - toda aquela miríade de caracteres dos quais cada um de nós deve conhecer a milésima parte. Antes de lavar os pratos (ou justamente numa tentativa de evasão a isso) a pessoa, reflexiva e com uma nuvem negra na cabeça, pensa: como o ser humano X (Malafaia, Bush, Serra, Xuxa, Bashar Al-Assad, Fulano), num mundo já nada fácil como esse, pode ser tão cretino/estúpido/arrogante, em suma, MAU, enquanto que eu sou tão legal/equilibrado/simpático, em suma, BOM? 

Aí então, de dentro da nuvem negra sai um demônio que por acaso tem auréola e asas de anjo acompanhados de cascos de bode e rabo de serpente, dizendo: "Jura? Jura mesmo?" Sem a necessidade de o anjo-demônio dizer mais nada, repito a mim mesmo a frase anterior, trocando vítimas por acusados... e em seguida me sinto terapeuticamente menos BURRO.

Mas também não é sobre quem é *oda que estou pensando. É sobre deixar os outros em paz. É sério: homens sábios em todos os tempos disseram coisas lindas e profundas, dentre as quais, algumas eu considero, senão meus mandamentos pessoais, minhas sugestões éticas pessoais. "Não matarás" e cia têm seu valor; essa não é a questão. Um judeu (ou um muçulmano) quer matar um bode na porta de casa pra receber uma visita ou quer matar duas rolinhas e dois pombinhos pra purificar uma mulher menstruada? - eu seria capaz de gravar isso e publicar no youtube achando super digno e divertido. A Dona Maria X ou o seu Zé Y querem passar a noite na igreja gritando e no dia seguinte entregar todo o seu salário mínimo nas mãos de um pastor, e ainda me chamar de coisas se eu ousar fazer algum comentário? - tudo bem, seria deselegante, mas minha vida continua. Jovem rapaz XYZ ou moça bonitinha querem se casar pra ter seus filhos, dar-lhes nomes estranhos e viverem pseudamente felizes para sempre? - eu mesmo penso que viverei assim (com algumas adaptações técnicas, claro).

Mas então, eu, mão no queixo, talvez sentado na privada, me perguntaria, singelamente perguntar-me-ia: com que direitos, por acaso, o judeu, ou a dona Maria X, ou o jevem rapaz XYZ vão, num belo dia de sol, saírem da sua casa, pra bater na minha porta (isso é uma metáfora - pode ser um passeio no shopping, na praia, na rua, uma declaração na TV, no congresso, etc) e dizer que: eu vou pro inferno OU por uma questão semântica a pessoa que eu amo e eu não formamos um casal OU eu deveria ter vergonha na cara OU eu sou uma pessoa doente OU eu posso até ser uma pessoa legal mas há um vazio na minha vida OU eu sou antinatural OU etc...? Pq q EU sairia da minha casa pedindo pra averiguar o tamanho e profundidade dos umbigos dos meus vizinhos, amigos, inimigos e colegas e ver se eles são iguais ao meu? Pq eu seria contra que o menino HXZ vestisse uma blusa de bolinhas amarelas ou gostasse de introduzir em certos orifícios (como a boca) pepinos ou bombons de café? O QUE EU (na minha necessidade urgente de lavar uma tonelada de roupa e rever minha família em Campina Grande) TERIA A VER COM ISSO?

Isso é clichê - eu sei, eu sei... N'importe quoi.

 Então, pra encerrar e parar de dizer mais do mesmo, acho, apenas acho, que se AMAR AO PRÓXIMO é uma frase que, apesar de simples, dá margem a tantas interpretações (que incluem até MATAR e INFERNIZAR), quem não consegue pô-la em prática, poderia tentar essa aqui ó: DEIXAR O PRÓXIMO EM PAZ, QUIETO, NO CANTO DELE, ASSIM COMO EU FICO EM PAZ E QUIETO NO MEU.

Não é lindo? Não seria bonito se todos seguissem esse mandamento? Estou quase certo de que beija-flores e borboletas pousariam todo dia na minha janela e as pessoas seriam mais felizes, menos impotentes biográfica e sexualmente, se estressariam menos, teriam mais tempo de trabalhar suas limitações em vez de tentar derrubar os outros... enfim, contradizendo o que disse no primeiro parágrafo, DEIXANDO OS OUTROS EM PAZ, o número de pessoas consideradas burras iria diminuir drasticamente.


Amém.







domingo, 13 de novembro de 2011

La Piel que Habito

A metade do filme é classicamente Almodóvar: a cor vermelha, reflexões visuais sobre o corpo, menção à animalidade do homem, sexo direto e indireto, um pouco de sangue, de suspense, de tragédia e pitadas de trash. Quando começa a cansar, aí Almodóvar lembra porque é chamado de gênio, e num jogo surpreendente e desestabilizante nos faz engolir goela abaixo os restos de preconceito que ainda alguns ousam ter quando se fala de ser ou não ser alguma coisa... 

Compartilho da sede de investigação e da agonia do diretor espanhol a respeito do que é ser um homem, do que é ser uma mulher. As soluções que ele encontra pra expressar as imprecisões e limitações do pensamento humano sobre o assunto são únicas e poderosas.

Popmente falando, eu diria que Rafinha Bastos e cia (misóginos defensores do estupro) deveriam urgentemente ver esse filme. Ou talvez não - sairiam do cinema dando as risadinhas histéricas que se ouviram de meia dúzia de pessoas que estavam a fim talvez só de algumas cenas de homossexualidade com reflexões existenciais diluídas em piadas mais ou menos leves...

Talvez La Piel que Habito não tenha o ritmo de Kika ou a extrema poesia de Hable con Ella - mas é mais incisivo, mais sexual e reflexivamente penetrante do que qualquer outro.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Adorável fim do mundo

Esperar pelo fim do mundo se tornou um clichê (e eu tenho uma relação pessoal conflituosa com o clichê, seja na literatura, no cinema, nas cenas do quotidiano, nas aventuras e desventuras da vida...), ainda mais nessas últimas décadas de doidice eternamente pré-apocalíptica. O fim de uma coisa é o fim de outra e etc.

Blá-blá-blás à parte, ter nascido no começo da década de 80 nos proporciona a vivência de muitas mudanças dignas de nota: globalização, internet, capitalização do mundo. Fico pensando no mundo que as crianças de hoje aprendem na escola ou vão aprender em breve: não há mais dois pólos, União Soviética e EUA; a Europa não é tão rica assim; o futuro do Brasil não está mais tão longe; não se tem mais vergonha de se declarar a centenas de pessoas que vc acabou de tirar uma catareca do nariz – e por aí vai.

O mundo dá voltas – dizem uns com mais ou menos amargura do que outros. A China faz exigências a uma Europa esmoler; os EUA, tb não muito longe de pedir por favor um real pro pão, flertam com o fudamentalismo; homens ambiciosos que têm como única ocupação profissional apostar na falência de empresas e países por meio de especulações imundas e cínicas ganham mais dinheiro do que eu e todos os meus amigos do Facebook ganharemos durante toda a vida (sobre especulação financeira, procurem urgentemente um documentário chamado Inside Job – e prepare o nariz de palhaço e a máscara à la V deVingança).

Eu fui criado e educado de uma forma a me sentir bem com mudanças, e acho que até geneticamente tudo o que é rígido e excessivamente tradicional pra mim cheira a mofo. Portanto, no mundo de abelhas humanas inquietas de hoje, me sinto relativamente bem. A ansiedade e o stress dos nossos tempos de colméia capitalista suja é a parte ruim do processo, e precisa ser resolvida – até porque a abelha número 7 bilhões nasceu alhures, e todos sabem que o mundo não é só flores... na verdade a maioria dos seres humanos deste planeta quando pensam em felicidade só pensam em ter água e comida à noite...

Amanhã uma pedrinha de 400 km de extensão e pesando milhões de toneladas, batizada de Yu-yu-yu-youtube - na verdade é só 2005 YU55 - vai passar raspando pelo nosso periclitante planeta sugado e exaurido. Legal. Um pouco de drama: ele foi descoberto há 6 anos e desde então sua órbita e tamanho foram revistos 2 vezes: para maiores tamanho e proximidade. Talvez seja por isso, só por precaução, que uma agência governamental americana, a FEMA, agendou um mega teste de resposta a tragédias a nível nacional, que vai parar o país via rádio e televisão no dia... 9 denovembro... Só pra ter certeza tb e não dar gosto ao cão, uma agência europeia vai fazer um teste de alarme contra tsunamis no dia... 9 de novembro.

Ah, mas essa teoria da conspiração tb é um clichê...

E na manhã do dia 9, quando eu disser “Bom dia sol!”, ele vai responder como sempre com seus raios lasers fustigantes e invencíveis, no mais patético clichê do mundo.

J

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

The Pink Fire ou Adoro Séries Americanas



"Yeah. Eu estava andando na rua, meio sem saber o que fazer, pensando, refletindo, matutando sobre a próxima série americana de sucesso. O que eu fiz? Fui dar uma olhada nas pesquisas de opinião sobre assuntos diversos, nos fóruns de internet sobre as séries e filmes atuais atuais, li jornais, passei horas no Facebook, vi e revi episódios das séries mais bombantes do momento. Todo os dias tinha uma ideia que parecia ser o enredo, a trama genial dos próximos 6 ou 12 meses: um sarcástico anão de chapéu coco rosa que sofre de bulimia e sonha realizar a cirurgia de mudança e sexo; ou duas irmãs siamesas que publicam seus conflitos cotidianos numa rede social decadente brasileira e acabam conhecendo seus futuros maridos na internet; ou ainda um travesti de família, de cabelo ruivo que luta pelos direitos dos animais, e que por isso arruma muita confusão com uma turma do barulho...

Com essas ideias na cabeça, tentei dormir e esperei a reunião com os gigantes da TV no dia seguinte. Na ocasião, ouviram minhas novas ideias abalantes com paciência e interesse comedido, e tive que receber em troca sermões sobre direitos humanos, moda, clichê, apelação, números, politicamente correto ou não, tendências, psicologia, e uma série de coisas (ou nem todas essas) que no fim serviram apenas pra dizer que o telespectador atual, segundo as tendências reveladas pelas últimas consultas midiáticas, estaria mais receptivo à série The Pink Fire, a minha série sobre to travesti ruivo. Embora eu pessoalmente preferisse as donas de casa siamesas por causa das questões feministas e etc, topei e com um esboço de cinco linhas de The Pink Fire no bolso fui em busca de um smart guy escritor, um cara frustrado com muito talento, ou um cara sem talento nenhum mas que falasse a linguagem do business da mídia, ou um grupo de 30 macacos epilépticos com vários iPads à disposição.

Encontrei o cara certo, Gene Busilis, que estava saindo agora da reabilitação e estava sedento por dinheiro - além de ter quase ganhado vários prêmios de literatura e poesia num passado de quando tinha cabelo. Gostou muito da minha história e disse que com toda essa coisa de direito gay e moda e etc seria fácil escrever vários episódios pra série. Ele mesmo por acaso, mas só por acaso, tinha um amigo travesti e poderia usá-lo como laboratório - inclusive ele vivia uns dramas muito úteis... Eu o interrompi dizendo "whatever" e pedi que ele me adiantasse o piloto e mais uns dois episódios - ele disse "moleza" e se foi, cheirando a whisky.

Se vcs forem fãs de séries americanas, nem precisarei dizer que o primério episódio de The Pink Fire, que tem na trilha sonora Led Zeppelin, Nirvana e Pink, e que mostra com incrível doçura e sensibilidade o momento exato em que Donald Skyler em lágrimas confessa a seu beagle Junior que sempre quis ser Scarlet, foi um sucesso de público e crítica - aparecendo até em primeiro lugar no twitter por horas!

Tenho muito orgulho desse trabalho ao lado de Busilis (o nome fica bem na tela, escrito em caracteres que se desfazem em chamas rosas no início de cada episódio) porque acho que ele toca nos corações das pessoas por ser sincero e falar de desafio e amor e..."


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Melancholia

Melancolia... do grego: deprê, do paraibano, borocochô... também é o título do último filme daquele diretor de nome jedi, o mesmo que disse que entendia Hitler. (Posso até ouvir os pensamentos "Ai como ele é chato! O Lars von Trier é um grande diretor, um dos melhores das últimas décadas, etc e tal - o fato de ele ter se tornado persona non grata em Cannes foi uma infelicidade..." - aham Cláudia... )

O que se esperar de um filme com um nome e um diretor desse? Antes de qualquer coisa, sinto do fundo do meu coração que devo dizer que não sou crítico de cinema e nem pretendo ser. Sou apenas um espectador que vê coisas e que inevitavelmente as comenta - e antes de um belo e estúpido "Guarde pra si..." eu adianto um "Saia daqui". 

Já imunizado então:

O filme se arrasta. Tanto quanto Dançando no escuro, que mesmo tendo Bjork no elenco, é de uma chatice, Jesus amado, emocionante... Gostei de Manderlay - mas porque será que Lars von Trier sorrindo a Hitler não me soou tão estranho enquanto via esse filme...? Mistura de drama com ficção científica, Melancholia foi feito pra isso mesmo: convidar vc a um mundo que desmorona e em breve se destruirá como único caminho e solução possíveis (e daí se parafraseio?). Das duas partes, Justine e Claire, a primeira é de longe a mais insuportável - sendo que a segunda, por girar em torno de Claire e por conseguinte, em seu medo de ver a vida na Terra destruída pelo doido planeta Melancholia, surgido do nada de de trás do sol...(jura mesmo? de verdade?) tem mais a ver com não querer morrer - nessa parte também há mais "ficção científica". Tudo bem, a ideia de que há sabedoria no luto da morte da própria vontade de viver me é simpática - mas a maneira cansativa com que Lars von Trier diz isso não me é. Juro que um dia vou saber dizer exatamente o que eu quero dizer, mas há um "Cara, eu sou foda" em forma de perfume em todo o filme: no inesperado, no óbvio, no que é pessoal do diretor, até no que é realmente bom (as cenas ultralentas no início e o depauperamento de Justine na segunda parte) há esse cheiro - como alguém que exagerou na dose de perfume, ou que usa o mesmo há muito tempo...

A impressão que eu tenho é que Melancholia é uma múmia do Egito que se na verdade não fosse do Egito seria só uma falsificação bem feita.

Enfin...

Veria de novo?

Veria.

domingo, 9 de outubro de 2011

Lumière

 Este é o sol,
Este é o mar,
Este é o eu,
E o eu é isto.

O cima, o baixo,
O dentro e o fora,
Tudo resumido num árduo esquema
De querer saber;
Mas entender
É outra história
Que não é esta,
Nem isto,
Nem eu.

Porque o momento é aqui.
Em que tudo é tão límpido e claro
Que transluz...
(Abriu-se o véu)
Mas do outro lado
Não há nada que não seja
O este,
O isto
O eu
E o aqui.
Assim.
E apenas assim.
Ofensiva e alegremente assim.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Como não se decepcionar com seres humanos

Pedantemente continuando na linha “Faça vc mesmo o que é impossível fazer sozinho”, seguem algumas dicas de como evitar aquele sentimento trágico de “eu não esperava isso..., oh vida, oh céus e etc...”

Primeira coisa: diante da tal tapa na cara do destino encarnado pela mão de uma pessoa amada ou querida, vasculhe bem os documentos de atos, palavras, erros e acertos da relação na sua memória e averigue mesmo se a decepção em questão não era no fundo no fundo esperável mas, mais no fundo ainda, não desejável, e portanto, invisível. Se a resposta for “Não, não, eu não esperava mesmo!”, faça como segue:

Pegue a bíblia e abra em Provérbios. Ou o Tao Te King e abra nas primeiras páginas. Ou ainda pegue Clarice ou Borges, jogue um dos livros deles pra cima e leia a primeira coisa que aparecer – tanto vai fazer mesmo se vc estiver realmente na freqüência da decepção...

Em seguida, olhe pra lua. Não ouse pensar que ela (a lua) te traiu, pq se for o caso, a coisa pode piorar por dentro do coração.

Vá até a farmácia e pergunte se eles têm uma substância chamada Depo-provera, um tipo de castrador químico para bandidos – o objetivo aqui é vc tomar essa coisa e passar a ver portas e cabides quando olhar pra seres humanos belos e legais e sensuais. Diante da resposta negativa do atendente, explique do que se trata e espere ele fazer um olhar de medo ou de desprezo ou de riso. Depois disso, vá para casa, sente-se no seu computador, e se matricule num curso de chinês no Livemocha. Depois que tiver aprendido o básico, meses depois, se ainda a sensação de “Cara, não esperava mesmo...”continuar, entre com toda a papelada para fazer o pedido de imigração para a China e espere. Espere. Espere. Dando tudo certo, havendo no heart ainda o desejo de “não quero mais ninguém nessa vida”, arrume suas malas e vá até a China. Visite a Praça da Paz Celestial, a Cidade Proibida e dê um pulo num templo budista.

Se “Oh vida oh céus” ainda for o hit nos seus pensamentos, faça o seguinte:

Perdido na China, trabalhe muito, mas bem muito, junte muito dinheiro e quando tiver poupado algumas dezenas de milhares de dólares, ou seja, daqui a uns vinte anos, ou antes quem sabe, mais ou menos na época em que a China tenha tornado a viagem pra lua viável para riquinhos (e o nosso planeta não esteja já morto), compre uma caríssima passagem pro nosso satélite natural. Isso mesmo: desfrute da gravidade zero no trajeto, olhe pra curva da Terra, pras estrelas, tenha pensamentos místicos, e etc. Chegando na lua, durante um passeio turístico na superfície, abandone o grupo e saia correndo (ou pulando) loucamente; arranque a bandeira dos EUA (se estiver mesmo lá), procure uma cratera bem escondida, mas digna, e se instale aí, forever and ever, da forma mais confortável possível....

Pronto: decepções, nunca mais.

E seja feliz.


domingo, 18 de setembro de 2011

Como tornar-se um homofóbico de carteirinha

Mais uma no esquema psicologia reversa, método psico-bio-histórico-sócio-pato-pedagógico de ser hipócrita ao contrário com pretensões de autoconhecimento indireto e ao mesmo tempo crítica ácida e tresloucada...

Que seja, então:

Ao contrário do que se pensa, se tornar um homofóbico de carteirinha não é das coisas mais simples. O processo é longo e cheio de agruras e peripécias. Mas com as minhas dicas, a via crucis que resulta na formação de uma personalidade conflituosa, contraditória e belicosa tornar-se-á certamente mais fácil de se entender, aprender e apreender. Allons-y.

Primeira coisa: lembre-se da sua infância. Focalize na imagem daquele menino que falava fino (como todos os outros meninos da escola aliás) e que todos chamavam de gayzinho; lembre-se de como ele ficava só, ou então acompanhado apenas pra ser esculachado pelos outros colegas, no meio dos quais vc entrava, já que só havia duas possibilidades, como seu pai mesmo tinha ensinado: ou é homem ou é mulher, ou é branco ou é preto, ou é deus ou o diabo – se vc não é macho, é bichinha, e uma bichinha na família, nunca! Ainda se lembre da cara de medo do coleguinha de voz fina e de como seria um pesadelo ser como ele, fraco, perseguido e estranho!

 Lembre daquele rapazinho na quinta série que só tirava nota boa, que era o queridinho dos professores – e era bicha. Lembre que mesmo quando vc estudou até altas horas da noite, ele ainda assim ficou em primeiro lugar no ranking imaginário de melhores notas: aquele VIADO!

Mas talvez vc tenha sido uma criança religiosa que estudou em escolas religiosas. Então esconda no fundo da sua memória aquele dia em que o meninozinho bonitinho passou a aula toda olhando pra vc e vc sem querer sonhou com ele fazendo brincadeiras que os seus amigos machões não considerariam muito másculas. Apague da sua memória ou então simplesmente reformule: “aquele viadinho nojento me contaminou com o seu pecado, etc, através de forças mentais, blá, blá, blá” – e lembre-se de como só possuía duas armas pra lutar contra essas forças demoníacas: ou deus ou um murro na cara. Se vc escolheu deus, sabe que hoje vc é um ardoroso defensor da moral e da vergonha na cara – pois “se eu, quando adolescente, consegui vencer as tentações abjetas da carne enviadas pelo Cão através do viadinho, então todos os homossexuais também conseguem! O fato de às vezes eu olhar durante mais de cinco segundos com desejo pros glúteos de um homem, e de vez em quando, ter um ou outro sonho com pessoas do mesmo sexo, não quer dizer nada! Apenas que o diabo sempre tenta as pessoas de bem e que eu estou no caminho certo!”.
Já que homossexuais são homens que querem ser mulheres, ao menor sinal, nem que seja o menor e quase imperceptível, e mesmo imaginado, sinal de afeminamento em algum amigo ou colega seu, solte uma expressão qualquer que o acuse explicitamente, fazendo sempre menção ao ato sexual, já que homossexuais são pessoas que fazem sexo e apenas isso, mesmo que eles trabalhem, sejam pessoas simpáticas e legais – mas são gays: tão errados quanto ladrões (embora gays não roubem pessoas), tão nocivos quanto viciados em drogas (mesmo que não haja vício nenhum nem façam mal nem a si nem a ninguém)... enfim, não seja complacente – um amigo que desmunheca na sua frente hoje sem vc falar nada, é o homossexual de amanhã que será mais um pra atazanar seu juízo e sua sexualidade correta e que corre tantos perigos no dia-a-dia!

Outra regra de ouro para se tornar um homofóbico exemplar: mesmo se vc, por falta de rigor, por acaso ou por desleixo mesmo, for menos bem sucedido do que um homossexual no trabalho, nunca aceite tal coisa, e considere esse revés algo absurdo e inadmissível! “Eu, passado pra trás por um viado ou uma lésbica nojenta? Não!” Se vc não puder torturá-lo no ambiente de trabalho com piadinhas e olhares de escárnio e ódio, faça isso na sua igreja ou no fim de semana: se vc for menor de idade, junte uns amigos e altas horas da noite bata com uma lâmpada fluorescente no rosto de um viadinho que estiver passando na esquina; se vc for de maior, faça a mesma coisa, mas com máscaras; com os irmãos da igreja, organize uma “marcha pela família” levando 9 faixas com as palavras inferno, ódio e pecador, e uma com a palavra amor.

Se vc tiver perdido sua mulher pra outra mulher, não vá conversar com um amigo bom e legal ou com um psicólogo – nem tente conhecer outra; antes, tente acabar com a vida da ex, xingue todas as lésbicas que vc vir na rua e mais uma vez, cogite a idéia de criar um grupo de Moralização Violenta da Sociedade Brasileira. As marchas pela família heterossexual e fundamentalista também vão fazer vc se sentir menos enojado pelo casamento desfeito por causa do pecado e da perversão homossexuais.

E por mais que algumas religiões e pessoas sábias digam que devemos entender e aceitar o próximo, faça de tudo pra se lembrar daquilo que duas pessoas do mesmo sexo fazem na cama! É nojento! É inaceitável! É sujo! Como entender essas pessoas que fazem tudo do que vc religiosamente foge, ou pq odeia ou pq tem medo de querer fazer também? Não, compreensão tem limite, amor ao próximo também. Mesmo que a vida sexual seja algo que diga respeito a cada um, o que homossexuais fazem é de domínio público! Porquê? Vc não precisa saber nem explicar, é assim!

Outra regra: homossexuais não são como nós, pessoas normais e equilibradas: eles, como são dominados pelo pecado, têm uma alma resistente, não podem ser feridos psicologicamente – como poderiam, se escolheram deliberadamente fazer imundícies com os seus corpos? Por isso a ênfase na violência física – a dor um dia há de abrir a mente dessas pessoas para o que é certo.

E mais: mesmo que 99% dos assassinos, estupradores, ladrões, políticos corruptos, viciados em drogas, pessoas deprimidas e etc, sejam heterossexuais, todos sabem que homossexuais são de modo inato inclinados  ao crime e a tudo o que é ruim – ainda que o padre da igreja seja pedófilo, a vizinha ultraconservadora seja alcoólatra e o pastor tenha tido um casinho com uma menina muito novinha, são os homossexuais que são os grandes pecadores!

Se vc for mulher, não tolere que todos os amigos homossexuais de suas amigas tenham namorado e até mesmo maridos (é o fim do mundo!) se vc, que é uma mulher de verdade, bonita, meio descuidada, mas MULHER de verdade, e não uma bicha, não tem nem um fica! Isso não pode acontecer, a ordem correta do mundo não é essa! E mais: grite pra todos a verdade óbvia e ululante: que todos os males do amor de que as mulheres sofrem são culpa dos homossexuais! Solução: piadas e fofocas no trabalho, confusão na rua com viados descaradamente felizes, mais marchas pela família, etc, etc.

Pra finalizar, vc não será um homofóbico ou homofóbica eficiente se não souber contrabalancear um volume enorme de pseudo-argumentos religiosos com uma dose de argumentos pseudo-científicos divulgados por sociedades ligadas ao Vaticano, por exemplo. Treine também o modo seletivo de analisar as mídias e a literatura sobre o assunto: dê preferência à Bíblia e textos de advogados, pedagogos, psicólogos e psicanalistas que tenham tido algum problema com pessoas homossexuais no passado de suas vidas. Não hesite em chamar alguns amigos que consigam escrever sem cometer muitos erros de sintaxe e de ortografia para divulgar nas listas de contatos de e-mail textos apocalípticos sobre a moral decadente do mundo de hoje, mascarando a questão do ódio aos homossexuais com idéias feministas e pseudomoralizadoras. Também nunca perca a oportunidade de relacionar pedofilia à homossexualidade: mesmo que a escola da sua filha tenha subido no ranking do ministério da educação depois que aquele professor gay ter se tornado diretor, uma mentirinha por uma boa causa é sempre bem-vinda!

Enfim, não tolere que os homossexuais conquistem direitos. Todo mundo sabe que a sua vida não vai mudar em nada, sua vida sexual não vai nem melhorar nem piorar, nem vc vai ganhar mais ou menos dinheiro; é uma questão de princípios morais: aquele casal homossexual não tem o direito de se casar e correr o risco de ser mais feliz do vc é no seu casamento sem graça!

Bem, ser um homofóbico de verdade não é fácil. Mas o caminho do céu (ou do Bem, ou da Moralidade, ou das Coisas Corretas e Direitas) não é fácil... como ser feliz na moral e na ética enquanto pessoas que vão pro inferno conseguem ser felizes sem fazer mal a ninguém?

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

- Ahn? - Hum hum. - ... - Oui...

Não sou grande conhecedor de filmes nem do cinema em geral. Se bem que ousaria dizer que pelo menos quando se trata do cinema de ficção científica teria pelo menos algo a dizer sobre – sobretudo se se trata do que foi feito nos últimos 20 anos, ou, se anterior a isso, do que é considerado “clássico”.

Ontem vi um filme chamado Primer – na verdade parece mais um daqueles telefilmes, películas feitas pra TV. É da ficção científica dum tipo muito simpático: sem pretensões, com baixíssimo orçamento, cheio de reflexões, com história plausível, ou pelo menos, não maconhística. Resumo rápido (pq o objetivo aqui não é falar de sci-fi): dois amigos depois de experimentos na garagem conseguem criar uma máquina que anula o efeito da gravidade – pra quem acompanha o assunto, a relação de gravidade e outras coisas como o tempo, não surpreende, e essa é a sequência da idéia do filme: os tais amigos (que têm uma vida normal, aliás chata... e pq eles só se vestem de camisa e gravata?) descobrem que podem voltar algumas horas ou dias no tempo. Seguem-se altas peripécias, mini-tragédias, raciocínios complicados sobre quem mudou o que no passado e como essa mudança teve desdobramentos inesperados, etc. Não é cansativo, na verdade o filme é bem curto, e desperta curiosidade. Gostei – exceto, repito, do figurino e um pouco da atuação dos personagens (é como se vc ouvisse o diretor gritando: “Vcs são jovens inteligentes e normais, meio nerds, mas nem tanto, são bonitões e racionais!”

A história desse filme é cheia das lacunas que um amigo e eu, afeitos à lingüística e ainda à literatura, chamaríamos de extra-linguísticas – um semiólogo ou um cineasta chamaria de outra coisa; mas falo daqueles buracos na fala, na narrativa do filme, que devem ser preenchidos pelo espectador e pelo seu conhecimento de vida ou de cinema. Falei disso quando “escrevi” sobre A Árvore da Vida. É óbvio que esse mecanismo não é novo -  e é óbvio que o cinema não poderia existir se um diretor num filme resolvesse contar cada detalhe das ações e dos pensamentos das personagens, meio que Joycianamente.

No entanto, penso, na minha humilde ousadia de cada dia, que o cinema de hoje não pode prescindir disso. Os filmes de hoje não são como os filmes dos anos 1930 – oh, coisa mais que óbvia. Por exemplo, quem já viu Metropolis, clássico da ficção científica, além do maravilhamento pela sensibilidade do criador em tratar de forma visionária temas que hoje são correntes e até démodés, não pode se impedir de rir pelo menos mentalmente de cenas hoje desnecessárias, de precisões da narrativa que hoje são subentendidas. Quem acompanha o cinema (e falo do cinema americano combinado ao europeu e um pouco do oriental, com leves pitadas do nórdico e escandinavo, dos quais tenho idéias en passant) nos últimos 10 anos, acho que já é capaz de acompanhar uma Árvore da Vida ou um O segredo dos teus olhos sem muito problema pra costurar os pedaços lançados na tela. Não sei se me faço entender e é por isso que passo adiante:

Clarice disse que gostava mais do que ela dizia nas entrelinhas. Todos e todas, de escritores ávidos pela palavra perfeita a adolescentes de vocabulário de 300 palavras que querem se desculpar por serem idiotas, já sentiram e já usaram frases do tipo: “Não sei o que dizer...” e entende-se que a sequência é “...porque não encontro palavras tão complexas ou tão simples que possam traduzir com eficácia completa o que sinto e penso ou sinto que penso ou penso que sinto”. Embora sejam coisas ligeiramente diferentes mas relacionadas, não é incrível como vc consegue comunicar algo a um amigo íntimo com poucas palavras ou simplesmente nenhuma, ou com um mero gesto, ou com um silêncio de certa duração? Não é maravilhoso o que se pode dizer em uma sala de aula aos alunos, com um olhar, uma contração de músculos ou ainda um mero silêncio? E na intimidade a dois – as possibilidades de comunicação muda são maiores ainda, já que o corpo está ali pulsante de sentidos e palavras de carne e cheiro... Acho isso fascinante – e é por isso que considero as conexões que estabeleço com pessoas ao longo do tempo e das experiências sinceras de afeição que se compartilham,  das coisas mais valiosas que existem: estar com alguém e dividir com outrem, além de momentos da sua vida, mas também a expressão e impressões desses momentos, a ponto de elas juntas formarem uma sinfonia e uma sintonia quase perfeitas – é algo semi-mágico, semi-divino...

Alguns filmes, livros, músicas e pessoas me fazem pensar nisso que tentei descrever acima (meio hippiemente). O Escafandro e a Borboleta, Certas Canções (Milton Nascimento), Água Viva (Clarice Lispector), minha família, meus amigos. Coisas também: o mar, uma planta e um pôr do sol. E formigas.

Alguns processos: coisas assando no forno.

Hoje é feriado, o que explica esses suspiros místico-psico-filosóficos. O céu azul está gritando coisas boas, daqui de casa, no Benfica, ouço o mar convidativo. O barulho da bomba d’água do prédio e do locatário que sempre fala gritando não anulam a sensação de bem estar.

Encerrando essas reflexões-confissões de um pré-pós-trinta, bonne journée à toutes et à tous.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A Árvore da Vida e do "é..."

Não vou me alongar - prolixidade mil vezes é um defeito intolerável.

Sábado à noite, se vc já estiver no clima reflexivo ao qual algumas pessoas tendem naturalmente, ou ao qual são convidadas em dadas ocasiões, não aconselho comer do fruto da Árvore da Vida. É possível que ganhe prêmios, e merecidos: na minha dubitável opinião é ousado - hoje em dia estão na moda filmes cheios de flashes back, de recortes narrativos (nesses casos os diretores contam com o conhecimento cinematográfico do espectador, que está cansado por exemplo de saber que o perdedor adolescente mais cedo ou mais tarde vai virar um super-herói...), etc. A Árvore da Vida é uma sopa de cenas e diálogos, um quebra-cabeça, que reflete mesmo um certo estado mental de angústia e questionamento sobre a vida - e é um quebra-cabela que o espectador deve montar - e essa a ousadia do filme. Cenas do Big Bang narradas pela mãe que perdeu o filho num acidente se combinam à mudez de uma cena de um dinossauro que hesita em devorar outro... Eu sei, contando assim parece a cara da maconha - mas o filme é bonito. As cenas da biogênese, um pouco de evolução e a conjunção da história de Tudo com a história de Alguém, do cosmo e de uma pessoa, cria um efeito de perspectiva muito eloquente: o homem é nada diante da natureza, mas ao mesmo tempo é muito porque faz parte dela... se bem que essa "interpretação" é por minha conta, pois a ideia sugerida no filme na boca de uma personagem é que há o caminho da natureza e o caminho da graça, coisa com a qual não concordo: graça e natureza são uma coisa só... Vide Tao Te King.


Ouvi por aí que psicanalistas e psicólogos promovem discussões e reflexões depois do filme... devem ser interessantes os papos freudianos sobre o significado do fogo, da água e de trechos da narração de certas cenas...

Se vc não é mãe, não perdeu alguém de importante na sua vida, não gosta de ficção científica nem é religioso, mais especificamente cristão, não veja A Árvore da Vida. Se sim, pegue a fatia que mais lhe agrada e tenha bons momentos de reflexão... e um pouco de cansaço.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Silas Malafaia e eu

Para bom entendedor meia palavra basta – e só pros bobos não ficou claro quais idéias sobre sexualidade eu sustento nesse meu modo de pensar que humilde e ao mesmo tempo pretensiosamente publico para todos e todas via blog.
Minha vontade era nunca precisar falar direta, clara e nitidamente sobre a variante sexual que por destino-acaso faz parte da minha ansiosa pessoa – mas depois de doses diárias de venenos como Malafaia, Bolsonaro, Mirian Rios, padres, bispos, pastores, etc, etc, realmente não consigo mais ficar teorizando e dizendo coisas nas entrelinhas e por meio de metáforas mais ou menos intrincadas. Então...
A fim de não me alongar muito e evitar uma verborragia cansativa que no fim seria uma mer*a pedante, vamos imaginar que me encontro na rua e sou interpelado primeiro por...

Silas Malafaia:

Em vez de bom dia, imaginemos que ele me diga:

"O homossexualismo [sic] é comportamental. Uma pessoa é homem ou mulher por determinação genética, e homossexual por preferência apreendida ou imposta. É um comportamento. Ninguém nasce homossexual. Não existe ordem cromossômica homossexual, não existem genes homossexuais. O cromossomo de um homem hétero e de um homem homossexual é a mesma coisa. O resto é falácia, é blá-blá-blá. Só existe macho e fêmea, meu amigo"

Eu, sabendo que este senhor informa em sua biografia online ter formação em psicologia, me dou o direito de primeiro: ficar boquiaberto; segundo: suspirar dióxido de enxofre; terceiro: exibir a cara mais nítida de desprezo que meus músculos faciais forem capazes de conformar; e quarto, dizer, na voz mais suave que a minha mãe me ensinou a ter quando se fala com pessoas... diferentes:

- Meu caro senhor, antes de qualquer coisa, parabenizo pela decisão de ter desistido daquele bigode ridículo que o senhor usava – embora uma parte da sua virilidade nojentamente imponente pareça ter ido embora, admito que condiz mais com a imagem de alguém que quer se passar por inteligente, culto, popular e ao mesmo tempo homofóbico, adaptar a aparência a uma neutralidade mais performática, algo mais sofisticado – até pq seu programa, sustentado com o dinheiro de milhões de pessoas pobres (em geral frustrados biográficos, ou pessoas instáveis psicologicamente), é exibido fora do Brasil – não pega bem ser visto pelos gringos como um macho ignorante latino-americano bigodudo...

Embora o Sr continue a ser exatamente quem sempre foi... O Sr. Faz parte do grupo de pessoas que simplesmente odeia homossexuais – e odeia simplesmente por odiar. Numa ocasional reflexão sobre tal ódio, sozinho, sem a proteção de uma presença feminina pra afirmar sua sexualidade, a única coisa que o Sr deve ter encontrado pra justificar sua animosidade mórbida (como “psicólogo” poderia já ter investigado seu excesso de interesse pela questão, não? Um heterossexual pensar noite e dia em homossexuais e no que eles fazem na cama não quer dizer nada...?) são os elementos da legislação tribal do povo semítico que deu origem ao homem que mudou a história... E todos sabem, que a Bíblia, como fonte de leis e mandamentos, é rica – e todos sabem também que dependendo de quem a lê, ela pode se tornar tanto um manual para trogloditas genocidas quanto um guia para evolução espiritual. Eu preciso dizer qual leitura o senhor prefere? Não é à toa que a parte predileta dos homofóbicos é o Antigo Testamento – encontramos aí intactos preceitos de higiene física e mental que remetem a povos da Idade do Bronze – preceitos dentre os quais a mente seletiva de homens cínicos e maldosos como o Sr escolhe apenas – como sempre – aqueles que lhe convêm: ou porque o Sr não diz às suas fieis que não venham à igreja quando estiverem menstruadas? Ou porque não simplesmente promove apedrejamentos em praça pública contra adúlteras? O Sr vomita depois de comer presunto no café da manhã? Ou no caso de sua esposa ser estéril, trocaria ela por outra (uma boa parideira) e ainda a chamaria de amaldiçoada? Se bem que haveria ainda a opção de dormir com suas filhas, já que há exemplos disso no livro santo... Não – que absurdo! Claro que é absurdo – mas as condenações a grupos de pessoas que o Sr. e seus comparsas consideram abomináveis ou simplesmente esteticamente desagradáveis, essas sim, são bem-vindas, bradadas e divulgadas até em outdoors, não é?

O Sr falou de comportamento, o Sr falou de genes – por quanto tempo  o Sr exerceu a profissão de psicólogo? O suficiente pra acompanhar a vida de pessoas que desde criança tinham sentimentos que não combinavam com a cartilha moral e/ou religiosa que pais adestrados por pessoas como o senhor lhes impunham? O suficiente pra assistir ao lento mas inexorável processo de deterioração mental que se dá quando alguém se força ou se vê forçado a anular sua própria sexualidade (não-criminosa)? Imagino que não – até porq eu o senhor tinha vidas pra salvar, ovelhas para conduzir, e canais de televisão para comprar. Ainda vou descobrir, mas é de se esperar que deva ter tido muitos problemas com seus colegas na sua suposta faculdade de psicologia – imagino o Sr se contorcendo de ódio no canto da sala, ocasionalmente levantando a Bíblia para argumentar contra teorias psicológicas não-condizentes com suas idéias de intolerância... Ou então o contrário: combinaria bem com o Sr a covardia de se fingir de bom aluno (mesmo que se matando por uma boa nota, ouso supor), andando ao lado dos inevitáveis e onipresentes colegas homossexuais, conversando com eles, tendo até deles uma boa impressão (são normais, são legais...) mas sempre cedendo ao demônio interior que gritava: eles não transam com mulheres!!! – e esse grito basta pra alguém que está geneticamente determinado, nas suas próprias palavras, a se interessar de maneira abusiva pela sexualidade dos outros...

O Sr. falou em genética – não vi na sua biografia formação em biologia ou ciências afins... O Sr. já ouviu falar das pesquisas de Bruce Bagemihl, que concluiu depois de estudos científicos (e não depois da análise de capítulos do Gênesis ou do Deuteronômio) a existência da homossexualidade em mais de 1500 espécies? Claro que não, a sua mente seletiva deve ter apagado da sua memória qualquer coisa a respeito disso... mas o que o Sr diria? Animais que existem desde antes do surgimento do homem também estão sujeitos à imoralidade humana? Alguém desceu dos céus ou subiu dos infernos pra ensinar casais de leões machos a cuidar de filhotes, a cisnes fêmeas a constituírem casais que duram a vida inteira, assim como a pingüins, borboletas, macacos, minhocas, sapos, etc, etc? Ah, mas pro Sr a Terra foi criada há apenas seis mil anos – então deu tempo de um casal homossexual pervertido e sem ter mais o que fazer ter saído pelas florestas do mundo “convertendo” inocentes animais de deus a seu comportamento abjeto... Outra possibilidade é a falsidade do estudo: mais uma vez sua mente seletiva, a mesma que diante de um “ex-homossexual” não ouve a voz que continua efeminada, a dificuldade de se relacionar com mulheres ou a simples renúncia pelo casamento... O Sr. tem que admitir que se nessa nossa conversa eu tapasse os ouvidos ou fechasse os olhos para certas frases do Sr que simplesmente não me apetecessem não poderíamos conduzir um diálogo produtivo... como o Sr espera falar como antropólogo-biólogo-psicólogo-sociólogo se a única coisa que lhe interessa é conseguir mais e mais prosélitos para sua igreja? Sobra tempo pra ler a literatura científica sobre o assunto? Sobra tempo pra conviver com pessoas homossexuais honestas e trabalhadoras e investigar as suas vidas pra entender o que elas realmente são? Ou o senhor prefere sair à meia-noite, como um vampiro ou lobisomem, em busca de pessoas que vivem do sexo ou que perderam a batalha pelo controle de suas vidas pras drogas (que alguns pastores e não muito poucos fieis seus procuram uma vez ou outra...), e apontá-las diante de donas de casa do Brasil como retrato do que é ser homossexual? Se eu fizesse o mesmo com prostitutas e viciados em cocaína HETEROSSEXUAIS, apresentando os mesmo como exemplos da heterossexualidade, o Sr por acaso não se sentiria um pouquinho incomodado?

Não passa pela cabeça do Sr que o celular que o Sr usa, os computadores, até o idioma que o Sr fala, são resultados de aprimoramentos feitos por um ciência e um modo de pensar que tem base na filosofia de homens que dormiam – dormiam não, transavam com outros homens? A lógica que o Sr (tão deploravelmente) utiliza, ou tenta utilizar – pasme! – saiu da cabeça de um gay! Platão, Sócrates e todos aqueles sobre cujas idéias a civilização chamada ocidental se sustenta eram HOMOSSEXUAIS, convictos e muito bem resolvidos – o Sr naquela época seria visto como um excêntrico desprezível – opinião provavelmente não diferente da do próprio Jesus Cristo: onde foi que ele disse que seus seguidores saíssem pelo mundo perseguindo quem não é ou não quer ser igual a eles? É Jesus mesmo que o Sr. sente no seu coração inquieto quando sai gritando impropérios e xingamentos velados contra pessoas que trabalham mais do que o Sr, que contribuem pra esta sociedade mais do que qualquer Bolsonaro ou Mirian Rios da vida, pessoas que não querem outra coisa senão estarem bem consigo mesmas com quem amam e não serem importunadas todo dia por palavras rudes e idéias retrógradas vindas de pessoas como o Sr.?

[Supondo que eu tenha tido a infelicidade de encontrar Silas Malafaia na rua, sob o sol, já estarei derretendo de calor a essa altura, e pra terminar diria:]

Se um deus de ódio como o do Sr aparecesse numa carnificina hipotética e utilizasse seus poderes para eliminar de uma hora pra outra todos os homo e bissexuais do mundo (os de ato e de pensamento – cuidado!), preciso dizer ao senhor que não haveria mais música, nem filosofia, nem arte, nem inovações ousadas no direito, na engenharia e em todos os ramos do saber? Sobrariam pessoas amargas, homens-bomba, mulheres e homens frustrados sexualmente... O grupo do bem, saudável, que não precisa eliminar homossexuais para sustentar sua heterossexualidade, certamente daria um jeito de se se distanciar do Sr. e de sua horda de degenerados psicológicos – porque não seria de duvidar de que em breve o Sr estivesse perseguindo os ruivos, ou os canhotos, ou homens que comem carne de porco... Ah, e isso tudo supondo-se que o Sr não tenha sido eliminado pela ira do deus homofóbico e hipotético – coisa de que, sinceramente, duvido.

Bem, bom dia – e se quiser, se quiser mesmo, poderia eu mesmo lhe construir uma cruz de madeira para que o Sr. complete seu plano de equivalência biográfica total com o homem que o Sr acha que segue...

domingo, 7 de agosto de 2011

Bonjour


Há um cinza na curva das cores,
Um turvo no brilho do quente
Um pingo de sal no pó de asfalto...

O fio de vida oblíquo que do dentro ao fora tende
Treme em notas chinesas, melodia do oeste,
Cadência incorreta em sussurro islandês.

Não que seja sempre assim o bom-dia.
É que o verbo de ser preso entre linhas
Cuja autoria sempre oculta, e muda,
De vez em quando,
De vez em quando,
Não amanhece,
Não amanhece,
E bonjour
É só bonjour mesmo.

sábado, 30 de julho de 2011

Novo Renascimento ou Idade Média 2.0?

Não gosto de escrever sobre política porque sempre tenho a impressão (aliás, essa impressão é permanente, mas nesse caso é mais forte) de estar ousando demais... Mas que seja, isso aqui não é minha dissertação de mestrado mesmo.

Breivik nesses últimos 10 dias se transformou quase num palavrão - assim como aquelas palavras que nos vêm à cabeça quando lembramos das 68 pessoas mortas em Oslo. O sorriso sereno do rapaz, a delirante mão firme com que ele levou a cabo quase todos os planos dele nos lembram de episódios da história que tentamos esquecer cada um à sua maneira: ou fazendo alguma coisa ou não fazendo nada: 11 de setembro, Hitler, assentamento judeu na Palestina...

Breivik, no seu "diário de bordo" da morte e da loucura (e aqui frisa-se que a loucura em geral é a perversão ou o exagero de algo pertencente à "realidade"... o que nesse caso preciso de intolerância, é mais perturbador ainda) o norueguês fala de "Eurábia" - o que nos remete de cara a algo como uma combinação entre Arábia e Europa...

Pois bem, uma pesquisa na internet nos leva à Wikipédia, e lá fica-se sabendo que o conceito de Eurábia existe desde o começo dos anos 2000. Eu gosto de teorias da conspiração - mas nos filmes! Essa é daquelas que merecem mais que um "Aí dentro": um "Socorro, pega o doido!". Mas como toda teoria da conspiração, tem raízes em fatos, passando por suposições, por projeções exageradas e por fim, um belo toque de ucronia e loucura mesmo. Leiam o artigo (a versão em francês é mais completa) - no fim ficamos sabendo que muitas pessoas (e não apenas loucos como Breivik) acreditam que de fato existe um tipo de acordo conspiratório entre líderes da Europa e do mundo árabe que pretende pôr em prática um processo irreversível (que já teria começado aliás) de islamização do continente, o que incluiria flexibilização das leis de imigração, negação das raízes cristãs da Europa e o denegrimento da imagem de Israel em solo europeu... Essa teoria, que como único dado "correto" apresenta o crescimento demográfico superior das comunidades islâmicas (que está em queda, diga-se de passagem, antes que todos gritem), indica que até o final do século XXI, qualquer mulher que fosse visitar Paris ou Londres teria que usar burca ou véu e se habituar a ouvir as cinco orações muçulmanas soarem na Notredame, que teria se transformado numa grande mesquita...

Quem lê ficção científica como eu, já viu essa história várias vezes: parte-se de um elemento sociológico real, exagera-se tal elemento, combina-se um pouco de drama e recortes de outros esquemas históricos, e finalemente obtém-se uma realidade alternativa convincente, se apregoada no tom certo, pelas pessoas certas, no contexto emocional certo... O contexto hoje é o mesmo do pós-guerra do século XX: medo, intolerância, ignorância... - os "possíveis" dominadores da Europa é que eram outros: os judeus. O anti-semitismo, apregoado nas ocasiões corretas, por pessoas inteligentes, a um povo enfraquecido levou ao Holocausto e à perseguição geral dos judeus. O mesmo acontece hoje com os muçulmanos. Quando se vê um Le Pen da vida que diz achar a ingenuidade do povo norueguês diante da imigração muculmana mais grave do que a matança promovida por Breivik, um sinal mais que vermelho se acende dentro das pessoas que querem nada menos do que paz...

Junte a isso Bolsonaro, Silas Malafaia, Al Qaeda, LulzSec e etc, vc começa a ter certeza de que a ideia daquele fundamentalista da esquina passar a ser um defensor de sistemas anti-islâmicos, anti-homossexuais, anti-qualquer coisa que seja considerada anti-deus-como-achamos-que-ele-é, não é um exagero de hipocondríacos sociais - é questão de tempo, se não se fizer alguma coisa...

Mas do fundo do meu coração de cidadão relativamente pacato, ainda prefiro pensar de que perto dos meus trinta estou vivendo a revolução da informação e da comunicação, e que um dia esses medos não farão mais sentido... 


(Um Hitler de novo não, s'il vous plaît)...